Como se consegue adicionar valor à marca? Responsáveis de 4 empresas respondem
Como é que, num mundo que parece ser dominado por tecnológicas, a L’Oréal continua a estar presente nos tops das marcas de maior valor e com mais relevância a nível mundial? Esta foi uma das questões lançadas na Marketeer Talk que decorreu no âmbito da 17.ª Conferência Marketeer. A resposta, por seu turno, chegou pela voz de Afonso Cruzeiro, director de Marketing Mass da L’Oréal em Portugal: «A mudança é vital.»
Tal como Pedro Janela, CEO do Wygroup, já tinha mencionado na sua apresentação enquanto keynote speaker no mesmo evento, a inovação deve ser um dos pilares das marcas. É este o ingrediente que lhes permite acompanhar a mudança e, mais do que isso, mudarem elas próprias. No caso da L’Oréal, são mais de quatro mil as pessoas a trabalhar para inovar, tanto em termos de produto como serviço, mas a gigante de beleza não está sozinha.
Também na Vodafone, na Sociedade Central de Cervejas (SCC) ou no Santander – as restantes marcas representadas nesta mesa redonda – a inovação é um conceito muito presente.
Segundo Leonor Dias, directora de Marca da Vodafone Portugal, o caso da operadora de telecomunicações no nosso país será um exemplo pouco comum por entre as restantes geografias, uma vez que o mesmo departamento junta Marca e Customer Experience, combinação que permite conhecer e dar voz ao cliente, transformando o feedback em novas soluções ou campanhas de comunicação. Esta ligação próxima poderá ser especialmente útil tendo em conta que, dentro das marcas, a perspectiva sobre o valor das mesmas poderá estar enviesada.
Ainda sobre inovação, Leonor Dias sublinha que as telecomunicações são uma indústria com pouco espaço para que determinada marca esteja à frente de outra em termos de novidade. Pelo menos, durante muito tempo: «Quem chega lá primeiro é pertinente neste negócio. Quão cutting edge é a marca?» A responsável sublinha ainda que inovar no core do negócio permite entrar na casa do cliente e, a partir daí, ter uma marca forte ajuda a conseguir alargar a presença a outras áreas, aumentando a share of wallet.
Afonso Cruzeiro alerta, porém, que todas as inovações devem ter em conta a história da insígnia e o caminho percorrido até aí: «A armadilha pode ser mudar, mas sem respeitar os valores da marca em si.» No caso da L’Oréal, o foco será sempre o empoderamento da mulher.
Já do lado da SCC, a directora de Marketing Maria Oliveira conta como a inovação passa pelo produto e pelo serviço, mas também pela experiência. «Ser copiado é um factor de sucesso. Quando aparecem marcas próprias com produtos semelhantes, é sinal de que algo funcionou.»
Maria Oliveira indica ainda que a inovação também é útil para alargar a base de clientes e prova disso mesmo é o facto de a Sociedade Central de Cervejas ser, hoje, muito mais do que cerveja. O elemento comum é o desenvolvimento de propostas que sirvam as necessidades dos consumidores e se isso significa investir em hard seltzers, por exemplo, então esse será o caminho a seguir.
Já João Paulo Velez, director de Comunicação e Marketing Corporativo do Santander, aponta para a inovação em termos tecnológicos, mas também na presença física, já que há muitas pessoas que continuam a querer ir aos balcões. E é preciso garantir que os clientes têm uma experiência tão boa online como quando se deslocam a uma agência e vice-versa: «Não sei se sabem isto, mas não temos tolerância nenhuma», conta o responsável, referindo-se ao facto de que esperar três segundos para uma app abrir já é demais para muitas pessoas.
É por isso que o Santander conta com um Customer Center que permite testar novas soluções com clientes reais antes de serem lançadas. Esta aposta ajudará também a fazer frente às fintechs que, embora João Paulo Velez garanta que são bem-vindas, poderão representar uma abordagem especialmente apelativa para os mais jovens. No entanto, frisa ainda o mesmo responsável, as pessoas esperam que um banco seja seguro e confiável e é aí que a banca tradicional, como o Santander, poderá ter um trunfo na manga. Mesmo que o chip da inovação tenha de passar a fazer parte do dia-a-dia.
«Os bancos vivem um processo de recuperação da reputação», acrescenta ainda João Paulo Velez, lembrando que, há 20 anos, eram muito valorizados pela sociedade, mas que, entretanto, «deram um trambolhão» que obriga, agora, a um lento caminho para trazer de volta a credibilidade.
No caso do Santander, em concreto, a experiência do cliente mostra-se decisiva para isso: «Temos de nos diferenciar aí, não há outra forma.»
Além disso, João Paulo Velez indica também que a estratégia do Santander passa pela humanização, humildade e proximidade com os clientes. No fundo, sentir a marca com uma pessoa, como dizia Pedro Ribeiro, da Rádio Comercial, numa conversa momentos antes também no Campo Pequeno.
Esta marca ou aquela?
O valor da marca, tema que levou os quatro profissionais a palco, é importante em vários contextos. Segundo Afonso Cruzeiro, a marca continua a ser relevante, por exemplo, no linear de compras: dados citados pelo director de Marketing Mass indicam que sete em cada 10 consumidoras já sabem que marca vão comprar quando se deslocam a uma loja. No campo da beleza, isto será especialmente verdade: imagine-se pintar o cabelo e não obter o resultado desejado. Neste caso, escolher determinada marca é escolher confiança.
No entanto, refere ainda, há diferenças entre categorias de produtos. Nas fragrâncias, a ligação tende a ser mais forte e emocional do que relativamente a um gel de banho, categoria em que o valor da marca já não será tão preponderante na selecção do artigo que vai para o carrinho de compras.
A busca pela autenticidade
Actualmente, quando se fala em valor de marca, há um tema que é incontornável. Trata-se do marketing de influência, que faz a ponte entre marcas e influenciadores – de maior ou menor dimensão – e que pode ajudar a construir ou destruir uma insígnia. Afonso Cruzeiro acredita que a autenticidade será vital na comunicação de uma marca, incluindo quando essa comunicação é feita através de parcerias com criadores de conteúdos digitais. A L’Oréal quer trabalhar com influenciadores que usem mesmo os seus produtos, já que o consumidor percebe quando a experiência não é verdadeira. Num cenário desses, a parceria não funciona nem para a marca nem para o influenciador.
Para que a combinação seja perfeita, é importante que os perfis escolhidos partilhem os valores da insígnia. Por exemplo, se a L’Oréal quer lançar uma campanha associada a Garnier, o influenciador parceiro tem de se preocupar com o tema da sustentabilidade ambiental.
Em 2022, um dos planos da marca é colaborar com pessoas reais, em busca da tal autenticidade. Na prática, dar voz a pessoas que já usam e trabalham com a L’Oréal, que escolhem os seus produtos naturalmente. Afonso Cruzeiro garante ainda que estas duas abordagens representam estratégias complementares. Apostar em “pessoas reais” não significa que as parcerias com influenciadores não são vantajosas – até porque o orçamento para marketing de influência tem vindo a crescer, tendo mesmo duplicado em Portugal – mas este novo foco poderá ajudar a melhorar o comportamento da marca em termos de fidelização, por exemplo.
Para a Vodafone, as parcerias com nomes e rostos conhecidos também têm sido uma aposta ganha. Ao lado de Ana Guiomar e de Diogo Valsassina, a marca de telecomunicações tem construído uma plataforma de comunicação que ajuda a reforçar o seu propósito e o seu posicionamento.
Com um tom humorístico e de familiaridade, Ana Guiomar e Diogo Valsassina transportam o público para as suas próprias casas: «Podiam ser os vizinhos da frente (…) Não estamos só a fazer publicidade. Estamos a fazer conteúdo.» Os resultados positivos fazem com que Portugal seja, provavelmente, o mercado da Vodafone com os mesmos embaixadores de marca há mais tempo e essa consistência também ajuda em termos de criação de valor de marca.
Estar onde o público está
A par do marketing de influência, o digital tem mostrado ser terreno fértil para o crescimento das marcas e do seu valor também noutras áreas. É o caso do comércio online, em que a SCC investiu especialmente com a chegada da pandemia, uma vez que os consumidores passaram a estar mais tempo em casa, ao computador ou nos dispositivos móveis. Segundo Maria Oliveira, é preciso estar onde o público está e, no futuro, o desafio poderá ser levá-lo de novo para o mundo offline (especialmente as gerações mais jovens).
«Como qualquer marca, temos de estar onde os consumidores estão. E eles estão em casa, primeiro por necessidade, depois por conveniência», acrescenta, sublinhando que a entrega ao domicílio representa um projecto interessante, não pelo volume de vendas, mas pela experiência em si: «Estar presente também constrói valor de marca.»
Esta necessidade de acompanhar o público não deve, contudo, colocar em risco a essência da marca. Afonso Cruzeiro explica que, na L’Oréal, há um cuidado no sentido de garantir que os valores estão alinhados em todo o grupo – tarefa que poderá ser complexa perante a multiplicidade de insígnias e áreas de actuação. Para ajudar nesta missão, a L’Oréal dedica, obrigatoriamente, parte do seu orçamento de comunicação à marca-mãe, ou seja, ao desenvolvimento de iniciativas que são comuns a todas as marcas e que funcionam como uma espécie de espinha dorsal para que os valores não se percam.
«O propósito não pode vir por decreto nem por moda», lança Leonor Dias, vincando que este investimento na marca-mãe e naquilo que representa faz todo o sentido. É algo que tem de ser orgânico e que, por vezes, pode surgir sem pedir licença. Na Vodafone foi assim: «Tropecei no propósito e percebi que estava no ADN da marca.»
A directora de Marca da Vodafone lamenta que este investimento já tenha sido mais urgente, acabando por ficar um pouco esquecido. Agora, parece estar a voltar, com a ajuda da crescente importância do propósito, mas é visto como um luxo.
Desafios e tendências para 2022
Foco na experiência de cliente, proximidade e inovação são, em traços gerais, os grandes eixos que as marcas deverão ter em atenção para o próximo ano, segundo adianta João Paulo Velez, referindo que não é expectável grande mudança face ao que já é importante hoje.
Leonor Dias, por seu turno, aponta para o «tsunami provocado pelo 5G», mas não esquece também a necessidade de estar atento ao cliente, mantendo e melhorando a qualidade do serviço e dos produtos, desenvolvendo novos que sejam capazes de dar resposta a necessidades reais.
A sustentabilidade também estará na ordem do dia, de acordo com a directora de Marca da Vodafone e com a directora de Marketing da SCC. Maria Oliveira considera que tanto ao nível da responsabilidade associada ao consumo responsável de álcool, como ao nível do cuidado com os recursos (como a água), a sustentabilidade não ficará esquecida no próximo ano (e nos seguintes).
Também de olho em 2022, Afonso Cruzeiro faz questão de mencionar a personalização, que considera ser palavra-chave para o desenvolvimento dos negócios. Segundo o responsável da L’Oréal, é algo que já existe, mas que o cada vez maior conhecimento sobre os consumidores poderá vir a potenciar.
Sabendo o código genético de alguém, por exemplo, deverá ser possível – no prazo de três a cinco anos – apresentar uma rotina adequada de cuidados de cabelo e pele com base nesses dados. «A beleza está a evoluir para ‘há um produto para si’», deixando de ser algo tão massificado como é hoje.
Texto de Filipa Almeida