Como lidar com o empoderamento das novas gerações no mercado de trabalho?
Quando se fala na adopção da Inteligência Artificial, é inevitável abordar também o tema das mudanças no mercado de trabalho e das implicações que estas novas tecnologias terão em termos laborais. Afinal, vamos ou não ser substituídos por robôs? E é esta a resposta para a escassez de talentos nalguns sectores? No palco da 20.ª Conferência Marketeer, Inês Casaca, directora da Randstad, garantiu que não existe propriamente escassez de talento no mercado português, mas antes um desfasamento entre o que «as empresas necessitam nesta fase e o que as pessoas têm para oferecer e querem desenvolver. Tem de haver uma sintonia, o mais possível, para colmatar estas necessidades.»
Numa mesa-redonda dedicada ao tema “Formar e recrutar talentos inteligentes”, que contou com a moderação do criativo Pedro Pires (CEO da Solid Dogma), Alisson Ávila, head of Innovation da Nova SBE, colocou a tónica no «excesso de frustração» que os jovens talentos estão a sentir no mercado de trabalho. «As pessoas foram empoderadas e o que se faz agora com esse poder? Qualquer pessoa com 30-40 anos que vá participar num processo de recrutamento, vai questionar uma série de procedimentos e muitas empresas não têm resposta para dar.»
Estas pessoas, referiu o responsável, não têm medo de ter uma «frontalidade positiva» em frente ao director de Recursos Humanos. E se o empregador não tem a resposta que eles pretendem, não vão querer trabalhar nessas empresas. «Se não houver uma mudança tangível e real, o processo de frustração não vai acabar. Temos de fazer o “walk the talk”», acrescentou Alisson Ávila.
Já Inês Casaca acrescentou que, sendo verdade que esta é uma tendência que está a acontecer nas novas gerações, não nos podemos esquecer das pessoas que estão há mais tempo no mercado de trabalho e querem igualmente ver o seus objectivos profissionais realizados. E aqui tem que haver, por um lado, o fit às necessidades das empresas, mas também o tal empoderamento. «Neste momento, estas pessoas estão a “acordar” e a perceber que há um mundo de opções e as empresas estão muito preocupadas em reter e em mostrar que têm um caminho com muitas opções para elas». E aqui entram as tendências como o reskilling ou o upskilling, que têm ganho cada vez mais peso nas organizações.
Todas estas tendências foram reforçadas com a pandemia de Covid-19, que trouxe à conversa temas como o trabalho flexível ou o teletrabalho, que ainda hoje se mantêm em muitas organizações. «A carreira é uma prioridade para as pessoas, mas o work-life balance bate muito mais forte», notou Alisson Ávila.
«A Inteligência Artificial pertence à Gestão»
Já sobre o impacto da IA no mercado de trabalho, o head of Innovation da Nova SBE considerou que será transversal e que, em vez de acabar com empregos, vai permitir aos profissionais libertarem-se de algumas tarefas e focarem-se noutras mais importantes. Sobretudo em área como o Marketing, ter uma ferramenta destas ao alcance e testá-la de uma forma prática, vai fazer com que os profissionais se possam concentrar na criatividade estratégica, por exemplo. «O ChatGPT vai substituir-me ou vai permitir-me ter um trabalho de mais qualidade e melhorar as minhas condições de trabalho?», questionou, de forma retórica.
No mesmo tom, a directora da Randstad sublinhou que, se para quem chega ao mercado de trabalho, a IA já faz parte do dia-a-dia, para as faixas etárias mais avançadas a adopção destas ferramentas poderá ser mais morosa. «Mas sou optimista e acho que vai trazer vantagens numa óptica de produtividade, pensamento criativo e estratégico. Deixar para a tecnologia os processos que estão mais sujeitos ao erro humano, como na medicina, onde [a IA] está a aportar valor para o médico», frisou.
Nesse sentido, será necessário que as empresas invistam, sobretudo, em formação. «É preciso capacitar as pessoas. Muitas das vezes, elas não entendem por que é que estão a utilizar estas tecnologias. Mas se percorrermos esse caminho em conjunto, elas vão perceber o processo e como é que a tecnologia pode optimizar o seu trabalho», salientou Alisson Ávila.
É, de resto, este o trabalho que a Nova SBE tem vindo a desenvolver junto de alunos e empresas. Se a integração do ChatGP é um tema fraturante no sector da Educação, a faculdade tem vindo a «abraçar o tema». Através do Experience Lab, fez com professores e alunos uma experiência de como podem utilizar a IA no processo educativo, onde tentaram perceber o nível de “conhecimento” do ChatGPT. Da mesma forma que tem vindo a trabalhar com empresas de vários sectores que querem testar estas ferramentas. «Para nós, a Inteligência Artificial pertence à Gestão. Tem de haver um centro de controlo, mas depois é preciso alargar a outras áreas», explanou.
Certo é que a formação será crucial para antecipar a mudança de skills que acontecerá nos próximos anos, muito acelerada pela IA. Conforme sublinhou Inês Casaca, há cada vez mais áreas, ferramentas e oportunidades a surgir e funções que estão a mudar. Nos próximos anos, cerca de 40% das skills que serão solicitadas pelas empresas vão-se alterar e vamos caminhar para a «especialização numa lógica mais complementar, na capacidade da pessoa se adaptar, de ser criativa. Haverá uma orientação mais focada na vertente analítica das funções, que hoje já é fundamental em áreas como o Marketing», vaticinou.
Por outro lado, factores como a idade ou a localização/morada da pessoa tenderão a ter cada vez menos peso nos processos de recrutamento. «Já se lida de forma diferente com o tema da idade. Claro que os novos talentos são massa crítica fundamental para os negócios, mas há pessoas há mais tempo no mercado de trabalho a quererem aprender coisas novas e até mais tarde. Hoje, as empresas percebem que estas pessoas têm uma experiência que é fundamental e que devem investir nelas», referiu a directora da Randstad.
«Será um erro estratégico incrível se as empresas não contarem com as pessoas que estão no mercado de trabalho há mais tempo. Esta e a história da humanidade: os mais novos aprendem com os mais velhos. O que significa uma pessoa veterana ou sénior? Hoje, uma pessoa de 50 anos não é vista da mesma forma. Não estamos aqui a dizer que será fácil, mas o nosso papel é provocar essa mudança», acrescentou o head of Innovation da Nova SBE. «O desconhecimento é o que causa o maior medo. Sempre foi assim. É preciso ajudar as pessoas a experimentarem o que a tecnologia tem de bom e o sucesso que nos pode ajudar a atingir», concluiu.
Texto de Daniel Almeida