Deloitte: Impacto local, objectivos globais
A Deloitte tem desenvolvido programas que visam impactar positivamente 100 milhões de pessoas até 2030, estando também comprometida com o objectivo de atinjir a neutralidade carbónica em 2040. A Marketeer esteve à conversa com Afonso Arnaldo, Corporate Responsibility & Sustainability leader da Deloitte, que revelou como a empresa está a posicionar- se como líder nestas áreas.
A Deloitte continua a investir no programa World Class, que pretende impactar 100 milhões de pessoas até 2030. Pode dar exemplos de iniciativas?
O nosso principal programa em Portugal chama-se PACT Fund. Já existe há 11 anos, sendo até anterior ao projecto WorldClass da Deloitte a nível global. É um programa que financia projectos em quatro áreas principais: ensino, empregabilidade, empreendedorismo e, mais recentemente, sustentabilidade ambiental.
Desde que foi lançado, já apoiámos 73 projectos e impactámos directamente cerca de 135 mil pessoas. Em 10 anos, recebemos mais de 850 candidaturas, tendo apoiado quase 10% delas. A selecção é feita através da submissão de candidaturas anual, aberta a instituições como associações, fundações e ONG, e envolve um comité composto por colaboradores da Deloitte em Portugal, Angola e Moçambique. Além disso, o primeiro projecto seleccionado em cada edição é escolhido por votação directa das nossas pessoas. Este processo dá-lhes um papel activo na escolha dos projectos que apoiamos.
Dando alguns exemplos, um dos projectos mais interessantes que apoiámos foi a construção de um salão de beleza num orfanato em Luanda, Angola. A ideia foi criar um espaço de formação na área de estética, que também gera oportunidades de emprego para jovens. Este projecto envolveu a construção, o equipamento e a formação das primeiras participantes, continuando depois a apoiar novas gerações de formandas.
Outro exemplo em Angola foi a construção de nove salas de aula na Paróquia de Santo Estêvão, dividida entre as últimas duas edições do programa.
Em Portugal, apoiámos várias iniciativas de integração e empregabilidade de pessoas sem-abrigo, como a CAIS ou o “É um Restaurante” da associação “Crescer”. Financiámos diversos projectos de empregabilidade de pessoas com deficiência, como a AAMA, Café Joyeux, Semear, Associação Salvador, entre outros.
Um outro programa igualmente importante é o Bright- Start, que consiste em parcerias que estabelecemos com universidades e institutos politécnicos para oferecer formação a jovens na área das tecnologias. Por exemplo, suportamos as propinas dos alunos e ajudamos a preparar talento qualificado.
De que forma os colaboradores da Deloitte são incentivados a participar neste tipo de iniciativas?
Temos um programa chamado Deloitte4All, em que convidamos as nossas pessoas a dedicarem um dia por ano, no horário de trabalho, a acções de voluntariado. Além disso, promovemos iniciativas como a participação no Banco Alimentar, onde os profissionais da Deloitte ajudam na recolha de alimentos, mas nesse caso em horários fora do trabalho, como nos fins-de-semana. Há três formas principais de as nossas pessoas se envolverem: a iniciativa individual em que cada pessoa pode propor a utilização do seu dia de voluntariado em acções que escolham, fora da Deloitte; as acções em equipa, em que são organizadas actividades específicas, tanto na área social como ambiental; acções propostas pela Deloitte: cerca de três a quatro vezes por ano, organizamos eventos abertos a todos os profissionais. Exemplos incluem limpeza de praias, matas ou remoção de espécies invasoras, que tendem a ter maior participação.
Que outros tipos de trabalhos a Deloitte realiza a nível da responsabilidade social?
Um ponto importante a referir é o trabalho pro bono que realizamos. Este tipo de iniciativa baseia-se em utilizar as nossas competências técnicas e profissionais para apoiar instituições ou projectos. Ao contrário do voluntariado convencional, onde podemos, por exemplo, participar em limpezas de praias, no trabalho pro bono usamos as nossas competências enquanto consultores, auditores ou especialistas em diversas áreas.
Um exemplo foi um programa que desenvolvemos para a Ucrânia, criando um software que ajudava a ligar necessidades específicas de pessoas a organizações com ofertas de apoio. Outro caso relevante foi a Jornada Mundial da Juventude, onde actuámos como auditores do evento. Também temos parcerias nesta área com fundações e instituições, como o Banco Alimentar, onde damos apoio fiscal ou estratégico, conforme necessário.
O programa WorldClimate da Deloitte ambiciona reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 90% até 2040. Quais têm sido os maiores desafios?
Para contextualizar, é importante recuar um pouco no tempo. O nosso primeiro grande objectivo é atingir, até 2030, a neutralidade carbónica com reconhecimento da Science Based Targets Initiative (SBTi). Este marco foi visto como um passo intermédio, um ponto de passagem numa jornada mais longa. Recentemente, após a aprovação pela SBTi, definimos 2040 como o ano para alcançar a neutralidade carbónica global, ou seja, uma redução superior a 90% nas emissões, complementada por compensações para o que não for eliminável.
Costumo dizer que as compensações carbónicas são como “ir ao confessionário depois de pecar”. No entanto, o ideal é não pecar, ou seja, evitar ao máximo gerar emissões. Este objectivo é extremamente ambicioso, sobretudo porque se aplica aos 150 países em que a Deloitte opera, cada um com diferentes velocidades de transição. Em Portugal, por exemplo, o objectivo nacional de neutralidade é para 2050. Ao anteciparmos essa meta em 10 anos, enfrentamos desafios adicionais, mas queremos liderar pelo exemplo.
Vivemos num ecossistema, e as empresas, tal como as pessoas, não estão isoladas. Este objectivo precisa de ser acompanhado pelo meio envolvente para ser viável. Aqui entra a relevância dos chamados Scopes 1, 2 e 3, que classificam as emissões de carbono: o Scope 1 refere-se às emissões directas de uma empresa, como as provenientes de uma fábrica ou frota; o Scope 2 abrange as emissões associadas à energia que a empresa consome, dependendo de como essa energia foi gerada (por exemplo, electricidade limpa ou baseada em combustíveis fósseis); o Scope 3 trata das emissões indirectas, relacionadas com bens e serviços adquiridos pela empresa, como uma mesa ou cadeiras. Estas emissões são contabilizadas por quem produz os objectos como Scope 1, mas para nós são Scope 3. Este detalhe é importante porque, para atingir a neutralidade até 2040, precisamos de gerir rigorosamente as nossas emissões em todos os Scopes. Isso implica, por exemplo, escolher bens e serviços com pegadas de carbono reduzidas. No entanto, se o mercado não oferecer opções sustentáveis, enfrentaremos dificuldades. É um processo de interdependência.
Por isso, a Deloitte adopta uma visão de parceria com os seus fornecedores. Trabalhamos com grandes empresas globais, como fabricantes de software e hardware, e temos expectativas claras quanto à sua própria neutralidade carbónica. Este movimento é, aliás, uma tendência global: grandes empresas começam a exigir metas ambientais aos seus fornecedores e parceiros, levando essas exigências ao longo da cadeia de valor.
Essa abordagem reduz a necessidade de impor obrigações regulatórias directamente a pequenas empresas, já que a pressão virá naturalmente dos maiores players. A Deloitte, como parte desta dinâmica, reconhece que não pode atingir este objectivo sozinha.
Por fim, é importante mencionar que atingir a neutralidade até 2040 é ambicioso, sobretudo porque, enquanto algumas geografias como Portugal e Alemanha podem facilitar o percurso, outras, nomeadamente em partes da Ásia ou África, apresentam desafios maiores. Mantemos o nosso compromisso de liderar esta transição e inspirar outros a fazer o mesmo.
Que impacto têm observado junto dos fornecedores com esta estratégia?
Estas estratégias já começam a ter impacto nos fornecedores e vão implicar, cada vez mais, fazer escolhas rigorosas. Por exemplo, em Portugal, para todos os nossos edifícios, optámos por adquirir exclusivamente energia verde.
Embora a Deloitte não produza energia directamente, estamos a explorar projectos para geração solar em alguns edifícios. Contudo, sabemos que essa produção nunca será suficiente para suprir todo o consumo. O que fazemos, portanto, é exigir ao nosso fornecedor que adquira, em igual proporção, energia proveniente de fontes renováveis. Em última instância, se todos os clientes exigissem o mesmo, o fornecedor seria obrigado a recorrer exclusivamente a energia verde.
Naturalmente, este tipo de energia é mais caro, mas escolhemos pagar esse custo extra. Além disso, se houver fornecedores que não ofereçam essa opção, são automaticamente excluídos das nossas escolhas. Isto reflecte como as metas de sustentabilidade influenciam directamente o mercado, obrigando os fornecedores a adaptar-se.
Por fim, qual o ponto de situação da electrificação da frota automóvel da Deloitte?
Iniciámos esse processo há alguns anos e, actualmente, qualquer viatura adquirida em leasing pela Deloitte tem de ser 100% eléctrica ou híbrida plug-in. Já cerca de 70% da nossa frota cumpre este critério, e acreditamos que, até 2029, alcançaremos 100%, antecipando em um ano o objectivo inicial (2030).
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Sustentabilidade e responsabilidade social”, publicado na edição de Dezembro (n.º 341) da Marketeer.