COVID-19®: Quando uma pandemia mundial se transforma numa marca registada

Por Gonçalo Sampaio, advogado, presidente do Grupo Português da Associação Internacional para a Protecção da Propriedade Intelectual, sócio da JE Dias Costa

O impacto da actual pandemia provocada pela infecção COVID-19 nas nossas vidas tem sido brutal. Mudámos as nossas rotinas, mudámos os nossos hábitos. Sejam eles pessoais, familiares ou laborais. Trabalhamos a partir de casa, “estamos” virtualmente com família e amigos, encontramos formas de lazer caseiras. Evitamos, ao máximo, sair à rua (ou pelos menos assim o devíamos fazer). A nossa casa é, por estes dias, o nosso Mundo. Mas também a nossa fortaleza.

Mesmo nestas circunstâncias, há empreendedores que são sempre rápidos em identificar oportunidades de negócio. E não demorou muito para que várias pessoas e empresas tentassem capitalizar a fama mundial (ou, porventura mais apropriado, a infâmia) do novo coronavírus e da infecção que provoca, a COVID-19, tendo-se já apresentado pedidos de marca associados a esta realidade.

A grande maioria desses pedidos foi apresentada em Março de 2020. Mas alguns demonstraram uma ainda maior capacidade de antecipação e requereram pedidos de registo de marca ainda em Fevereiro – quando, apesar dos primeiros casos diagnosticados em Itália, ainda estávamos longe de imaginar a vastidão da propagação do vírus e as trágicas consequências da nova doença para o Mundo e para a Humanidade.

Nos Estados Unidos da América, onde o tema da protecção de marcas tem uma enorme relevância, foram solicitados inúmeros pedidos de registo de marca, com especial incidência para os produtos e acessórios de vestuário. Destacam-se marcas como WE BEAT COVID-19, Covid-19 SURVIVOR, COVID KIDS, CLASS OF COVID-19, FXCK CORONAVIRUS, I SURVIVED CORONAVIRUS 2020, CORONAVIRUS: MADE IN CHINA.

Mas também marcas que recorrem a elementos figurativos, tais como:

              

Mas noutras jurisdições verificaram-se pedidos menos usuais:

No México, foi pedida a marca CORONAVIRUS para cerveja; na União Europeia, a mesma marca foi solicitada para produtos agrícolas e hortícolas; e, no Reino Unido, a marca COVID-19 foi solicitada para jogos de tabuleiro e cartas.

Porventura, o pedido mais bizarro foi a marca CORONAVIRUS WINES SOTTO AL CENTRO LA MOLECOLA DES VIRUS (numa tradução livre, “Vinho Coronavirus a molécula do vírus sob o centro”).

Em Portugal, a capacidade criativa e a imaginação foi, porventura, mais limitada. Alguns dirão que houve, do ponto de vista colectivo, uma menor propensão para o oportunismo e falta de gosto.

Ainda assim, e além de um pedido de registo de marca de uma entidade pública na esfera do Ministério da Saúde que solicitou TRACE COVID-19 GESTÃO DE VIGILÂNCIAS para um software e serviço de telemedicina, verificaram-se três pedidos de registo de marca para COVID-19 para produtos e serviços tão diversos como produtos médicos, agentes de limpeza, gel duche, detergentes, preparações para limpar e polir, plantas, produtos de agricultura, plantas e flores naturais, animais vivos, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, jogos de computador, jogos de mesa, jogos de perguntas e resposta.

Todos estes pedidos de registo de marca já foram objecto de publicação no Boletim Oficial, o que significa que cumprem os requisitos formais. Está, agora, a decorrer o prazo para que qualquer interessado apresente reclamação e, independentemente de estas existirem, a palavra final caberá ao Examinador do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

O mau gosto não é causa de recusa de uma marca, desde que não ofenda os bons costumes. Mas a falta de carácter distintivo, o carácter genérico da expressão ou a susceptibilidade de induzir o consumidor em erro quanto à natureza ou qualidade do sinal que se pretende proteger já poderá impedir o sucesso destes pedidos.

Veremos se, em breve, teremos nas prateleiras dos supermercados e mercearias nacionais algum produto COVID-19, com a marca devidamente registada. E se terá sucesso comercial.

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