Da Direcção
Sim, sim, para a frente é que é o caminho e outras pérolas da sabedoria popular que tais. Mas como estive a ver o Whiplash (2014) – e o tema, apesar de tudo, já me deu muito que pensar –, não é de tendências ou previsões que vos quero falar hoje, antes do que é fazer Direcção Criativa. Que não tem de ser, necessariamente, o mesmo que liderar. Mas isso fica para outra página.
O tema, admito, é consideravelmente egocêntrico. Mas eu sou, afinal de contas, eu próprio. Nada a fazer de novo, portanto.
Quando comecei a trabalhar era costume dizer-se que o Director Criativo tinha como missão ajudar a tirar o melhor que os seus criativos tinham para dar.
Em bom rigor, também se dizia que o papel do account era ser o cliente dentro da agência – o que, vim a descobrir, era uma estupidez comparável apenas à ideia de que a terra é plana.
E no entanto, o meu primeiro Director Criativo (discutivelmente o melhor Director Criativo para quem trabalhei) usava os seus criativos para tirar o melhor dele próprio.
Não por ser ainda mais egocêntrico que todos nós, mas sim por acreditar que essa era a melhor forma de trabalhar. E dado o considerável sucesso da agência na altura, alguma razão ele haveria de ter.
Enfim, para ser honesto, ele era de facto mais egocêntrico que todos nós, juntos, muito provavelmente. Mas esse não é o ponto.
O ponto é que uma agência não é uma escola e sim uma empresa; e uma empresa deve funcionar não da forma mais satisfatória para os seus membros, mas antes da forma mais eficiente para os seus propósitos. Ou não?
Sim, é claro que há princípios de humanidade e respeito e legais que jamais podem ser postos em causa. Mas não é disso que falo, mas sim da linha que separa a satisfação profissional de cada (jovem ou nem tanto) criativo e a eficiência com que a equipa funciona.
“Ah e tal, afinal este também é um filho da mãe como os outros”, deverão estar a pensar os mais inflexíveis, os mais cínicos e, claro está, os idiotas do politicamente correcto.
Deixem-me, nesse caso, afiançar-vos que não, que tenho na verdade uma enorme costela católica neste meu corpo de ateu que me faz preocupar, não só com o que outros pensam e dizem de mim, mas com os outros propriamente ditos, o que me faz ser naturalmente simpático com toda a gente e compreender tudo até à (minha) exaustão.
Bem sei que, à medida que as empresas crescem, é importante para o Director Criativo garantir que formou à sua volta competência suficiente para poder delegar e garantir o crescimento sustentável da empresa que dirige. Mas onde fica essa linha? Quando é que sabemos que o melhor para a empresa passou a ser forçar outros a dar o melhor de si próprios e não pedir-lhes que nos ajudem a dar o melhor de nós?
O que me leva ao segundo ponto: forçar os outros a dar o melhor deles próprios.
Tudo o que estudei sobre superação e criatividade (boa parte do 2.º ano das quatro cadeiras anuais de psicologia nas suas várias vertentes que tive na faculdade) e, na verdade, a esmagadora maioria do que vi mais tarde, em agências, aponta para que a dita superação aconteça em contextos de stress intenso, amplificado por um conjunto de condições adversas, criados, quer pela envolvente, quer pela liderança (o Director Criativo).
Será esse também o papel do Director Criativo? Levar a que as pessoas se superem (ou estampem), causando-lhes tensão ou desconforto suficiente para que possam realmente crescer? Será que é possível crescer sem desconforto? Será que é possível ser Director Criativo sem ser, aqui e ali, bruto como as casas?
Não sei. Honestamente. E também não sei se algum dia conseguirei (ou quererei) sê-lo.
Mas a verdade é que o tema me vai andando pela cabeça, para trás e para a frente, e quanto mais tempo passa, menos sei se saberei ou alguma vez serei o (Director) Criativo que gostava (será que gostava?) de ser.
Dirão por esta altura os pobres leitores, se final de contas ainda não sei, para quê tantas linhas para chegar a esta (não) conclusão?
Pois que nem sei. Ao contrário do outro, sequer, se nada sei.
Texto: Tiago Viegas
Partner da The Hotel