Da humildade
A gaita é que nos falta humildade. Assim, sem mais nem menos e já de chofre que é para ninguém ter dúvidas sobre o que vão versar os próximos quatro minutos da vossa vida (caso resolvam passá-los a ler a minha não necessariamente interessante opinião sobre este assunto). E sim, eu sei que é má educação começar logo assim a praguejar, sem aviso prévio nem pedir desculpa. Já para não dizer sensacionalista e, o que é pior, moralista – ainda para mais sabendo que, como todos os discursos moralistas, também este será levemente sobranceiro e potencialmente irritante.
Mas a verdade é que nos falta.
Uma falta que, desta vez, não assola apenas os meus pares (a quem falta a rodos), mas também os meus ímpares, nomeadamente aqueles que respondem pelo nome de clientes (a quem falta aos molhos). Mas vamos por partes.
Se eu pudesse enfiar um par de estalos num criativo irritante por cada vez que ouvi um criativo irritante estar numas filmagens a falar de coisas sobre as quais não percebe absolutamente nada (ou, na melhor das hipóteses, percebe infinitamente menos que todos os realizadores, directores de fotografia e demais técnicos que os acompanham), estou certo que não só os meus níveis de stress estariam já bastante mais controlados, como teria muito provavelmente a mão inchada de tanto bater no dito criativo irritante*.
A falta de humildade que leva alguém que passa a vida sentado a uma mesa a olhar para o Word (e, nos dias que correm, muito provavelmente para o Facebook) a achar que percebe mais de enquadramentos e iluminação que um realizador ou um director de fotografia (que passam a vida a olhar para viewfinders, shooting-boards, referências, etc.) passa-me ao lado de uma forma que, temo, dificilmente conseguirei explicar. Há, a este propósito, uma história famosa (em certos círculos, mas ainda assim) de uma dupla que entrou por umas filmagens (a) dentro sem ponta de humildade (nem juízo) a mudar luzes, reflectores e até mesmo lentes, tudo a pedido de um ainda menos humilde director criativo, na demonstração daquela que foi, provavelmente, uma das maiores faltas de (para além de humildade) respeito de que há memória na história recente da publicidade portuguesa. Que, já agora acrescento, acabou com um filme de merda que o cliente não só não o pôs no ar como disse que não pagava merda nenhuma.
Mas a falta de humildade não se fica nem só para com as equipas de produção (fotógrafos, realizadores, pós-produtores de imagem e som, e produtores em geral), nem apenas com os criativos. Encontrem-me um publicitário (account, estratega, e todas as demais terminologias bacocas que esta indústria vai produzindo para chamar nomes diferentes às mesmas funções) que não ache que sabe mais do que o cliente sobre todos os aspectos do seu (do cliente) negócio e sobre a melhor forma de vender o seu (do cliente) negócio, e eu peço-vos já o número de telefone para o (ou a) contratar. Da mesma forma que se conseguirem encontrar um cliente que não julgue saber mais de redacção, direcção de arte, pós-produção audio e vídeo e afins tecnicidades do que todos os empregados da agência que contratou, vos peço que ou o tratem com muito carinho, ou então que me passem o seu (do cliente) número de telefone a ver se o (ou a) consigo desencaminhar.
Eu aqui há uns anos tive uma cliente pouco humilde. Que não só era pouco humilde como, no mais das vezes, mal-educada. E na sua presença eu não conseguia ser outra coisa que não fosse arrogante. E da mesma forma que ela chumbava tudo o que eu apresentava e me insultava em todas as oportunidades que tinha, eu também cagava (de alto) em tudo o que ela dizia e a fazia o inverso em todos os momentos que conseguia. O resultado? Um trabalho que, na grande maioria das vezes, não valia o que custava nem rendia o que devia.
Eu hoje em dia tenho um cliente humilde (aliás, tenho até mais que um, mas isso agora não vem ao caso). E é tão humilde, mas tão humilde, que na sua presença eu não consigo ser outra coisa que não igualmente humilde. E portanto, da mesma forma que ele ouve (e aceita, e aprova) sem pestanejar todos os disparates que lhe vou dizendo, também eu ouço e aceito e faço tudo aquilo que ele me diz sem protestar. O resultado? Uma dinâmica mais própria de uma dupla criativa do que de uma relação criativo-cliente. Ah, isso e as vendas, que não param de crescer e consolidar-se semana após semana, mês após mês, ano após ano, década após… ok, para a década ainda é cedo.
Mas, perdoem-me a falta de humildade, algo me diz que lá chegaremos.
* Se eu ganhasse uma moeda por cada vez que já fui esse criativo irritante estava rico. Enfim, dependendo da moeda, necessariamente.