Confeitaria Nacional: Um “legado que tem de se manter” e que une história e tradição à inovação

É uma das mais antigas e emblemáticas pastelarias de Lisboa e uma das que mantém no seu ADN a tradição na confecção das receitas trazidas pelo seu fundador. Em 1829, nascia este espaço, que se tornaria rapidamente uma referência na doçaria portuguesa, pela mão de Balthazar Roiz Castanheiro.

Desde cedo, destacou-se pela qualidade dos seus produtos e pela inovação, que ainda hoje mantêm, introduzindo técnicas e receitas inspiradas na confeitaria europeia. A sua fama cresceu ao ponto de se tornar fornecedora oficial da Casa Real Portuguesa.

Atualmente, é pela mão de Rui Viana, de 70 anos, a 6.ª geração a levar o negócio avante, que a pastelaria permanece um símbolo da cidade, sendo este um “legado que tem de se manter”, como sublinha o atual proprietário e guardião das memórias da casa. Rui já prepara a passagem de testemunho, mas, antes, ainda há muito que fazer.

No final do século XIX, a Confeitaria Nacional foi pioneira na introdução do Bolo-Rei em Portugal, uma tradição natalícia que rapidamente se espalhou por todo o país. A receita original foi trazida de França, e a pastelaria manteve-se fiel à sua confeção artesanal, preservando os sabores autênticos que a tornaram famosa. “Foi passando de geração em geração e sempre se mantiveram as mesmas receitas ao longo dos anos. Existe um pergaminho, de 1854, com alguns produtos que se vendem ainda hoje em dia”, aponta Rui Viana à Marketeer.

Ao longo dos anos, a pastelaria enfrentou desafios, incluindo períodos difíceis e mudanças no cenário comercial de Lisboa. “Quando abriu, ainda estava o país em guerra civil. Para lhe dar uma ideia, a primeira vez que foi concluída a linha férrea Lisboa-Porto, aquilo já tinha 35 anos, quando foi abolida a pena de morte já tinha 38 anos, são coisas que uma pessoa fica a pensar. Ainda havia escravatura, não que tivéssemos tido escravatura ali dentro, mas ainda havia. É uma história que não acaba”, conta Rui Viana observando a importância de todos estes momentos para a pastelaria.

No entanto, a capacidade de adaptação e a aposta na qualidade dos ingredientes garantiram a longevidade do negócio. A Confeitaria Nacional manteve-se um espaço de encontro para gerações de lisboetas e turistas que apreciam a tradição e o requinte da sua doçaria.

Hoje, conta Rui Viana, o “turismo ganha cada vez mais expressão, mas continuamos a ter os clientes que passam de geração em geração”, e, no fim, mesmo o turista, “quer sempre o tradicional”.

A preservação da identidade da Confeitaria Nacional sempre foi uma prioridade para a família fundadora, que manteve a gestão do espaço ao longo dos séculos. Para o proprietário, cada recanto do espaço é uma história por contar, e há coisas que o impressionam, como os “75 milhões de clientes que já devem ter passado naquela loja”, e também que o enchem de orgulho, como o “ter conseguido recuperar a loja como o que era no século XIX” quando tomou as rédeas do negócio, mantendo a sua essência.

“Deu-me muito gozo, a Confeitaria tem uma longa história para contar”, afirma Rui Viana garantindo que esta é hoje “exatamente como era” no passado.

O equilíbrio entre inovação e respeito pela tradição permitiu que a pastelaria continuasse relevante, mesmo num contexto de concorrência crescente e mudanças nos hábitos de consumo. Já no próximo mês, março, a Confeitaria deverá apresentar um novo produto: “Vamos começar a produzir uma inovação, um bolo tipo panetone com a receita do Bolo-Rei como base, com uma massa mais leve, com farinhas e fermentos especiais”, antecipa o proprietário indicando que este novo produto ainda não tinha nome, mas que sairia em breve para venda.

Atualmente, Rui Viana mantém o compromisso de honrar o legado dos seus antepassados, que muito admira, mas também admite que é tempo de passar o testemunho à próxima geração que em breve começará a ser preparada para assumir o negócio. Por enquanto, quer que “conheçam mundo”, mas a passagem do legado da família estará para breve. “Não lhes dou muita pressa porque também não tive pressa, tive outra vida antes de assumir o negócio da família, mas agora estou com uma certa pressa, não porque não esteja em forma, mas chegou a altura, até para se começarem a habituar”, afirma.

Sob a sua gestão, a pastelaria continua a ser um símbolo da doçaria tradicional portuguesa, preservando receitas centenárias e proporcionando uma experiência única a quem a visita. Mas haverá receio do futuro? Rui garante que não, não só porque a Confeitaria é uma das 164 lojas com história protegidas pela Câmara Municipal de Lisboa, mas porque considera que um negócio como este se mantém intocável enquanto houver quem mantenha a sua essência.

“As lojas que são obrigadas a abandonar os grandes centros urbanos – e isto é a minha teoria porque estive muito tempo nos EUA e por isso tenho uma visão muito pragmática -, as que não se aguentaram ali, ou foi porque os donos já não queriam ou porque o produto já não interessava. É o mercado que dita”, considera o proprietário da Confeitaria Nacional.

“As pessoas às vezes tentam modernizar, e quando se moderniza e não se tem conhecimento do que era e qual era a tradição, perdem a identidade e eu ali não quero nunca perder a identidade. Assim é que tem interesse”, conclui.

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