Concorrer com o Dr. Google

À semelhança do que acontece noutros sectores, também no farmacêutico a internet tem obrigado as empresas a repensarem a sua estratégia. No mais recente pequeno-almoço debate com responsáveis do sector, fomos perceber  para onde caminha o futuro da comunicação na indústria farmacêutica.

Texto de Daniel Almeida

Fotos de Nuno Carrancho (NC Produções)

As empresas farmacêuticas a operar em Portugal não têm, historicamente, e de uma forma geral, o hábito de comunicar directamente com o grande público, optando por uma abordagem mais centrada na comunidade médica. Contudo, nos últimos 30 anos, o paradigma tem vindo a mudar. A reboque da evolução do mercado dos OTCs (medicamentos over the counter, isto é, não sujeitos a receita médica), os únicos que podem ser comunicados junto do público em geral, as companhias têm vindo a repensar as suas estratégias de comunicação.

Esta mudança surge também como uma resposta à evolução do perfil do consumidor, cada vez mais informado, exigente e independente. Hoje, qualquer pessoa «vai ao “Dr. Google” e consegue toda a informação que pretende» acerca de um determinado medicamento ou doença, mas «muitas das vezes essa informação está incorrecta, porque não é veiculada por nós», alertam os responsáveis presentes no pequeno-almoço debate da Marketeer. Nesse sentido, os meios digitais (como as redes sociais) afiguram-se, cada vez mais, como uma importante ferramenta de comunicação para as empresas farmacêuticas, que procuram através destes canais informar da melhor forma possível os consumidores. «Toda a gente, neste momento, mesmo para um antigripal, vai procurar primeiro no Google! Por isso, temos que garantir que estamos no digital e lhes damos toda a informação necessária. Todos nós trabalhamos para a literacia da saúde, independentemente da companhia», sublinham os responsáveis.

A mudança comunicacional no sector farmacêutico em Portugal foi o tema central do quinto pequeno-almoço da Marketeer com responsáveis da indústria farmacêutica, que decorreu no Hotel e Vintage Lisboa, do grupo NAU. O evento contou com a participação de Dina Heliodoro (Johnson & Johnson), José Faria Machado (Bayer), Luísa Silva (Sanofi), Patrícia Gouveia (Janssen), Pedro Martins (Novartis), Pedro Pêra (Aurovitas) e Rui Carvalho (Angelini). Com o objectivo de se conseguir um debate mais aprofundado por parte dos diferentes participantes, ficou definido que nenhuma das ideias e opiniões seria identificada no texto.

Os grilhões da lei

Não obstante a maior abertura comunicacional das empresas farmacêuticas, que se reflecte sobretudo no aumento da publicidade às marcas de medicamentos não sujeitos a receita médica, estas ainda enfrentam variadas restrições ao nível regulamentar. No mercado português, as companhias devem respeitar as restrições oficiais do Ministério da Saúde, entidade responsável pela Lei da Publicidade, que determina, por exemplo, que as empresas podem fazer publicidade a medicamentos OTC, desde que não incentivem o seu consumo. Devem ainda cumprir o código deontológico das associações do sector. «Se formos à internet procurar informações sobre um medicamento, seguramente que encontramos, mas quem o diz não é a empresa que produz o medicamento, porque esta não pode relacionar- se com o consumidor», exemplificam os participantes no debate da Marketeer.

De acordo com os participantes no debate, os entraves legais que existem no mercado português (e um pouco por toda a Europa) acabam por criar um certo «distanciamento» entre as empresas e os consumidores. «Falta o aspecto pessoal, um rosto. Nunca interagimos de forma pessoal com um cliente final. Mesmo no caso dos OTC, nunca há uma interacção directa; há sempre um intermediário, neste caso, o médico ou farmacêutico », constatam.

Já no que toca à comunicação institucional (ou disease awareness), pode ser feita directamente ao público. Isto significa que uma companhia farmacêutica que queira fazer passar para o público uma acção de responsabilidade social, por exemplo, poderá fazê-lo em nome próprio ou de forma indirecta, isto é, em parceria com associações de doentes e sociedades científicas, se considerar que, dessa forma, consegue gerar um maior impacto.

Porém, nem sempre este tipo de iniciativas acaba por colher o interesse dos meios de comunicação social: «Se calhar, do ponto de vista mediático, não é um tema tão interessante como outras questões que se levantam, nomeadamente o lado financeiro», criticam.

Obstáculos internos

Mas há também, dentro da indústria, anticorpos à comunicação externa. Isto deve- -se, em parte, a questões culturais. Basta recordar que, há menos de 30 anos, a indústria farmacêutica praticamente não comunicava ao consumidor: na altura, o mercado era sobretudo composto por companhias de investigação que não faziam publicidade, nem tão-pouco tinham departamentos de comunicação. Só com a disseminação dos medicamentos não sujeitos a receita médica é que esta situação se começou a alterar, mas não de forma transversal, pois nem todas as empresas comercializam OTCs, e outras comercializam, mas optam por não comunicar.

Mesmo no caso das empresas que comunicam com maior regularidade, a prática comum passa por comunicar algumas marcas em específico, e não a marca umbrella, sendo raras as campanhas institucionais neste sector. Ainda assim, esta é uma tendência que tem vindo a mudar, aos poucos, sobretudo no caso das companhias que comercializam medicamentos genéricos. «Até aqui, a comunicação institucional não era vista como um valor acrescentado pela grande maioria das companhias (e eventualmente não continuará a ser), uma vez que se acredita que a ligação à marca institucional não é relevante no processo», ou seja, «não acrescenta valor ao processo de comunicação», explicam.

Que soluções?

Face a todos os entraves legais, internos e à “concorrência” dos motores de busca (como o Google), como podem as empresas farmacêuticas relacionar-se de forma mais efectiva e envolvente com os seus consumidores?

De acordo com os convidados da Marketeer, uma das possíveis soluções passa por potenciar o uso dos meios digitais, não apenas para comunicar as marcas de OTCs, mas sobretudo para abordar os temas pelo quais os consumidores realmente se interessam, relacionados com a sua saúde, e até interagir com eles – dentro do permitido por lei. «A questão da literacia da saúde é provavelmente aquilo que a indústria farmacêutica vai ter que fazer em termos de marca institucional. Se calhar não vai ser uma estratégia pensada, pró-activa, mas sim em reacção ao aumento da literacia e do acesso ao digital», defendem os responsáveis. «O objectivo é caminharmos para encontrar a fórmula de nos relacionarmos cada vez mais com o consumidor. Todos estamos a caminhar para aí, mas com pinças, porque se [os consumidores] nos fizerem uma pergunta mais directa sobre um medicamento ou doença, não podemos responder », concluem.

Artigo publicado na edição n.º 238 de Maio de 2016.

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