Da mediania
Talvez por estarmos em crise, talvez por estar cansado – ou vice-versa, que eu também devo estar em crise e o país está cansado de certeza, mais que não seja de estar em crise -, hoje resolvi que, em vez de dizer (escrever) muito mal dos meus pares (e ímpares) na indústria (ainda que eu hei-de arranjar maneira de o fazer, não se preocupem), ia antes dar uma de intelectual (eu tenho óculos, pelo que acredito estar mais do que qualificado para o fazer) e falar-vos de uma teoria que ando a formular de há uns tempos para cá: a teoria da mediania.
É costume dizer-se (vá, eu costumo dizer) que o grande problema desta indústria nos dias que correm é a quantidade insana (no sentido de imensa, a maioria, a maior parte) de trabalho medíocre que produz (eu não disse que ia arranjar maneira?).
Mas a verdade (a verdadeira, aquela verdadinha) é que esse trabalho a que eu chamo medíocre tem, na maior parte das vezes, um princípio duma ideia; pronto, não é uma grande ideia sequer – é, muitas vezes, uma péssima ideia – mas ainda assim é um princípio. E um princípio de uma péssima ideia é, ainda assim, melhor que nenhum princípio de ideia nenhuma, certo?
Errado. Mas já lá vou.
(Se por acaso acharem que estou a ser muito críptico (e a abrir muitos parêntesis) e a fazer ainda menos sentido que o habitual, gostaria de em minha defesa dizer que eu avisei que iria dar uma de intelectual, e que um intelectual não críptico não merece nem o epíteto nem, por conseguinte, o ar que respira enquanto intelectual.)
E quando falamos dos resultados dessas mesmas ideias (e já aqui falei de resultados, ou, mais concretamente, da falta deles), a verdade é que não se pode dizer, em rigor, que elas não produzem resultados; não produzem grandes resultados, é certo, e o investimento que nelas é feito não se justifica, em rigor, pelos resultados que produzem – mas a verdade (a verdadeira, etc.) é que produzem alguma coisa, e que essa (alguma) coisa é suficiente para, pelo menos, conseguirem que o ciclo (o negócio do cliente, o negócio da agência, e todos os negócios que vivem destes negócios) não acabe(m). Logo ali, pelo menos.
(Acabam depois uns anos mais tarde, cheios de dívidas a tudo e todos, mas isso agora não vem ao caso.)
Ora isto não é a mediocridade. Porque a mediocridade é o falhanço total. É o colapso do ecossistema. É o fim, porra. E a parte boa de um fim, é que, por muito mau que tenha sido, ele dá-nos sempre a oportunidade de começar algo de novo.
E bom, de preferência.
Não, meus senhores (e senhoras), isto é a mediania. É aquele funcionamento deficitário e pobrezinho (tão – infelizmente – tipicamente português, de resto) que não mata mas mói.
E é aqui, começo a acreditar, que está a raiz de todos os males.
(Acrescento, aliás, e uma vez que estou a teorizar, não só da indústria como do País, mas isso fica para outra altura.)
Imagine-se uma noitada numa agência criativa (mesmo que só de nome). São 4 da manhã, a reunião é às 9h no cliente e não há nenhuma ideia digna desse nome. De repente surge uma ideia medíocre. Acham que alguém a aprova? Claro que não, ninguém é louco a esse ponto. Até porque alguém terá que dar a cara daí a umas horas – e apresentar uma ideia medíocre é algo que apavora até o mais temerário dos directores criativos.
Mas se de repente surgir uma ideia mediana – aquela que não é boa mas não é o fim do mundo, aquela que, apesar de ser uma boa merda, não é assim tão vergonhosamente má que não possa ser apresentada – então, em desespero, é aquilo que vai.
Ou seja, a verdade é que na prática, enquanto a mediocridade nos impele a fazer melhor (e quem sabe, recomeçar e fazer em bom), a mediania impele-nos a ficar por ali e a esperar que tudo corra bem (ou, pelo menos, não corra assim tão mal).
Isto é, obviamente, apenas e só uma teoria. Que pode até ser medíocre.
Mas enfim, antes medíocre que mediana