Do Pitch

Em boa verdade, este é um texto há muito devido – clássico Tiago Viegas, portanto.

Genericamente falando, devido aos meu sócios (vá, tu sabes quem és), que há meses me pedem que o faça – já que vou passar 2000 e tal caracteres a dizer asneiras, disparates e outras inutilidades afins – à propos dessa enormidade que é o pitch criativo. E devido também, agora mais especificamente, à Marketeer, que está à espera do meu texto há qualquer coisa como três semanas (se não mais).

Mas enfim, para que serve uma silly season senão for beber gin tónico e falar de uma ou duas enormidades do métier, não é?

Foi o que eu pensei. Pois então.

Assim para início de conversa, acho o pitch criativo uma imensa e rematada estupidez. A vários níveis, de resto. Uma prática sacrossanta que, como quase todas as práticas sacrossantas, é absolutamente dispensável. Assim uma espécie de pior dos piores sistemas, no fundo. Tipo democracia, mas ao contrário.

Permitam-me contar-vos uma história.

Corria então o ano de 1999 quando tive uma acesa discussão com o meu extraordinário professor de semiologia. O tema eram os seus testes, ditos americanos (vulgo, de cruzinha) que tanto pontuavam nas respostas certas como descontavam nas respostas erradas. O resultado prático disto, dizia-lhe eu, para além da minha miserável nota (a pior de todo o curso) e do absurdo número de chumbos, era que para além de avaliarmos mal o que as pessoas sabiam (ou, no mais das vezes, não faziam puto ideia) sobre semiologia, ainda avaliávamos uma série de outras coisas como o QE, a capacidade de fazer contas, o sentido prático, a estratégia de jogo etc., todas elas absolutamente dispensáveis para o ensino da semiologia. Úteis na vida? Talvez. Na semiologia? Nem fodendo.

O dito professor, que entre outras coisas era (e é) o meu querido pai, lá acabou por me dar ouvidos (talvez por isso mesmo) e deu por si a experimentar (já anos depois de eu ter saído da faculdade) fazer um teste normal, com perguntas e linhas para respostas. Os resultados foram desastrosos, escusado será dizer. Mas a parte boa é que pelo menos ficámos a saber que ninguém (ou quase) sabia do que estava a falar. E nesse sentido era um melhor sistema de avaliação, continuo em crer. Mesmo que com piores aparentes resultados, eram certamente mais fidedignos.

Ora com o pitch passa-se exactamente o mesmo. Porque se o objectivo é encontrar um parceiro para trabalhar connosco durante meses, anos, quiçá (obrigado Carole) décadas, não há pior método do que obrigar toda a gente a trabalhar sobre pressão, afastado do próprio cliente (por questões de imparcialidade ou outro absurdo parecido), em pouco tempo e sem a tranquilidade e confiança necessárias. O que estamos a avaliar? A performance da agência em condições que nada têm que ver com o que será o futuro? Uma lógica de “se trabalham bem assim, devem trabalhar bem cozido?” Sou só eu que vejo a imbecilidade e improbabilidade desta extrapolação? E pior do que isso, os resultados: rios de dinheiro deitados à rua pela indústria como um todo – e todos nós sabemos bem o quanto este mercado, estafado e à nora, precisa de deitar dinheiro à rua –  e uma escolha que pode, com muita facilidade, ser feita com base num erro de casting que, naquele momento e em tão pouco tempo, não pode ser identificado.

Visto assim é engraçado, não é? E tudo isto para que um cliente inseguro (ou, no mais das vezes, um comité ou administração ainda mais inseguros, prepotentes e afins) possa ter a ilusão (que é o que é) que está a fazer uma melhor escolha do que estaria se dedicasse o mesmo tempo e um décimo do custo (para todas as partes, incluindo a sua) a conhecer as agências, as equipas e o seu trabalho passado e tomasse uma decisão com tomates. Ou, sendo menos vulgar, uma decisão como profissional do marketing que é.

Notem, eu percebo o pitch; antes de começarmos uma relação convém perceber se nos vamos dar bem, se olhamos para as coisas da mesma maneira; concebo até, do lado da agência, uma abordagem simples que permita, conhecendo o briefing, propor um caminho, uma big idea a seguir – tenho-o feito, aliás, em muitos projectos recentes com resultados bons e maus, mas todos correctos – e com custos absolutamente aceitáveis; o que não concebo são concursos onde cinco (um eufemismo para 12 mais uma que ninguém sabe de onde veio) agências gastam 20 a 50 a 100 mil euros a fazer filmes, banners, rodapés, produzir maquetes de tudo, pedindo borlas a toda a sorte de produtoras (que, como todos sabemos, estão a nadar em dinheiro e portanto o que precisavam mesmo era de ainda oferecer mais trabalho a custo nenhum) e mais o raio que os parta.

No outro dia soube de uma agência que produziu uma campanha e mais o diabo a quatro (ou oito) para ganhar um pitch, esperando que isso fosse factor de decisão. E, pior do que isso, foi. O problema, na minha imodesta opinião? É que isso pouco ou nada diz sobre o que eles vão fazer daí para a frente; apenas que gastaram muito mais do que os outros (e estafar dinheiro é uma skill importantíssima, como sabemos, nesta indústria dita criativa), comprando o cliente pelos olhos e não (só) pela cabeça.

E a agência que perdeu? Uma agência infinitamente melhor que teve um péssimo momento.

É a vida? Claro que sim. Mas a vida às vezes é muito estúpida, perdoem-me a franqueza. Olhem o Trump e o Bruno de Carvalho.

Como corolário, confesso que por mais anos que passem continuo a não conseguir conter o riso quando ouço as agências (ou, como diria o Prince se estivesse para aqui virado, aos centros comerciais formerly known as agências) falar de dumping, atitudes predatórias e mais um sem número de impropérios corporativos que gostam de atirar aos novos players que não participam (ou pouco) em pitchs e por isso são, obviamente, substancialmente mais competitivos – para depois eles próprios (os centros comerciais) participarem em pitchs.

Que, corrijam-se se estiver enganado, é trabalhar (com 75 a 90% de probabilidade) de graça (ou seja, trabalhar sem receber, ou seja, prestar serviços sem remuneração, ou seja, dumping) e rebentarem com o (seu) mercado todo, porque o cliente que vem a seguir (e os que já estão na agência) acabam por pagar necessariamente mais dinheiro para poder suportar a agência com quem trabalham que acabou de estafar 10.000€ em porra nenhuma. Até ao dia em que os ditos clientes fazem contas e percebem que estão a pagar trigo por joio.

E fazem o quê? Abrem um pitch, pois claro.

Vai um gin tónico?

Por Tiago Viegas
Partner da The Hotel

tiago.viegas@thehotel.pt

Artigo publicado na edição n.º 263 da revista Marketeer de Junho de 2018.

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