Da coragem

Tiago Viegas
Partner da The Hotel
tiago.viegas@thehotel.pt

Quem me lê ou conhece sabe que tenho um apreço muito relativo por estudos de mercado, focus groups e outras análises quali- quanti que tais. Tanto (ou tão pouco), aliás, que já estou a falar deles outra vez. Dito isso, importa referir que o texto de hoje não versa tanto sobre os seus (de)méritos – que são alguns –, mas mais sobre a utilização dos ditos estudos, entre outras coisas, em substituição dos… ditos.

Propriamente ditos.

Se é que me faço entender.

Aliás, já que falamos nisso – e no que à falta de testículos diz respeito –, a experiência ensinou-me que, em processos de tomada de (in)decisão, vale tudo, de estudos de opinião às opiniões da filha mais velha (ou mais nova, dependendo do tema) do cliente: desde que se possa não decidir (nada de novo), estamos bem. E assim se vai fazendo tudo mais ou menos igual – nem muito bem, nem muito mal.

Serve esta introdução mais ou menos pleonástica (um eufemismo para confusa) para dizer que, desta vez, resolvi (voltar a) fazer uma pausa na vilipendiação dos meus pares (vulgo, publicitários), dos seus egos e das suas ambições, e debruçar-me sobre a clientela (vulgo, marketeers) e, no mais das vezes, a falta dos seus (egos) e das suas (ambições). E antes que se sintam ofendidos (teremos mais oportunidades para isso, podem ficar descansados), permitam-me que vos conte um anúncio.

O filme abre numa enorme sala de reuniões, cheia de executivos com um ar sério perante um problema que, aparentemente, ninguém consegue resolver. Até que, a certa altura, um jovem estagiário diz, lá do fundo, timidamente: “Why don’t we use Fedex?” – ao que se segue uma carreira brilhante, sempre a dizer a mesma coisa, que vai de estagiário a CEO em cerca de 25 segundos (para dar tempo ao packshot).

Ora não me levem a mal, mas sucede que a nossa vida e a vossa carreira não duram 25 segundos e, portanto, estou em crer que andar uma vida inteira a dizer a mesma coisa não será propriamente a prática mais inteligente do mundo.

Sim, é certo que, com jeitinho, até vos pode ajudar como o outro – quem nunca viu uma ameba ser promovida que atire o primeiro briefing.

Mas digam lá, não sentem falta de arriscar? De apostar? De sentir alguma coisa? De acreditar, verdadeiramente, no que fazem? De ter coragem para partilhar o que estão, verdadeiramente, a pensar? Mesmo que seja o contrário daquilo que a agência, ou o vosso chefe, ou os dois, estão a dizer?

Sem compromissos, só convicções?

Pessoalmente, prefiro um cliente com convicções contrárias, a um cliente sem convicções nenhumas. Mas isso sou eu, que estou do lado de cá, e não tenho um CA ou CE, ou outra coisa parecida, cheia de homens brancos, conservadores e de meia-idade – com a sua visão reconhecidamente progressista da sociedade e da comunicação – a opinar sobre tudo o que faço. Ou, por outra, ter até tenho, mas já aprendi a mandá-los a um sítio. Agora, daí até não terem coragem, nem visão, nem noção que parte do vosso trabalho é, precisamente, abraçar a incerteza, vai um passo de gigante.

Para trás.

Da parte que me toca, e ainda que respeitando as posições, carreiras e (in) decisões de toda a gente, confesso que, com a idade, tenho cada vez mais dificuldade em trabalhar com quem, não acreditando propriamente em nada, prefere, no fim do dia, nem sequer acreditar em mim. Não só porque é um pouco irritante, mas também porque é, estou em crer, uma forma muito estúpida de gastar tempo (o meu) e dinheiro (o deles).

E portanto, lá fui aprendendo a ganhar coragem para lhes dizer tudo isto quando chega a altura.

Ou escrever isso numa página da revista Marketeer.

Que é quase a mesma coisa.

Artigo publicado na edição n.º 310 de Maio de 2022

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