Digitalização no sector automóvel: riscos e oportunidades

Por Diana Nunes, Digital & CRM director – SIVA|PHS

É inegável e amplamente reconhecida a transformação que o sector automóvel tem vindo a registar nos últimos anos. Como refere Yuval Noah Harari no seu livro “Sapiens”, nos últimos 500 anos iniciámos uma revolução científica sem precedentes que nos trouxe descobertas e inovações que transformaram completamente a vida moderna a uma velocidade nunca antes assinalada.

No sector automóvel, estas alterações verificam-se não só do ponto de vista tecnológico, mas também do ponto de vista dos comportamentos dos consumidores.

A evolução das plataformas digitais e as soluções tecnológicas que equipam hoje os nossos automóveis levaram à desmaterialização de alguns dos contactos com os clientes, permitindo a realização remota de várias actividades que no passado exigiam uma visita a um stand ou oficina. São disso exemplo a possibilidade de assistência remota através de actualizações de software e a compra online de funcionalidades adicionais que podem ir desde um aumento de potência no caso das viaturas eléctricas à realização de um upgrade dos faróis e até à subscrição de software de navegação. Tudo isto pode ser hoje concretizado após a aquisição do automóvel e através de modelos de subscrição, de forma conveniente, directamente a partir do automóvel ou através da aplicação que gere o automóvel, sem ser necessário uma visita ao concessionário ou à oficina.

Os benefícios para os clientes são evidentes do ponto de vista da conveniência e da possibilidade de realizar compras mais racionais e eficientes, criando, ao mesmo tempo, oportunidades para as equipas de marketing na tentativa de encontrar a oferta certa para comunicar no momento certo. De facto, com antevisão de um “mundo sem cookies”, esta oportunidade de nos conectarmos directamente com os nossos clientes, em várias plataformas, permite-nos assegurar uma vantagem competitiva no mercado.

Todos conhecemos a evolução que o e-commerce tem vindo a registar nos últimos anos, evolução essa que foi claramente alavancada pelo efeito pandemia. O confinamento, o distanciamento social, o receio de um contacto directo levou os consumidores a passarem mais tempo online a consumir conteúdos, a pesquisar e até a comprar.

A compra de automóvel também passou a ser, cada vez mais, iniciada online através de pesquisa e recolha de informação. No entanto, em Portugal, não assistimos ainda a uma significativa mudança de comportamento dos consumidores, no que respeita à concretização da compra de automóvel online mas, apesar dos clientes ainda sentirem a necessidade de ver e experimentar os automóveis num concessionário antes de os adquirem, têm também a expectativa de encontrar grande parte das repostas às suas questões online nomeadamente no que se refere às soluções de financiamento, avaliação da retoma, disponibilidade de stock ou possibilidades de configuração. Isto levou a uma profunda transformação no que se refere à produção de conteúdos e ao reforço da nossa presença online.

Com isto em mente, e com o objectivo de criar novos canais de interacção com os clientes, numa fase mais embrionária do processo de compra, implementámos recentemente o projecto VideoShowRoom. Este projecto consiste na disponibilização nos sites das nossas marcas, em particular na área do configurador e das campanhas, de um canal de videochat directo com um dos vendedores da nossa rede de concessionários nacional. Os clientes podem desta forma clarificar as suas dúvidas e visualizar os automóveis ou algum pormenor particular, falando remotamente com os nossos especialistas sem necessidade de se deslocarem fisicamente a um stand.

Por outro lado, do ponto de vista do comportamento dos consumidores, as alterações também foram significativas e, como referi, ainda mais amplificadas com o efeito da pandemia.

Se por um lado verificamos que há uma geração nativa digital que começou agora a comprar automóvel, por outro vemos a geração anterior a essa mudar também completamente os seus comportamentos de procura e de consumo de bens e serviços em ambiente digital.

Isto significa que os clientes desenvolveram uma expectativa relativamente à sua jornada de compra que é completamente independente do produto que estão a pensar comprar e que é baseada na experiência que tiveram na compra de produtos ou serviços em sectores que operam exclusivamente online e que por isso possuem estruturas e processos ajustados para uma experiência de compra completamente integrada (exemplo: Amazon).

Isto reforça a ideia de que a transformação digital que o sector está a sofrer provocou uma enorme pressão sobre os modelos tradicionais de retalho, exigindo a sua rápida transformação.

Assim, para o sector, torna-se cada vez mais premente a necessidade de alinhar a sua estratégia de negócio e a sua presença enquanto marca, no online e no offline, interligando a rede de vendas com os canais de comunicação digitais.

Para esta questão não é alheio também o aspecto humano, para além do tecnológico. Não basta apenas e só realizar um esforço e um investimento em tecnologia e processos, em melhorar a nossa presença online criando inovações, interacção e mais conteúdos para captar mais clientes, é preciso também que exista uma mudança de paradigma ao nível das equipas atribuindo-lhes um papel activo nesta transformação digital.

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