Do Status Quo
Quem me conhece sabe que não ligo muito ao Status Quo. Não só porque acho que podemos sempre cagar no dito (da última vez a Marketeer resolveu censurar-me as “merdas” e os “f…-se” e substituir tudo por reticências; se ali atrás tiverem lido c…, substituam por marimbar; se estiver cagar, então caguem neste parêntesis), como acima de tudo porque sou preguiçoso, e mudar Status Quos dá muito trabalho e tem tendência a aborrecer uma data de gente.
Veja-se, por exemplo, o caso das touradas. É óbvio que a coisa não faz nenhum sentido numa sociedade civilizada como (supostamente) aquela em vivemos. Mas o trabalhão que vai dar mudar aquilo, e a quantidade de gente maior que eu que se vai aborrecer com a coisa? Lá está. Preguiçoso e cobarde, mas isso agora não vem ao caso.
Falava eu, pois, de Status Quo. Mais concretamente daquele que estabelece as posições do cliente e da agência, e o que um e outro devem trazer para a mesa de trabalho.
O mesmo Status Quo que, aqui há uns anos, fruto mais da vontade de uns quantos teóricos do marketing do que propriamente do dia-a-dia da indústria resolveu, de forma muito politicamente correcta, chamar parceiros aos fornecedores e achar que assim estávamos todos mais próximos.
Que não estamos, obviamente.
Porque não é suposto podermos ser honestos e não é suposto podermos falar abertamente sobre tudo, desde a qualidade do produto (ou falta dela) às margens do orçamento da agência (ou falta dela). Entre outros pressupostos.
Que é como quem diz, a sala continua cheia de elefantes.
E eu odeio salas cheias de elefantes. Aliás, acho que odeio salas de tudo aquilo que seja (ainda) mais gordo que eu, agora que penso nisso. Odeio.
Lateralizando um pouco o assunto (ma non troppo, como perceberão), tenho andado a pensar (obsessivamente, dizem alguns) no tipo de agência que quero ter. Ou melhor, que tipo de agência quero ser. Assim um misto de posicionamento com sentido da vida (profissional), tudo temperado com um je ne sais quoi de exagero.
A agência barata? A agência do serviço? A agência estratégica? A agência eficaz? Ou a agência fora da caixa? Nenhuma destas, na verdade.
Não só porque os lugares já estão todos ocupados, como acima de tudo porque, na sua esmagadora maioria, o Status Quo é condição sine qua non da sua existência. A agência barata só o é porque a) paga pouco a quem lá trabalha e b) cobra ao cliente onde ele nem sonha, para poder parecer barata noutros sítios. Contas feitas, tudo coisas que não pode dizer ao cliente, pelo que a relação que tem com o cliente – que é de fornecedor – está muito bem e recomenda-se.
Da mesma forma, a agência do serviço não pode nunca assumir que a qualidade da sua criatividade é miserável, e que é por isso que trata os clientes como trata. Mesmo que os despreze, claro está. Mas como não é suposto falar com os clientes sobre essas coisas, está tudo bem.
E assim por diante.
Nunca consegui – e nunca vou conseguir – apresentar uma ideia em que não acredite. Aliás, prefiro mil vezes começar a reunião por dizer que não consegui e que não temos nenhuma ideia decente, e depois mostrar o que existe, do que atirar o barro à parede e esperar que cole (mesmo que, para muitos clientes, essa honestidade não seja aceitável numa relação de agência-cliente).
Da mesma forma que nunca vou perceber por que carga de água tenho que esconder a margem que cobro a um cliente, como se houvesse alguma vergonha em ganhar dinheiro, mesmo que muito.
Que é como quem diz, nunca vou querer ser uma agência de clientes que apreciem o Status Quo. Quero, isso sim, gente que queira trabalhar comigo, lado a lado, dias inteiros (se possível), que não se importe de ter ideias e que não ache que isso (ter ideias) é fazer o meu trabalho, da mesma forma que eu não acho que pensar estrategicamente o futuro da marca seja fazer o trabalho deles.
Ou, de forma mais prosaica, o que eu quero é gente que seja feliz a trabalhar comigo, e que me faça feliz enquanto trabalho.
Eu sei, o Status Quo não fala em felicidade, no sentido em que esta é pouco profissional. Mas como vos disse, nunca tive problemas em cagar no Status Quo. Nem em criar uma agência para quem quer, mesmo que seja só por um projecto, ser feliz a trabalhar.
Texto Tiago Viegas
Fotografia Paulo Alexandrino