Congresso das Marcas: «A inovação tem de estar sempre à frente da conjuntura»
A pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia têm colocado vários desafios às marcas do sector do retalho, que vão desde a escalada dos preços dos combustíveis à escassez de recursos humanos. Apesar deste contexto, há uma variável que se mantém importante, talvez mais do que nunca: a capacidade de inovar. Esta permanece a principal barreira de protecção das marcas para criar valor num contexto de incerteza. «A inovação tem de estar sempre à frente da conjuntura. Há valores intangíveis das marcas que nunca podem ser ignorados. A inovação tem de superar todas estas ondas e tem de antecipar tendências, perceber mudanças de consumo», frisou João Partidário, director de Vendas da Nestlé, durante o 2.º Congresso das Marcas, que decorreu ontem com organização a cargo da Centromarca.
O responsável foi um dos participantes numa mesa-redonda subordinada ao tema “Disrupção: Os fundamentos”, a par de Jorge de Mello (CEO da Sovena), Cláudia Lourenço (directora-geral da Procter & Gamble Portugal) e João Potier (director-geral da Arrozeiras Mundiarroz). A conversa, que decorreu no auditório do Centro de Congressos do Estoril, teve moderação de Joana Petiz (directora do Dinheiro Vivo).
Para Cláudia Lourenço, apesar das dificuldades que o sector tem vindo a atravessar – relacionadas com a escassez e dificuldade em obter matérias-primas, mas também com o seu transporte, por exemplo –, este pode (e deve) ser um momento de reinvenção para os players do retalho. No caso da Procter & Gamble, no início da pandemia, a companhia implementou um projecto-piloto de logística nos EUA que envolveu a compra de camiões para o transporte dos seus produtos e o recrutamento de motoristas. O objectivo passou por minimizar o impacto ao nível do preço para o consumidor final e garantir que não existiam rupturas de stock. «Não escolhemos viver estes momentos, mas podemos escolher como os vivemos. Podemos inventar novas maneiras de ultrapassar estas situações», salientou a directora-geral da Procter & Gamble Portugal.
Também a Nestlé teve de reagir rapidamente ao problema da falta de matérias-primas e fê-lo em duas vertentes: a da antecipação, contactando previamente os fornecedores para garantir que nada iria falhar na cadeia de valor; e a da agilidade, tornando a produção nas suas fábricas (incluindo as duas unidades fabris em Portugal) mais flexível, através de um sistema em espelho que permitiu «mitigar eventuais problemas de escassez», segundo contou João Partidário. Além disso, a empresa reforçou o stock de embalagens, para precaver possíveis rupturas.
Elevar o arroz e o azeite nacionais
Os cereais são uma das categorias que têm sido mais afectadas pela guerra na Ucrânia, com a quebra abrupta na importação das matérias-primas oriundas do Leste. No palco do Congresso das Marcas, João Potier (director-geral da Arrozeiras Mundiarroz) lembrou, no entanto, que «a crise dos cereais não é nova» e terá começado em 2005, quando a União Europeia «tomou a decisão de permitir aos países menos desenvolvidos exportar para a Europa sem taxas aduaneiras. A partir daí, os países asiáticos passaram a poder colocar grande parte da produção agrícola na Europa. Países como Mianmar e Camboja taparam parte da produção europeia», recordou.
O responsável lembrou ainda que, em 2007, houve uma crise de falta de cereais em todo o Mundo, que levou a uma subida dos preços (incluindo do arroz) na ordem dos 35%. Porém, «esta situação que hoje se verifica é mais grave, porque há arroz, mas está alocado noutras partes do Mundo e o problema é chegar lá. O grande problema é como aceder à matéria-prima e a que custos», sublinhou.
Neste contexto de dificuldade de acesso aos cereais, o director-geral da Arrozeiras Mundiarroz acredita que este pode ser também um momento de afirmação do arroz nacional (carolino), que «é mais valorizado lá fora» – em países como a Cisjordânia, que é o principal importador deste produto – do que dentro de portas. Sendo certo que Portugal não é auto-suficiente em arroz – o País tem capacidade para produzir cerca de 50% do arroz que é consumido internamente, mas apenas 20% da produção fica dentro das fronteiras nacionais e o restante é exportado –, há espaço para aumentar o consumo de arroz português a nível interno.
«Apesar de o mercado internacional dar uma grande ajuda aos produtores nacionais, o caminho passa por continuarmos a alterar o paradigma do consumo em Portugal, pela qualidade e pela afirmação das marcas nacionais. É um paradoxo exportarmos 80% do arroz para depois termos de ir comprar lá fora», afirmou João Potier.
Um caminho semelhante é aquele que o sector nacional do azeite tem vindo a traçar nos últimos anos, embora ainda persista a ideia de que o azeite português a granel é vendido mais caro se for embalado com um rótulo estrangeiro. Para Jorge de Mello (CEO da Sovena), ainda existe, de facto, um gap de percepção e notoriedade, mas que tem vindo a ser reduzido gradualmente nos últimos anos. «Por vezes, compara-se o azeite português ao italiano e diz-se que o italiano é vendido com um preço superior em cerca de 10%, o que é um manifesto exagero. Há, de facto, um premium mas não é assim tanto», referiu, acrescentando que o azeite português a granel tem inclusive um preço superior ao espanhol, por exemplo.
No segmento do azeite embalado, que é aquele que gera mais valor para o sector, a Sovena (detentora da marca Oliveira da Serra) tem vindo a trabalhar no sentido de elevar o azeite português no estrangeiro. A marca Andorinha, por exemplo, vende já mais de 25 milhões de litros no Brasil, um volume que fica já acima do volume de vendas de Oliveira da Serra no mercado nacional, apesar de o consumo per capita de azeite ser muito superior em Portugal do que no outro lado do Atlântico. «O caminho é continuar a promover a produção nacional, pelo trabalho que as empresas e as associações possam fazer nesse sentido», referiu Jorge de Mello.
Marcas de distribuição versus marcas de fabricante
De acordo com Cláudia Lourenço, no sector do Grande Consumo as marcas de distribuição têm vindo a ganhar terreno no mercado português, neste contexto de inflação em que vivemos, mas «isto não quer dizer que as marcas de fabricante (algumas) não estejam a crescer também em quota».
De resto, a directora-geral da Procter & Gamble Portugal acredita que, mais do que serem colocadas em dois lados opostos das barricadas, existe espaço para que ambas (marcas de fabricante e marcas de distribuição) possam continuar a crescer, cabendo às marcas de fabricante o ónus de manter o investimento em inovação. «O caminho passa por continuar a entregar valor aos consumidores, mostrar o valor acrescido destas marcas. Continuaremos a fazer a essência do nosso trabalho, que é servir os nossos consumidores», frisou.
Contudo, João Partidário deixou um recado: para que isso aconteça, é importante que os «parceiros da distribuição dêem espaço e visibilidade» às inovações das marcas de fabricante, facilitando a sua entrada no mercado e nos lineares.
Texto de Daniel Almeida