Do discurso

É certo que já o disse (inclusive aqui) mais que uma vez; mas não é menos certo que a repetição não estraga nem um bocadinho o gozo que me dá dizê-lo. Pelo que, se não se importam, cá vai: se há indústria provinciana no que toca ao seu discurso é esta, a da comunicação (em geral) e da criatividade (em particular).

Isto dito, claro está, partindo de uma abordagem holística aos universos tangíveis e intangíveis da marca, que se consubstanciam nos touchpoints reais e virtuais da customer-experience.

Um discurso tão cheio de complicações quanto desprovido de interesse que, no meu caso, tem por hábito, ou dar-me vontade de rir, ou vontade de mandar à merda quem o profere.

Mas ao qual, parafraseando um colega e amigo, prefiro responder: touchpointa-mos.

Que é, no fundo, no fundo, uma forma divertida de mandar alguém à merda.

De facto, e infelizmente (ou não, porque sempre vai servindo de tema para escrever a minha coluna, ou lá o que isto é para a Marketeer), este tipo de discurso é uma prática comum nas hordes agenciais (ou agenciáticas, no caso das agências mais velhas) e que serve maioritariamente ou para a) tentar esconder o facto de não termos nada com um mínimo de interesse para dizer, ou b) querermos cobrar uma coisa qualquer mais cara a quem nos está a ouvir.

Um projecto integrado, por exemplo. É caro. Mas nada comparado com um projecto holístico, que é caríssimo.

Ou um contacto, por exemplo; tem o seu preço. Mas um account custa logo, pelo menos, mais 30%. E um relationship talent, então, nem vos digo.

É claro que estou a generalizar e, como em todas as generalizações, a dizer mais disparates do que seria desejável. Que é como quem diz, é óbvio que há excepções.

Mas se eu tiver de contar com os dedos das mãos o número de pessoas a quem reconheço valor e capacidade para falar de touch-points e abordagens holísticas com interesse e relevância dignas dos meus ouvidos (e os meus ouvidos já ouviram muito impropério, pelo que nem sequer estamos a falar de um aparelho auditivo com uma dignidade por aí além), digamos que provavelmente conseguiria fazê-lo e jogar pingue-pongue.

Ao mesmo tempo.

É certo que, sendo perfeitamente honesto para comigo mesmo (e, por conseguinte, para todos aqueles que tiveram a paciência, a coragem, ou ambas, de me ler até aqui), não estamos a falar de uma prática da qual venha grande mal ao nosso mundo e ao meu trabalho, ao contrário de outras que esta indústria adora criar.

Mas é oca e aborrecida, e passa uma imagem de vendedores de banha da cobra de quase todos os que cá trabalhamos que, francamente, me maça.

Por outro lado, e agora que penso nisso, o que era de valor era utilizar o excesso de léxico como um indicador para incompetentes e para incompetências.

“Tenho aqui uma ideia holística.” Ou seja, sou um incompetente e não pensei verdadeiramente em nada.

“Acho que, para responder ao desafio do cliente, devíamos focar-nos na tangibilização dos touchpoints.” Que é como quem diz, fiquei de fazer um briefing, mas não faço a mais pálida ideia do que é que estou a fazer.

“A customer-experience da marca deve ser entendida como uma equity da brand de um ponto de vista holístico, no que concerne a existências tangíveis e intangíveis.” Que é como quem diz… pensando bem, que é como quem diz touchpointa-mos.

A sério.

Que eu tenho mais que fazer.

Texto de Tiago Viegas, Director criativo da Brandia Central

Fotografia de Paulo Alexandrino

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