Da obsessão

Ah, a silly season… Bom, dizia eu que nunca gostei muito de estereótipos e generalizações. Tendem para a simplificação das pessoas, e a simplificação tende a nivelar por baixo (o que, no mínimo, irrita – e no mais das vezes, estupidifica). Ainda assim (ah, a coerência), hoje queria falar dos três tipos de criativos que existem. “Mas todos os criativos se enquadram nesses três tipos?”, perguntarão os menos incautos. Claro que sim, responderei eu. Pelo menos, todos os que conheci na vida. “E para que serve tal categorização?”, perguntarão. Ora, para nada, claro. A diferença entre esta crónica e as anteriores é precisamente que esta assume logo que não serve para nada, enquanto as anteriores obrigam a ler mais alguma coisa para chegar a essa conclusão.

O criativo obsessivo – No meu tempo havia uma coisa muito bonita, que era a obsessão (parafraseando o Espadinha no disco do outro). Os criativos obsessivos são aqueles que sofrem, mas sofrem a sério, com o que fazem. Vivem obcecados com o seu craft (ritmos, cadências de leitura e pontos finais, redes de magenta e espessura de linhas – mesmo que seja a diferença entre 0.025 e 0.023). E é fácil perceber quem são: aqueles que trabalham não porque são mandados, mas porque não conseguem não o fazer. São aqueles que acordam a meio da noite e se lembram que não converteram os ficheiros em curvas. Ou que, de cada vez que enviam um email com uma proposta, enviam na verdade 10 emails (sempre a pedir desculpa porque mudaram alguma coisa na versão do pdf que foi no anterior).

Note-se que o criativo obsessivo não é necessariamente genial (ainda que não conheça nenhum criativo genial que não seja obsessivo). Ele é, isso sim, um chato de primeira, que começa por se chatear a ele (ou ela) próprio até à medula, e a todos os outros à sua volta nesse processo. Infelizmente, o criativo obsessivo é cada vez mais uma raridade, acima de tudo porque há cada vez menos gente capaz de os distinguir do restante joio quando chegam em forma de estagiários às agências, e ainda menos gente nas escolas da indústria capazes de fomentar o seu aparecimento e crescimento.

O criativo presunçoso – A característica mais divertida dos criativos presunçosos é que se acham obsessivos, mas na verdade não o são – são apenas parvos e têm a mania que são profundos. Na verdade é a sua única característica divertida, porque depois são uns chatos. Só que, ao contrário dos obsessivos, que se chateiam a si próprios e de caminho todos os outros, estes só chateiam todos os outros – a si próprios fazem festas ao ego.

A melhor forma de lidar com um criativo presunçoso é à distância – por exemplo, à distância de uma agência. (Eu, por exemplo, conheço um criativo presunçoso noutra agência que me diverte imenso.) Já a pior forma de lidar com um criativo presunçoso é em presença – tê-lo como colega ou, pior um pouco, como director criativo. Aí é, efectivamente, uma merda. E porquê? Porque o criativo presunçoso trabalha e não é pouco; ele esforça-se, tem tendência a subir na vida e, pior ainda, a ficar lá em cima. Só que depois… espreme-se e não sai nada. Suminho que é bom, nicles. Às vezes, se tiverem sorte, têm uma boa ideia na vida, que depois repetem ad nauseam ao longo da sua existência. Variações sobre variações sobre variações sobre o tema (que é, no mais das vezes, um sacana de um manifesto).

O criativo preguiçoso – E finalmente o criativo preguiçoso, o mais heterogéneo dos grupos – tão heterogéneo, aliás, que se divide em dois: o criativo preguiçoso-mental e o criativo preguiçoso-normal (o nível de estupidez a que esta crítica conseguiu chegar até a mim me espanta, confesso). O criativo preguiçoso-mental é aquele que até se esforça (ou parece esforçar-se), e que mais que outra coisa se convence a si próprio que não é preguiçoso.

Aliás, conheço vários que são muitíssimo trabalhadores. Mas são preguiçosos nos processos mentais que usam para resolver problemas, e a diferença entre estarem duas ou 20 horas a trabalhar num briefing é… nenhuma. Ou por outra, é a diferença entre trazerem duas ideias fracas ou 20 ideias fracas. E depois temos os criativos preguiçosos-normais, que são aqueles idiotas que pululam pelas agências e, pior, pelo país, sem fazer a ponta de um corno e sem sequer pensarem nisso duas vezes. Não fazem nada, não querem fazer e não sabem fazer. Aliás, o único trabalho a que se dão (quando dão) é não mostrar logo o quão preguiçosos são, ainda que tenham consciência que, mais tarde ou mais cedo, vão acabar por ser descobertos.

E pronto, é (só) isto. Como vê, a superficialidade foi tanta que, acaso ainda estivesse a banhos, quase poderia utilizar a revista (sublinhe-se o quase) como bóia. O que, agora que penso nisso, seria uma activação de marca curiosa para a Marketeer. Mas adiante.

Texto Tiago Viegas

Partner da The Hotel

Fotografia  Paulo Alexandrino

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