Do compromisso
Bardamerda para o compromisso. Desculpem o começo mais ou menos deselegante (e vá, confesso, algo sensacionalista), mas a verdade é que poucas coisas me fazem tanta espécie como a imensa queda que nós, publicitários em particular e portugueses em geral, temos para encontrar problemas, defeitos e afins questiúnculas sempre que há uma ideia em cima da mesa, tudo para no fim podermos “chegar a um compromisso”.
Se Deus fosse um publicitário português e tivesse tido a ideia do cavalo, por exemplo, estou certo que hoje não haveria cavalo para ninguém. “Tive uma ideia: vou criar o cavalo”, diria a versão publicitária portuguesa de Deus. E logo apareceriam dois ou três (outros) portugueses a achar que se calhar era melhor não, que talvez fosse mais inteligente mudar isto e aquilo porque o target assim e o cliente assado, e no final lá teriam chegado a um qualquer acordo e criado um sacana de um burro* de que nem a versão publicitária portuguesa de Deus, nem os outros dois ou três portugueses gostariam particularmente.
Mas pronto, sempre era um compromisso. O meu primeiro chefe (que tecnicamente, e para ser completamente honesto, foi o terceiro) nunca aceitava um compromisso. Berrava, barafustava, chamava nomes às pessoas (esta última parte era escusada, admito, mas fazia parte do seu (des)encanto), mas nunca aceitava um compromisso.
Quanto muito, fazia de novo. E melhor ainda, só para irritar. E a verdade é que, pese embora não tenha acertado sempre (ainda que hoje comece a acreditar que foi precisamente por não aceitar compromissos que o fez [acertou] a maior parte das vezes), nunca uma ideia sua ficou comprometida por outra razão que não fosse unicamente o demérito da mesma.
(Gostaria talvez, antes de continuar a dizer mais disparates, de fazer aqui um pequeno parêntesis – assim mesmo com os parêntesis propriamente ditos e tudo. Há uma fronteira ténue entre aquilo que é a destruição da ideia e a crítica construtiva. Mas isso, como tantas outras coisas nesta área, é uma questão de critério, pelo que deixarei ao [critério] do leitor a defi nição dessa mesma fronteira nas palavras que se seguem.)
Infelizmente (ou não), o passar do tempo e o aumento das responsabilidades foram-me convencendo que aquilo que eu achava ser uma qualidade acabava por ser (ou passar por), no mais das vezes, pura e simples arrogância.
E assim comecei eu a tentar agradar a tudo e todos – afinal de contas, e tal como a supramencionada versão publicitária de Deus, também eu sou português -, procurando compromissos e comprometendo (às vezes mais, às vezes menos) as minhas (e dos clientes) ideias. Até que um belo dia um director de marketing com muito mais anos disto do que eu, vendo-me num intrincado espectáculo de contorcionismo intelectual perante as dúvidas que ele me tinha colocado ao longo de uma campanha que eu tinha acabado de lhe apresentar, se virou para mim e me perguntou: “Então, em que é que ficamos? Tome uma posição, homem, e depois logo verá qual é a minha.”
E assim fiz.
E assim decidiu o dito director de marketing aprovar-me a dita campanha.
Altura em que dei conta que, de todas as vezes que tinha aceite chegar a um compromisso (com colegas, com clientes, e até mesmo em processos de produção com fornecedores – aliás, parceiros, como agora é politicamente correcto dizer), nunca tinha ganho nada com o assunto.
E, o que é muito pior, nem os meus clientes.
Bardamerda, pois, para o compromisso. E desculpem o fi nal mais ou menos deselegante (e vá, confesso, algo sensacionalista), mas a verdade é que não resisti.
* Ir de cavalo para burro é, como dizem os postais ali nas casas de lembranças dos Restauradores, “very typical”.