Culturgest: 30 anos de apoio aos artistas e à criação contemporânea

A Culturgest foi criada em 1993, quando foi aberta a sede da Caixa Geral de Depósitos. A administração da Caixa, sobretudo por impulso de Emílio Rui Vilar, decidiu abrir as infra-estruturas culturais do novo Edifício-Sede à comunidade, criando um centro de artes, com o objectivo de promover e difundir a arte e a cultura em Portugal. Foi uma decisão visionária que estabeleceu, de uma vez por todas, o conceito da responsabilidade social no contexto empresarial no nosso país. Com uma pequena equipa dedicada e a promessa de um donativo anual por parte da CGD, a Culturgest iniciou no dia 11 de Outubro de 1993 o seu percurso em prol da criação artística e da fruição cultural.

Ao longo dos últimos 30 anos, a Culturgest tem desenvolvido uma programação diversificada e de qualidade, por onde passaram figuras maiores da música, dança, teatro, cinema, artes visuais e pensamento. Em 2022 estiveram na Culturgest 88 mil espectadores, naquele que foi o melhor ano de sempre. A instituição, explica Mark Deputter, presidente do Conselho Directivo da Culturgest – Fundação Caixa Geral de Depósitos tem um forte compromisso no apoio aos artistas e à criação contemporânea e um papel significativo no desenvolvimento do tecido artístico da cidade e do país.

O que diferencia e qual a visão para o futuro da Culturgest?

No contexto da cidade de Lisboa e do país, a Culturgest tem um lugar bem definido, com uma oferta caracterizada pela contemporaneidade. No meu entender, a função da Culturgest é a divulgação de novas tendências junto de um público mais alargado, uma espécie de mainstreaming de linguagens artísticas menos conhecidas pelo público, apresentando espectáculos, concertos e exposições de boa qualidade, que possam ser desfrutados por um público grande e diversificado. É a escala da nossa infra-estrutura que permite apoiar o movimento de certas propostas artísticas da periferia para o centro. Após a crise financeira de 2010, muitos dos nossos criadores foram obrigados a criar espectáculos de pequena dimensão, por razões económicas. Peças de teatro e dança com dois ou três intérpretes, sem cenário. A infra-estrutura e os meios da Culturgest oferecem a possibilidade de investir nestes criadores portugueses, dando-lhes a possibilidade de criar para palcos maiores, para públicos maiores. O objectivo é continuar a apoiar e apresentar propostas de criação contemporânea, que procuram inovar, mas dando-lhes mais visibilidade e a possibilidade de se ligar a um público crescente.

Qual a estratégia planeada para celebrar os 30 anos?

Organizámos uma celebração à qual o público respondeu em grande número e de forma muito calorosa. Entre 11 e 13 de Outubro assinalámos a semana do aniversário com vários momentos que ilustram o nosso carácter multidisciplinar: dois concertos de Ricardo Toscano, “With Strings” e “Chasing Contradictions”, a inauguração da exposição “Fantasma Gaiata – A Colecção da CGD” e, por fim, uma festa na garagem da Culturgest com o DJ set de Pedro Ramos (Rádio Futura). A exposição apresenta um encontro entre os artistas consagrados representados na Colecção da CGD e um conjunto de artistas mais novos, cujas obras foram adquiridas recentemente. O acervo da Colecção da Caixa Geral de Depósitos é um dos mais relevantes do país e é gerido pela Culturgest. Aproveitámos o momento para apresentar um novo espaço expositivo, cujo primeiro evento é dedicado às edições do escultor Alberto Carneiro. Também lançámos a nossa primeira linha de merchandising.

Quais são os principais desafios que a Culturgest enfrenta actualmente no sector da cultura?

Ao longo dos últimos 30 anos, a Culturgest manteve uma consistência programática notável. É evidente que houve mudanças e adaptações, mas a marca Culturgest adquiriu uma clareza invejável. O desafio principal, neste contexto, é continuar a crescer em termos de público, sem perder o nosso perfil, ligado à inovação. E este crescimento não é apenas uma questão de números, mas também de diversificação. A Culturgest tem sabido “aproveitar” o crescimento das classes médias e do número de pessoas com educação superior para aumentar o seu público. É algo que requer uma atenção constante e muito trabalho de divulgação, mas, mesmo assim, pode ser considerado low hanging fruit. Chegar a audiências que têm sido excluídas da oferta cultural institucional dos teatros e dos museus é muito menos evidente. Por exemplo, é urgente abrir um diálogo com as comunidades de afro-descendentes e outras minorias étnicas e culturais numa cidade cada vez mais plural e diversa. Também há certos grupos sociais que têm dificuldade em participar na oferta cultural mais institucional. É preciso desenvolver uma atitude proactiva. A Culturgest tem feito progressos, mas ainda há um longo caminho a percorrer.

Um outro desafio – que é ao mesmo tempo uma oportunidade – é a descentralização cultural. A Culturgest sempre mostrou muita abertura para colaborar com outros teatros e centros de arte no país, por exemplo na co-produção de espectáculos, na digressão de concertos ou na divulgação da Colecção da CGD. Após muitos anos de insistência por parte do sector cultural, o Governo criou recentemente duas ferramentas com grande potencial, a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) e a Rede Portuguesa de Arte Contemporânea (RPAC). No âmbito destas redes, existem agora programas de financiamento para dinamizar a decentralização cultural e fomentar o trabalho em rede.

Que estratégia estão a planear para o futuro?

Neste momento, o plano é de continuidade. É continuar a desenvolver o nosso trabalho, a crescer nos públicos, sem grandes mudanças de direcção. Nos últimos anos, temos feito esforços para levar a nossa programação cultural a outros públicos, através da criação de uma nova oferta cultural digital e através da organização de eventos artísticos fora do nosso edifício, seja em colaboração com outras instituições, como o Panteão Nacional e a galeria Fidelidade Arte, seja no contexto de eventos ao ar livre. Mas este crescimento cria inevitavelmente algum stress na gestão dos recursos humanos e dos orçamentos. Realizar eventos ao ar livre requer um esforço acrescentado e investimentos maiores.

Num outro plano, a saída da Caixa Geral de Depósitos do Edifício-Sede terá inevitavelmente um impacto significativo, que terá de ser gerido com atenção, nos próximos anos. A Culturgest ficará onde está, mas o facto de já não estarmos a partilhar o mesmo edifício terá uma série de implicações práticas para as quais é preciso encontrar soluções eficazes. Ao mesmo tempo, será preciso reforçar a ligação entre a Fundação e a sua instituidora. Ao longo dos últimos 30 anos, a proximidade entre as marcas Culturgest e CGD tem sido evidente, muito em parte pela razão de partilhar o mesmo edifício, mas esta evidência terá tendência a desaparecer, pelo que será preciso encontrar novos modelos de proximidade. Como a Culturgest é uma das apostas principais da política de responsabilidade social da Caixa, iremos reforçar a marca Fundação Caixa Geral de Depósitos – Culturgest.

Quais as principais áreas e objectivos da Culturgest?

“A Fundação Caixa Geral de Depósitos – Culturgest tem por finalidade a organização de actividades culturais, artísticas e científicas”, dizem os estatutos. A Culturgest apresenta uma programação regular nas áreas das artes performativas, da música, das artes visuais, do cinema e do pensamento contemporâneo. Dirige-se a um público alargado – incluindo o público escolar, as crianças e os jovens.

No contexto artístico, a Culturgest desenvolve um papel dinamizador, acompanhando a carreira de encenadores e coreógrafos, co-produzindo novas criações, divulgando a obra de artistas visuais e realizando concertos de música de todos os géneros. Colabora com vários festivais internacionais de Lisboa, incluindo o festival de artes performativas Alkantara, o festival multidisciplinar BoCA e os festivais de cinema DOC Lisboa, IndieLisboa e Ampla. No contexto da sua programação científica, co-organiza conferências e debates com entidades do mundo académico, empresas e várias organizações da sociedade civil.

Que novidades se podem esperar na Culturgest?

Uma novidade que gostava de destacar é a nossa participação no projecto “Europe Beyond Access”. É um projecto que é suportado por uma dezena de organizações de toda a Europa, que pretende abrir os teatros e espaços culturais a artistas com deficiências. É algo desconcertante constatar que os primeiros jogos paralímpicos tiveram lugar em 1998, dando lugar a uma dinâmica de integração imparável no mundo do Desporto, enquanto na Cultura ainda estamos no início, 25 anos depois. Há cada vez mais artistas com deficiência que reclamam o seu lugar nos palcos e nas galerias de arte e há cada vez mais pessoas com deficiência que querem participar em actividades culturais em condições de igualdade.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Aniversário das Marcas”, publicado na edição de Outubro (n.º 327) da Marketeer.

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