Devem as marcas ir atrás de temas sociais? “Se não precisamos de ‘fake news’, também não precisamos de ‘fake advertising'”

Com a aproximação do Natal, as televisões enchem-se de anúncios e multiplicam-se as campanhas das grandes marcas para venderem o seu produto. Algumas dessas campanhas incidem no que querem vender ao consumidor, mas outras têm-se focado em temas sociais como a inclusão, a solidão nos idosos, questões relacionadas com a comunidade LGBTQIA+ ou até expondo a dificuldade de quem se torna cuidador.

Mas no meio de tantos temas sociais, estarão as marcas a perder o foco daquilo que vendem? Devem fazê-lo? Estarão as marcas presas ao politicamente correto?

Ricardo Monteiro, ex-presidente global da Havas Worldwide e atual comentador da CNN, considera que “independentemente da qualidade de execução dos muitos anúncios que vão para o ar nesta quadra”, verifica-se em Portugal “um certo desfasamento com a realidade vivida noutros mercados onde a maioria das marcas evita hoje entrar em temas como a inclusão social de imigrantes ou de pessoas da comunidade LGBT”.

“Infelizmente para os defensores destas causas, muitas delas, pelo excesso de politização em seu redor, tornaram-se tóxicas e levam, em alguns países, a reações radicais e mesmo de boicote às marcas que as protagonizam. Não sendo ainda este o caso em Portugal, há uma certa contra-corrente, sobretudo em grupos de redes sociais, a este tipo de apropriação por parte de marcas comerciais”, afirma o ex-presidente global da Havas Worldwide.

Na opinião de Ricardo Monteiro, as marcas só o devem fazer se forem proativas em relação ao tema que estão a trazer a público, como é o caso da Missão Continente, porque tudo o resto é uma apropriação por parte de marcas comerciais.

“A Missão Continente, por exemplo (full disclosure, fui administrador não-executivo), há anos que vem a dedicar montantes substanciais a programas de ajuda comunitária. Pode, sem medo, fazer uma campanha onde refere a solidão dos idosos pois faz concretamente algo para a combater”, detalha.

Em contraponto, questiona “se outras marcas que advogam a defesa de integração de comunidades imigrantes, por exemplo, ou da comunidade LGBT, têm programas afirmativos de contratação dessas minorias ou de qualquer forma de ajuda social, educacional ou económica às mesmas quando necessário”.

“Em resumo, nada tenho a ver com as marcas preocuparem-se com temas sociais ou de integração sempre e quando substanciem na sua atividade real o que pretendem defender. Se não for assim, este tipo de publicidade é, não só, pretensioso como falsamente preocupado com quem necessita realmente de proteção. Ficaria mais feliz se visse os montantes gastos em publicidade não comercial (um princípio altamente questionável em empresas com fins lucrativos) dedicados realmente às causas sublinhadas. Se não precisamos de ‘fake news’, também não precisamos de ‘fake advertising'”, atira Ricardo Monteiro.

Para o ex-presidente global da Havas Worldwide, “as marcas, na vasta maioria das vezes, perdem o foco e dispersam-se em matérias para as quais carecem de qualquer credibilidade e que nada têm a ver com a matéria do seu comércio”.

“Pensar que o consumidor lhes concederá mais simpatia por isso decorre, a meu ver, do mais puro ‘wishful thinking’ e transmite um efeito de cópia levado a cabo para satisfazer a vaidade das marcas – para não dizer dos seus responsáveis – mais do que a sua necessidade. Acresce que o ‘politicamente correto’ de hoje pode não ser o de amanhã, o que me leva a crer que a maioria das marcas se deixa envolver por fenómenos passageiros e de moda perdendo de vista a razão pela qual se faz publicidade: vender afirmando a vantagem competitiva da marca dentro do que é o seu perfil e imagem”, finaliza Ricardo Monteiro.