Do Critério
Era uma vez um velho criativo que tinha mau feitio. E um jovem criativo que tinha a mania que era esperto. Certo dia, estava o velho criativo a ter (muito) mau feitio e (algumas) ideias, quando o jovem criativo resolveu armar-se em esperto e começar a dizer coisas (sobre as ideias, não sobre o mau feitio).
Resposta do velho criativo: “sabes, jovem criativo, isto é tudo uma questão de critério. E o critério é como o olho do cu*: cada um tem o seu, e o teu não me interessa”. Que é como quem diz, hoje gostava de dizer umas coisas sobre as ideias, o critério e aquilo que, verdadeiramente, andamos para aqui a fazer.
Há neste métier a ideia, por vezes errada, de que as agências vendem ideias. Que não vendem.
Ou, melhor dizendo, não só.
Porque um monte de ideias, por si só, não serve para nada. E se não serve para nada, não tem valor. E se não tem valor, ninguém compra. E se ninguém compra… enfim, já perceberam a ideia (passe-se a redundância).
Para que um monte de ideias valha alguma coisa (logo, possa ser vendido) é – e será sempre – preciso alguém que seja capaz de dizer se as ideias são boas ou não, se servem ou não, se vão vender ou não.
Ou, em menos palavras, é – e será sempre – preciso critério.
E um bom critério não é algo que se adquira de um dia para o outro.
(Aliás, o que não falta no mercado são personagens mais ou menos históricas cuja única utilidade prática conhecida é, precisamente, comprovar este facto).
É algo que requer, antes de mais e acima de tudo, muita (mas mesmo muita) prática. E depois bom senso, inteligência e instinto. Entre outras coisas.
E não apenas gostar muito de ver os anúncios quando eles passam na televisão.
Não me entendam mal: nada do que acabei de dizer significa, de forma alguma, que acho que as pessoas não têm direito à sua opinião (era, também, só o que mais faltava), e muito menos que a sua opinião não deva ser ouvida. Longe disso, aliás.
Mas antes que, quando alguém que ganha a vida a fazer anúncios, que já fez dezenas (centenas, milhares) de anúncios e que já viu dezenas (de milhares) de anúncios (e que, supostamente, foi contratado por todas essas razões), diz que “esta ideia é melhor do que aquela”, provavelmente a opinião desse alguém deveria ser tida em (boa) conta.
Até porque, ainda que sendo certo que ganhar a vida a fazer anúncios, ter feito dezenas (centenas, milhares) de anúncios e ter visto dezenas (de milhares) de anúncios, não garante, por si só, um bom critério, a verdade é que aumenta, pelo menos, fortemente a probabilidade da sua existência.
E num negócio em que o risco é muito alto (é virtualmente impossível garantir e ter a certeza que o investimento feito numa campanha terá os resultados esperados), a única coisa a que nos podemos agarrar para garantir que a probabilidade de sucesso será a maior possível é precisamente, isso: um bom critério. Ou, como dizia o velho criativo…
*as minhas desculpas aos leitores e leitoras pela linguagem menos própria, mas a verdade é que, ainda que fosse possível substituir a expressão “olho do cu” por “nariz”, por exemplo, o impacto que a história teria seria muito menor. E seja como for, o velho criativo utilizou, de facto, o “olho do cu”. Salvo-seja. Já agora, e só para terminar, o jovem criativo, para quem ainda não tenha percebido, era eu; já o velho criativo, não sendo propriamente difícil descobrir quem é, não é para aqui chamado.