Como fazer marketing com… “primor”
Por Marta Araújo, CEO da LikeBrands
A marca de perfumaria e cosméticos Primor estava decidida a desafiar os seus clientes a encararem aquele que é conhecido como o dia mais deprimente do ano, que ocorre na terceira segunda-feira de Janeiro. O Blue Monday assinalou-se ontem e é uma data na qual muitas marcas aproveitam para “espevitar” as suas vendas em época mais morna. No meio das várias promoções que chegaram aos emails e notificações nos telemóveis dos portugueses, uma delas saltou à vista de todos: a comunicação da Primor.
A campanha da marca espanhola surpreendeu tudo e todos, e não, não foram os 10% de desconto extra em compras no site que geraram um chorrilho de comentários nas redes sociais a falar sobre o tema. A campanha teve um mood arrojado e foi semelhante em Espanha, França e Portugal. Mas por terras lusas, o copy (ou a tradução?) falhou e uma só palavra foi o suficiente para ter ido longe de mais. Resultado: um buzz contínuo (com reacções mistas entre quem achou piada e outros que, pelo contrário, não apreciaram de todo), e uma série de reclamações no Portal da Queixa e na DECO acusando a Primor de ter levado a cabo uma campanha de comunicação ofensiva.
A ideia era ser irreverente. Se na terra de nuestros hermanos, a mensagem da campanha dizia “(Que le den al) Blue Monday” – que significa qualquer coisa como “que se lixe a Blue Monday” (mas que deixa no ar a ideia de outra frase mais marota), em francês optou-se por “(A bas le) Blue Monday” – que podemos interpretar como “Abaixo a Blue Monday”. Já em Portugal, o uso de um palavrão na frase “Manda pro c****** o dia mais triste do ano Blue Monday” (ver imagens das campanhas) foi claramente um risco mal calculado.
Estamos perante uma situação em que a tradução e a adaptação ao mercado, à língua, e à cultura, mesmo que pensemos numa campanha destemida, não correu bem. Desde a linguagem à semiótica passando pela forma como a marca recuou (apagou os conteúdos do site, da app e das redes sociais) e mais nada disse. Bastará para gerir esta crise de comunicação? Como se mede a gravidade deste erro e que consequências trará para a chancela?
Vamos por partes.
1 – Do ponto de vista da linguagem, tanto em espanhol como em francês, as expressões sugerem claramente que a ideia da marca é incentivar, num tom atrevido e recorrendo a expressões locais, os clientes a mandarem o Blue Monday às urtigas. A mensagem está lá. Subliminar, mas está. Mas o subliminar, aqui, faz toda a diferença. A pessoa percebe, mas não se sente ofendida. Prova disso é que em Espanha e em França a campanha manteve-se intocável.
No caso do copy para o mercado português, o arrojo é muitíssimo maior. A utilização clara, sem qualquer pudor, nem protecção subconsciente da palavra c****** (e mesmo correndo riscos, bastava colocar assim uns asteriscos de modo a não se ler na totalidade), causou indignação a alguns e estupefação a muitos mais (mesmo aqueles que acharam alguma graça ou perceberam que foi um erro). Por mais open minded e pseudo-viral que a expressão possa parecer, do ponto de vista da comunicação e do marketing, comporta fortes riscos de ser encarada como falta de educação e de ferir, como aconteceu, a reputação da marca.
2 – Reparemos que em Espanha e França houve o cuidado de colocar a expressão mais provocadora entre parênteses. É como se, de algum modo, aquelas palavras perdessem um pouco de força, ficassem protegidas e mais resguardadas. Isto é: toda a gente lê. Percebe-se a ousadia. Dá-se (eventualmente) um sorriso. Mas continua a ler-se. No pasa nada. E o foco recai primeiramente nos 10% de desconto.
No caso português, o peso da palavra é muito elevado. Esconder a palavra deixando apenas a letra inicial, amenizaria um pouco o efeito (não se discute aqui o bom ou mau gosto da campanha). Esta manobra faria uma diferença positiva, funcionando como uma espécie de escudo protector à sensibilidade do termo e/ou da piada a utilizar. Mas que teria de ser, ainda assim, subliminar.
3 – No Instagram e no Facebook da marca há, claro está, alguns comentários. Mas, e sejamos honestos, não muitos. Além do mais, notam-se vários estados de espírito: os que ficaram surpreendidos e ofendidos; os que ficaram surpreendidos, mas acharam piada; os que ficaram surpreendidos e não clicaram em nada com receio que fosse vírus, phishing ou fraude.
Nas redes sociais em geral, o assunto foi um trend topic com, mais uma vez, vários estados de espírito e sentimentos. E várias teorias. As gerações mais jovens percepcionaram o erro com humor, já as faixas etárias mais velhas não se mostraram tão condescendentes. Por seu lado, a marca optou por não responder publicamente em nenhuma rede social.
4 – Sendo certo que a situação causou buzz e muito sururu nas redes sociais, com mixed feelings a marcarem as reacções, o tema escalou para o Portal da Queixa e para a DECO. Em ambas as plataformas, as pessoas mostram-se desagradadas com o termo utilizado, acusando a marca de ter levado a cabo uma campanha de comunicação ofensiva. No caso do Portal da Queixa, a marca responde num registo pró-forma, através da sua equipa de Apoio ao Cliente, referindo que “a situação que nos reportou foi reencaminhada, para o departamento responsável. Encontrámo-nos a desenvolver todos os esforços para o contactar o mais breve possível”.
5 – Sabemos que o mês de Janeiro, para activações de marca, é um verdadeiro desafio. E o Blue Monday é uma (das poucas) oportunidades de fazer um push que vá para lá dos saldos. Não há mal em querer arrojar e marcar uma posição. Em gerar emoções. Mas é essencial adaptar a mensagem aos mercados, à língua e à cultura. Acima de tudo, perceber e sentir os limites da comunidade. E, embora deva existir sempre, perante uma campanha que acarreta riscos de reputação, como é o caso, há que ter um plano de gestão de comunicação de crise preventiva, activa e pronta a actuar.
6 – Apagar a mensagem nas várias plataformas onde ela estava patente não resolve, mas atenua. E porque é impossível não comunicar, a marca, só com esse gesto, acaba por se posicionar. Este recuar mostra que a marca percebeu que um grupo significativo de pessoas se sentiu ofendida. Está agora a dar tempo de maturação e a medir o pulso às reacções nas redes sociais e afins. Perceber os mixed feelings e o grau de gravidade. Ainda assim, fazer um conteúdo simples, discreto e temporário em que peça desculpa a quem se tenha sentido ofendido, faz sentido. Ainda vai a tempo.
Importa também reflectir sobre o seguinte: terá um erro (ingénuo) como este impacto nas vendas da marca? E se a campanha tiver sido um sucesso e o buzz gerado tiver contribuído para mais visitas ao site e compras realizadas? Errar é humano, e os consumidores tendem a simpatizar com momentos em que percepcionam a fragilidade das marcas que os acompanham, percebendo quando se trata de um lapso.
7 – Esta crise de comunicação vai passar e a maioria dos clientes vai continuar a ser isso mesmo, clientes. Foi um erro, feito por um humano (ou por uma tradução infeliz) e as pessoas entendem e perdoam. Basta continuarem a sentir que a marca lhes agrega valor. Vão, contudo, ficar mais atentos e mais exigentes. E implacáveis a um segundo erro do género.