Do ensino
Ora então: é meu dever alertar o leitor para o facto de o texto que se segue, para além de mais confuso que o habitual, ser particularmente pessoal e parcial. Não que eu tenha a presunção (ou sequer a vontade) de escrever de forma impessoal (o que seria estúpido) e imparcial (o que seria inútil). Mas o tema é-me mais próximo do que é costume, pelo que fica feito o aviso.
A história começa há relativamente pouco tempo, altura em que, em conversa com o senhor meu pai, professor coordenador hoje já reformado, descobri que as cadeiras de semiologia e semiótica, que ele leccionou durante décadas e que eu estudei, sem grande sucesso nem vontade sob a sua batuta, iam desaparecer da faculdade onde andei e, anos depois, leccionei (entenda-se que não leccionei nem semiologia nem semiótica, mas antes criatividade publicitária).
E fiquei f….., para vos ser honesto. Não tanto por achar que estão a atacar ou colocar em causa o legado dele (meu pai, o que seria, ainda assim, uma opinião perfeitamente legítima), mas antes por achar que é uma grandessíssima e rematada estupidez (já explicarei porquê). Pior um pouco, acrescente-se, quando a decisão foi tomada em conjunto com (e com o apoio) os alunos, que aparentemente têm imensas opiniões. Ou por outra, opiniões sempre tiveram (eu era um chato de primeira na minha altura, e fartei-me de dar opiniões sobre o que sabia e não sabia, como de resto ainda hoje – veja-se, por exemplo, este texto) e isso é e será sempre saudável; têm é uns ouvidos pouco esclarecidos a ouvi-los, o que depois dá nisto.
Extraordinário, diria eu, que sempre gostei mais da democracia musculada do que da democracia anarquista. Mas adiante.
A história continua anos antes (confuso, não é?), com uma entrevista dada pelo meu primeiro chefe. Dizia ele, a propósito de cursos e faculdades e afins, que há os cursos superiores (o direito, as letras, as ciências – exactas, sociais e humanas) e depois há os cursos inferiores (que são todos aqueles que se centram não numa área de conhecimento, mas antes numa indústria, como a publicidade, o jornalismo, etc.). Honra lhe seja feita, o seu discurso sempre foi coerente. Razão pela qual sempre teve uma agência com mais advogados, psicólogos, economistas, arquitectos e afins do que a malta das relações públicas (que é o meu caso, acrescente-se; mas há sempre excepções). E, diga-se com um sucesso invejável.
A história termina (eu avisei que era confuso) no Verão passado, altura em que resolvi criar uma escola dentro da agência e enchê-la não apenas de pessoas da área, mas antes com quem aparentasse ter interesse no fazer e inteligência no pensar. E assim me chegaram arquitectos, engenheiros biomédicos e electrotécnicos e afins (entre outros igualmente válidos da área, bem entendido), com um resultado muito apreciável
E o que é que isto tudo tem a ver? Explico. O que faz falta à área não é aprender a fazer. Para isso existem os centros de formação e as escolas profissionais e afins (que na área da comunicação parecem cogumelos), e o próprio do métier, que é o único sítio onde verdadeiramente se aprende.
Não, o que faz falta (e já vi passar muita gente) é aprender a pensar. É aqui que os cursos superiores se distinguem dos ditos inferiores. Uns ensinam a pensar, outros apenas a fazer.
E aqui entram as especificidades, como o ensino da semiologia e semiótica, que podem até ter uma aplicação prática relativa, mas que têm um valor formativo indispensável.
Retirem-se as especificidades aos tais cursos de direito, economia e letras e a sua superioridade esvai-se, ficando apenas a banalidade (que é uma espécie de generalidade, mas mais estúpida).
É isso que me f…, para ser honesto. É a inferiorização do ensino. Não porque eu tenha um imenso amor à escola onde estudei
(sou um tipo relativamente prático nesse aspecto; gosto, mas é só isso), mas antes porque preciso de gente que saiba pensar para eu poder continuar a contratar gente que me permita ter a agência a funcionar.
O mundo, a indústria e a minha agência não precisam de mais um curso inferior.
É que no dia em que forem apenas mais um curso, serão um curso a mais. (A frase não é minha, mas dá um final lindo e dramático, confessem.)
Texto Tiago Viegas
Fotografia Paulo Alexandrino