Debate: De mãos dadas com a sociedade

2022 foi um ano positivo no sector dos seguros. O mercado cresceu e até acelerou em Dezembro. A expectativa agora é ver como é que o mercado vai reagir à conjuntura, que se tem estado a cozinhar nas semanas mais recentes, e de que maneira isso pode impactar o negócio em 2023.

Uma das grandes preocupações diz respeito ao impacto que a inflação terá. Será expectável que o sector, como um todo, se ajuste de maneira a não perder competitividade e conseguir devolver ao accionista e à sociedade. Por outro lado, há as questões da saúde, que estão na ordem do dia, e em que, se por um lado se assiste à degradação do SNS, por outro poderá haver aqueles que deixem de ter capacidade para continuar a financiar os seus gastos de saúde privados.

Estes foram dois dos discos mais tocados durante o pequeno-almoço do sector dos seguros, que se realizou no Hotel Vila Galé Ópera e onde estiveram Afonso Barata (Mudum Seguros), Hugo Julião (Ageas), José Villa de Freitas (Fidelidade), Nazaré Carvalho (Tranquilidade), Rita Leotte (Mudum Seguros), Rodrigo Esteves (MDS Seguros) e Susana Fava (CA Seguros).

Depois dos acontecimentos recentes em cidades como Lisboa e Porto, que se viram a braços com cheias de dimensões pouco frequentes, amplamente divulgadas na comunicação social, seria impossível fugir ao tema das alterações climáticas e os riscos que estão a pressionar a indústria. Os profissionais garantem que este ano está a ser desafiante para renegociar seguros para 2023 por estes grandes riscos que estão a emergir. «Toda a protecção que podemos construir à volta destes grandes riscos é um tema que a indústria vai ter de enfrentar», ouve-se entre dois goles de chá.

A questão aqui é que, tendo em conta as alterações climáticas (mas isto é válido para todos os produtos da área dos seguros), as pessoas precisam de perceber as circunstâncias em que estão e não estão protegidas no seu património. Porque o que se percebe, em situações como as das inundações, é que há um grande gap de conhecimento. Mas os profissionais fazem um mea culpa: «Provavelmente, o nosso processo de venda e a forma como comunicamos tem um grande caminho a fazer do ponto de vista de passar, de forma concreta e objectiva, aquilo que está e o que não está protegido. E até que limites estão protegidos. Temos que fazer esse caminho de uma comunicação mais transparente, mais clara e que o cliente perceba.»

A verdade é que, à excepção de casos raros, as pessoas encaram os seguros como um custo e não como o benefício que podem vir a ter no futuro. E no caso deste grupo em específico, a pressão da inflação e a perda de poder de compra podem levá-las a deixar de ter seguros (não obrigatórios) ou diminuir as garantias. Essa será uma das grandes pressões que o sector antecipa para este ano.

Se juntarmos a isto a diminuição da elasticidade que as seguradoras têm para amortecer a escalada da inflação (porque também elas sentem os aumentos ao nível das infra-estruturas, dos fornecedores, das energias e dos recursos humanos), os aumentos vão acabar por acontecer. Uma parte vai, inevitavelmente, ter de passar para o cliente.

VAMOS A PREÇOS

Em 2022 o preço voltou à comunicação em diversos sectores. Mas as seguradoras acreditam que não têm nada a ganhar em entrar na guerra de preços, como aquela a que se assiste nas grandes cadeias de retalho alimentar. O caminho das seguradoras tem sido o de comunicar o preço, não pela lógica do ser mais barato, mas para mostrar que é possível comprar um seguro e que não é intangível. Por seis ou sete euros por mês não se tem o seguro que cobre tudo, mas pode-se começar a ter alguma protecção, lembra-se à mesa. Mas como estão a começar a entrar outros agentes na comercialização de seguros, também as mensagens são diferentes das que tradicionalmente eram feitas.

Por outro lado, à mesa, há quem acredite que o tema da comunicação vai ter de passar pelo propósito. «Dificilmente conseguiremos criar ligações se não fizermos esse caminho e não formos coerentes, humanos e próximos. As pessoas, hoje, querem referências e mesmo neste contexto podemos criar relações emocionais com as pessoas», escuta-se entre as vozes várias que asseguram que o caminho vai ter de ser por aí, cada vez mais, e menos pelo preço ou o desconto, a nível macro.

SÃO TRÊS AS LETRINHAS EM SUSTENTABILIDADE

Tudo o que tem a ver com o ESG será tendência este ano no sector segurador, nomeadamente no que respeita ao apoio às PME na transição para a sustentabilidade. A sustentabilidade ambiental tem estado mais sob os holofotes, mas as outras (social e governance) também têm estado a ser trabalhadas.

Os profissionais que participaram neste debate defendem que a sustentabilidade casa um pouco com o que foi dito sobre o propósito. «Trabalhamos por um bem comum, em prol de todos. Aqui não há tanta preocupação em querer diferenciar da empresa do lado. É bom mostrar que, como sector, somos sustentáveis e contributivos para a sociedade, com um papel na literacia de sustentabilidade, educando os fornecedores (não havendo trabalho escravo ou de crianças)», asseveram.

Apesar de a postura ser esta e ser para manter, sabem que não é evidente como vão conseguir fazer chegar o resultado das preocupações sociais das empresas ao cliente final. Um dos caminhos, escuta-se, está, desde logo, na construção dos produtos e da oferta, incorporando preocupações de sustentabilidade na base. Isso, acreditam, vai fazer a diferenciação. Será mais fácil nos produtos de vida de maneira a que a sua estruturação seja feita com bases sustentáveis, mas também é desejável nos outros produtos. E sem se iludirem, reconhecem que das três vertentes do ESG, o Governance, apesar de também estar a ser trabalhado, é o que tem menos impacto para os clientes.

No entanto, não deixam esquecer que o propósito dos seguros é, precisamente, garantir a sustentabilidade. «As pessoas compram os seguros para garantir que, no caso da ocorrência de determinados eventos, estão seguras.»

ILITERACIA FINANCEIRA OU MAL MENOR?

Numa altura em que todos os sectores são assoberbados de componentes tecnológicas e de digitalização, o segurador não foge à tendência. E a literacia financeira é tema relevante que liga muito com a componente da digitalização. Porque não é evidente que o cliente consiga, hoje, sozinho, compreender um seguro.

Mas entre os presentes há quem lembre o papel do Estado, que deveria contribuir para o aumento da literacia, mas nem sempre o faz, dando até sinais em sentido inverso ao que seria de esperar. «Um dos sinais que o Governo deu em relação à inflação e à falta de poupança foi a permissão para resgatar os PPR, uma das poucas soluções que tinham a lógica de investimento e de alternativa à reforma. O Governo disse aos consumidores para irem buscar as poupanças que fizeram para resolverem questões de curto prazo.» Resultado: o resgate destes PPR é feito mensalmente como se fosse uma conta à ordem. Resolve-se o problema de curto prazo, mas continua o outro lá à frente. Independentemente do trabalho que o sector tem vindo a fazer, «há maus sinais da governação».

O envelhecimento da população é efectivamente um tema e um desafio para seguros de vida, para seguros de saúde, para poupança e reformas. No que respeita às reformas, as gerações mais velhas sabem que ainda vão ter e as mais novas sabem que não terão nada. A grande dúvida é na geração que agora tem entre 30 e 50 anos, que nem se preparou bem para o cenário de não ter reforma e agora já percebeu que não vai ter (pelo menos o suficiente).

Esta geração – apelidada carinhosamente de sandwich – não tem muito tempo. E se é verdade que já há muitos anos que se fala no terceiro pilar da Segurança Social – porque não iriam existir condições, sendo necessárias mais pessoas para pagar as reformas –, o que se tem assistido é ao comodismo (dentro desta geração) do “ainda falta”. Só que, agora, que se está a aproximar, o “ainda falta” já não dá tempo para quase nada. A geração sandwich já não tem assim tanto tempo de poupança para conseguir compensar aquilo que vai perder em termos de rendimento. Mas, em boa verdade se diga, se alguém tem alguma liquidez e quer investir, também há pouco de interessante onde o fazer.

E continua-se a adiar o problema e a pensar que “alguém resolve”. Entretanto, estes sinais que estão a ser dados de tirar aos bocadinhos da poupança, todos os meses, para pagar o crédito à habitação por causa da inflação, é uma forma de delapidar o futuro, empurrando o problema para mais adiante. Muitas vezes, não é que as pessoas não tenham noção do que estão a fazer ao futuro. Simplesmente não têm outra forma de fazer as coisas.

Junto dos mais novos, um dos dramas deste sector é como é que se consegue convencê-los a começar a poupar para a reforma. Um jovem com 22 ou 23 anos, que entra no mercado de trabalho, vê o longo prazo a 30 ou 40 anos. É muito distante. «Como é que conseguimos convencer um jovem, que está a querer comprar uma casa ou um carro e que vai ter de se endividar, a pôr qualquer coisa de lado?»

Aí, acreditam os profissionais, entram o Estado e as empresas com o papel de promover essa poupança. «A geração sandwich é um tema, mas para resolvermos verdadeiramente um problema de base, temos de começar a ensinar a poupança aos mais novos», defendem.

DESENHAR PLANOS DE PENSÕES

Não é tarefa fácil. Se um jovem começar a fazer contas do que tem de poupar periodicamente, para compensar aquilo que vai ser a hipotética perda de rendimento que irá ter na reforma, é capaz de entrar em colapso. Porque, ao mesmo tempo, está a descontar para a Segurança Social. «A carga fiscal é brutal e é a poupança a que as pessoas estão obrigadas, mas não têm previsivelmente o retorno da poupança que estão a fazer. As pessoas sentem que é um péssimo negócio. Estão a investir na Segurança Social (que teoricamente lhes dará retorno) e em impostos para ter o benefício da saúde, por exemplo. Mas no SNS não há resposta. Portanto, vão, adicionalmente, investir em seguros de saúde para fazer face às necessidades.» Obviamente que os orçamentos familiares não esticam e as pessoas estão limitadas pelo rendimento disponível.

Há empresas a trabalhar nesta preocupação e a apresentar planos de pensões. Há várias que já têm e que dão bónus anuais que são (obrigatoriamente) totalmente ou em parte canalizados para o PPR ou para o cheque creche. Uma situação que gera alguma frustração nos colaboradores, mas que os vai guiando. Há clientes corporate que, no último ano/ano e meio, estão a bater à porta dos parceiros seguradores a pedir ajuda para desenhar planos de pensões.

Uma nova fase que os players do sector encaram como uma oportunidade, já que está tudo por fazer. «Está nas nossas mãos agarrar a oportunidade e ajudar a sociedade no que respeita à literacia. Há oportunidades das seguradoras trabalharem com as empresas, da indústria trabalhar colectivamente como um todo para que as empresas tenham soluções para elas promoverem a poupança», escuta-se.

O lado mais negro disto é que é algo que ainda não está acessível a todas as empresas, estando para já nas de maior dimensão. Vendo o copo meio-cheio, há uma oportunidade no que respeita à poupança e ao investimento.

Entre os desabafos, escuta-se: «Os certificados de aforro são concorrência desleal. Com as taxas que têm são, hoje, a primeira opção.» No sector têm sido várias as vozes que têm pedido a reposição dos benefícios fiscais do PPR. Mas nada mudou.

De todo o modo há que não baixar os braços e as seguradoras estão apostadas em não perder aquilo que as famílias conseguem efectivamente poupar. Acreditam que toda a gente já sabe que tem de poupar.

A questão é, também, as pessoas não saberem onde pôr os ovos, precisando de aconselhamento. «Se os seguros perdem esta transformação, perdem uma oportunidade que sempre foi um espaço dos seguros por defeito. Perder isto para os certificados de aforro, ou para a banca, é deixar as oportunidades passarem-nos à frente.»

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Seguros”, publicado na edição de Fevereiro (n.º 319) da Marketeer.

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