Das pessoas

Tiago ViegasNote-se, em jeito de prelúdio (ou prefácio, ou mesmo preâmbulo), que escrevo este texto acabadinho de perder um pitch (assim mesmo em inglês, que se há indústria provinciana é esta da criatividade) que muito gostaria de ter ganho, por um lado; e cheio de peru, borre­go, bacalhau, cabrito e bolo-rei (entre outras iguarias natalícias igualmente calóricas, me­nos os fritos que me fazem azia), por outro.

De onde resulta, para além do aumento da minha tensão arterial, que estou mais sensível do que o habitual.

Que é como quem diz, hoje gostaria de vos falar – ao invés do meu costumeiro praguejar – da mais importante de todas as dimensões deste métier (eu avisei-vos do provincianis­mo): a das pessoas.

As minhas deambulações mentais por este tema remontam há alguns anos atrás – cerca de oito, se a memória me não falha -, mais precisamente ao dia em que, a pro­pósito de uma reunião menos produtiva que animada, alguém terminou a dita (reunião) dizendo “estamos cá para trabalhar, não para fazer amigos”.

A minha primeira reacção, confesso – e mesmo percebendo que o senhor se estava a referir mais ao facto de o trabalho vir em pri­meiro lugar do que propriamente a dizer que não queria ser amigo deste ou daquele -, foi pensar qualquer coisa como “olha que grande energúmeno me saiu este”.

Hoje, passados tantos anos, vejo-me for­çado a rever a minha reacção e dizer-vos que o dito senhor não era um energúmeno, mas an­tes um verdadeiro e rematado javardo.

Em primeiro lugar, porque não consigo – e acho que não vou conseguir nunca, pelo andar da carruagem – trabalhar com ou para alguém de quem não goste. Já tentei – mais que uma vez – e acabou sempre da mesma forma: mal.

Mal para o cliente (ou fornecedor, ou di­rector, ou colaborador), porque o trabalho ficou sempre pior do que devia. E mal para mim, que, para além de ter feito mau trabalho – que é uma coisa que me chateia -, ainda fi­quei irritado – que é uma coisa que me chateia muito mais.

E ainda que acredite que ter que trabalhar com ou para alguém não implica passar a levá­-lo a almoçar lá em casa com a família todos os domingos, diria que é no mínimo saudável que exista algum nível de empatia e simpatia nas relações que temos com quem trabalhamos.

É – como se diz… ah, já sei: natural.

No sentido em que é natural que as pessoas se dêem e se preocupem umas com as outras.

Em segundo lugar, porque numa indústria como esta em que, mais do que qualquer outra coisa, o verdadeiro valor está não nos meios de produção mas nas pessoas (seja esse valor traduzível em talento, contactos, ou qualquer outra coisa entre os dois), não vou nunca con­seguir perceber por que raio alguém coloca o trabalho num plano mais importante que o das pessoas e acha que isso é uma atitude inteli­gente e profissional.

Sejam colaboradores, fornecedores ou produtores afins, a verdade é que não gosto de pedir a ninguém para trabalhar mais do que era suposto. Agradeço muito quando o fazem e faço por que percebam o quanto aprecio o es­forço adicional. Mas não consigo ficar aborre­cido se alguém me diz que não. É uma questão de respeito pela – lá está – pessoa.

E o que é facto é que a experiência me tem ensinado que esta atitude faz com que todos o façam (entenda-se, trabalhar mais do que o suposto) com mais frequência e afinco – e, o que é melhor, com uma livre e espontânea vontade de ajudar.

Note-se, em jeito de conclusão (ou pos­fácio, ou parecido) que escrevo este texto es­tando mais sensível que o habitual. E que, por conseguinte, é natural que tenha uma menor predisposição para deambular pelo outro lado da história, que é quando eu ponho as pessoas à frente do trabalho, e em troca as pessoas pura e simplesmente deixam o trabalho para trás e o colocam por fazer à minha frente. Nessa altura eu afino (e quem me conhece sabe que, com o passar dos anos, vou afinando com uma voz mais grossa) e as coisas começam a correr mal.

Mas isso, bem vistas as coisas – e porque, afinal de contas, também eu sou uma pessoa, é… – como se diz… ah, já sei: natural.

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