Critério e postas de pescada
Por Paula Santos, Freelance Senior Copywriter
Como boa portuguesa, levo o tema “comida” com alguma seriedade. Não sei se nos está no ADN ou é apenas uma questão cultural, mas quando chega a hora da refeição tornamo-nos todos fundamentalistas e ai de quem disser que é indiferente de onde vem o chouriço ou que o pão caseiro “dá muito trabalho a comer”, como já tive a infelicidade de ouvir.
E é esta nossa característica, aparentemente divertida e inocente, que nos leva a outras questões gastronómicas: os famosos reviews online. Boas avaliações nas plataformas como Tripadvisor, The Fork e muitas outras, são fundamentais para trazer mais clientes e mais notoriedade aos restaurantes.
Ou seja, o que antigamente era uma recomendação de um amigo ou familiar, em cuja avaliação confiávamos, passou agora a ser uma recomendação de todos.
Só que há um pequeno problema. O que para um turista é o melhor prato que já provou na vida, para um português é uma refeição banal, que não se compara ao que se habituou a comer diariamente em casa da avó. Da mesma forma que milhões de japoneses poderão avaliar um sushi com mais conhecimento do que eu.
Por isso neste momento em Portugal e, quiçá, no mundo estamos perante uma crise de critério gastronómico online. É só ver restaurantes em zonas turísticas (os chamados turist trap) com avaliações excelentes de 4 e 5 estrelas. Ou a facilidade com que nos deparamos com restaurantes com comentários extraordinários, dos quais saímos num total desconsolo, tal foi a desilusão de refeição que nos foi servida.
Ou seja, é óbvio que todos temos direito a ter opiniões, mas de nada importa uma opinião se faltar o fundamental: o critério.
E claro que o critério é sempre subjectivo, mas neste caso, é uma subjectividade num tema que até dominamos. Ou seja, é um critério que vale a pena ser ouvido.
E é aqui que entra o paralelismo com a nossa área. É fundamental que as marcas confiem no critério dos seus departamentos de Marketing e que estes trabalhem com agências em cujo critério também confiam. Tal como é importante para um criativo confiar no critério do seu director Criativo, como é importante este criar uma bitola para a sua equipa. Se não for assim, está na hora de mudar.
O critério permite reconhecer o que é bom, o que funciona e permite tentar fazer melhor. O que também permite às marcas arriscarem, porque acreditam na qualidade do que lhes está a ser apresentado. E as marcas que arriscam, destacam-se e são reconhecidas por isso. É a chamada pescadinha de rabo na boca.
Porque sem essa bitola, se a opinião de todos tiver o mesmo peso, corremos o mesmo risco que um turista corre, ao achar que todos os pastéis de nata de Lisboa são merecedores de 5 estrelas. E como bem sabemos, porque já todos estivemos lá uma vez ou outra, quando o critério foi esquecido, a campanha foi só mais uma e sensaborona.
E caso achem um exagero, deixo-vos aqui “food for thought”: o que ao longo dos anos contribuiu para a qualidade gastronómica do País foi o alto critério que se tinha pelo tema. Se começamos a contentar-nos com o banal, deixamos de nos destacar. Tal como as marcas. Estão a ver a ligação?
Quanto ao drama das avaliações dos restaurantes, só nos resta voltar a perguntar aos amigos que restaurante recomendam. Mas só àqueles que sabem o que é bom.