Da fragmentação das audiências à fragmentação da personalidade?
Tenho uma amiga que repete constantemente “era feliz e não sabia”. Deve ser mais ou menos este o sentimento de cada planner, quer trabalhe numa agência de media ou numa agência criativa – como as pessoas da media costumam dizer, fixando as suas funções num patamar mais científico, suponho eu. Isto a propósito de como era fácil, em tempos não tão remotos, saber em que sítio estavam as pessoas, que tipo de pessoas, a que hora, com que necessária disponibilidade financeira ou de crédito para acederem aos convites mais ou menos convincentes que as marcas lhes faziam para se separarem dos seus euros. Era o paraíso. Milhões de famílias Simpson que corriam para o sofá à hora marcada e que sem muita alternativa ouviam tudo o que as marcas tinham para lhes dizer sem que fosse suposto ripostarem.
Depois veio a famosa fragmentação das audiências, que é uma forma intelectualizada de dizer que o regabofe é total, cada um vê o que quer, onde quer, à hora que quer e se possível saltando a comunicação comercial que foi como começámos a chamar aos anúncios por pudor ou pedantismo mais ou menos pela mesma altura. A fragmentação das audiências significa que os Barts das famílias se enfiam no quarto com um computador e um telemóvel e que vão alternando os canais do YouTube com uns vines, enquanto clicam freneticamente no skip this in 5 seconds tentando enganar o relógio e evitar qualquer segundo de publicidade que não tenham sido eles a querer ver. As Marges e os Homers no sofá ficam-se pelo Facebook e pelo poker online e lá vão deitando um olho à programação, mas saltando do Bones para a Good Wife assim que há um intervalo publicitário. Claro que se quiserem mesmo ver algum conteúdo vêem-no em diferido, evitando completamente a publicidade. Isto dá muitas dores de cabeça a quem planeia media e comunicação. Percebe-se porquê, é uma espécie de jogo de gato e de rato. Acontece que, mantendo a analogia de cartoon, eles são o Jerry e os planners o Tom. Lembram-se quem ganhava sempre?
Então e o que dizer das Lisas, que sucumbiram a um fenómeno que começa a tornar-se comum, a fragmentação da personalidade. Não, não é ainda um distúrbio de saúde mental repito: ainda. As Lisas desenvolvem personalidades distintas de acordo com a rede social em que se expressam. São extraordinariamente artísticas no Instragram, tornam-se sarcásticas e mordazes se estão no Twitter, ou dóceis e amorosas quando partilham vídeos de gatinhos no Facebook (porque sabem que todas as tias e amigas da mãe vão ver). Se alguém quiser traçar um perfil do comportamento das Lisas para comunicar com elas de forma relevante vai ter alguns problemas. Ou soluções muito divertidas.
Texto Judite Mota
Fotografia Paulo Alexandrino