Como é trabalhar em casa? 3 directores criativos da Fuel partilham marcas de guerra

A fronteira entre a vida profissional e a vida pessoal nunca esteve tão esbatida. O escritório e a sala de estar fundiram-se num só espaço, onde se cruzam reuniões, prazos apertados, filhos e animais de estimação. Os horários também parecem ter ganho vida própria e os dias da semana são dificeís de distinguir – por outro lado, é muito fácil cair na tentação (ou erro, dependendo da perspectiva) de aumentar o período laboral e reduzir as preciosas horas de sono.

Mas será que esta é a realidade em todas as indústrias? João Madeira, Gonçalo Rebelo e Jorge Teixeira são directores criativos na Fuel e aceitaram partilhar com os leitores da Marketeer como é trabalhar a partir de casa numa área de actividade que se pauta pelas ideias, imaginação, estratégia e comunicação.

João Madeira – director Criativo Retail (Continente e Worten)

Tenho lido vários textos em que os autores dizem que se sentem mais criativos nestas alturas. Eu não. Sinto-me tudo menos criativo.

Preocupado, claro. Stressado, também. E bloqueado?

Não mostrem isto aos meus clientes, mas sim. Muito.

Como é que se arranja espaço para ideias no meio de tantas dúvidas?

Se a minha própria voz está cheia de interrogações, será que tenho o que é preciso para falar enquanto marca?

Penso nisto todos os dias. Mas tento que não passe para a equipa. Eles já têm muito com que se preocupar. Quem lida com uma pandemia global, familiares distantes, filhos que precisam de atenção, condições de trabalho improvisadas e incerteza económica não precisa de um director Criativo que acrescente pânico aos seus dias.

É complicado manter a serenidade, mas é isso que tento fazer. Organizamos o trabalho semanalmente e falamos todos os dias por mail, Teams, WhatsApp e Whereby. Tenho optado por ficar com os projectos mais urgentes, ou que precisem de alterações recorrentes, porque sei que nem todos podem ter a mesma disponibilidade.

Tento também, dentro do possível, ganhar um pouco mais de prazo nas tarefas que têm essa elasticidade. E, principalmente, tento agradecer. Agradecer o esforço, o empenho, a entrega.

Eu sei que é o nosso trabalho. E que temos de o fazer. Por tudo: por nós, pelos nossos colegas, pelas nossas famílias, pela nossa economia (que bom, mais um factor de stress!). Mas não devíamos ter de fazê-lo assim. Ou, pelo menos, teríamos todas as desculpas para o fazer um bocadinho menos bem. E isso não acontece.

Tenho a sorte de trabalhar com uma equipa muito unida e disponível, que tem mantido o critério e a boa disposição. Se alguém não pode estar tantas horas, outro oferece-se para ficar. Se um projecto muda de mãos, não se nota. E, dia após dia, as ideias avançam.

O que é óptimo, porque assim ninguém repara no bloqueio de que falava há umas linhas.

Gonçalo Rebelo – director Criativo Design

No início, há uma sensação de estranheza. Deixamos de estar na nossa secretária, no nosso escritório e passamos a estar num espaço que nos é muito familiar, rodeado dos nossos companheiros e queridos animais. Há que ajustar o nosso mindset neste novo contexto. Mas ao fim de uma semana já estamos programados.

Gerir uma equipa de quinze pessoas à distância é intenso e exige muita entrega. O tempo voa.

Das 9h30 às 13h05 nem me levantei sequer e parece que passou um minuto.

Não páras. Estás sempre em contacto com a equipa. Meetings, calls, telefonemas, emails, WhatsApps e Messenger. Já não sabes bem se ligas aos teus colegas pelo telefone, ou pelo Teams… Ou se mandas um WhatsApp ou uma mensagem pelo Messenger. A verdade é que meios não faltam e desde que a internet funcione, não há problema.

Pausa do almoço. Hoje é dia de treino ou é dia de limpeza? Ou tens mesmo que ir ao supermercado porque já nem pasta de dentes tens…

15h. De novo na secretária.

Levamos sempre um pouco mais de tempo a fazer direcção criativa. Não estamos fisicamente ao lado do designer, com papel e lápis a fazer um desenho. Agora, partilhamos ecrãs e apontamos com o cursor.

Na verdade, as discussões de trabalho e até os pequenos atritos entre colegas não desapareceram… Estão lá. E mesmo à distância tens, muitas vezes, que pôr água na fervura e acalmar os egos. Mas tudo se resolve.

O que é certo é que esta pandemia activou em toda a equipa um sentido de responsabilidade que, apesar de já existir, agora está mais apurado. Para além da disponibilidade, até me parece mais fácil o contacto com todos.

Quando, ao final do dia (que também chega a grande velocidade), nos apercebemos que os trabalhos que colocámos em planeamento foram todos executados, partilhados e entregues aos gestores de projecto, soltamos um suspiro de alívio e pensamos: «Olha, afinal é possível!»

Entregue, à hora marcada e com a mesma qualidade!

Mas o melhor ainda está para vir… Ao fim de duas semanas, recebemos um mail do cliente a agradecer e a elogiar o empenho que continuamos a ter, nesta altura tão dura.

Sabe bem e dá mais sentido ao esforço que estamos a fazer.

A consciência colectiva de que estamos a passar uma época crítica para a agência, faz com que todos os que estão em casa em trabalhar, seja com os filhos a gritarem ao colo, ou numa secretária improvisada na despensa ou no closet, se estejam a empenhar e a dar o seu máximo, para que mais mails destes apareçam e contribuam para a boa saúde da agência.

Não sabemos até quando vamos estar neste registo, mas o que sabemos é que este período despertou em todos nós mais disponibilidade, mais agilidade, mais criatividade e claro mais solidariedade.

Apesar de a vida se ter ajustado de uma forma natural a estas circunstâncias, não posso deixar de sentir saudades de estar fisicamente com os meus colegas. De me sentar ao lado deles e ver os projectos nos écrans. Do café da manhã e de lhes roubar bolachas. De nos reunirmos e escrevermos as ideias na parede e até do trânsito para o trabalho ao som das notícias.

Não sei como vai ser, mas será certamente uma experiência tão ou mais rica de emoções do que esta.

Jorge Teixeira – director Criativo

E numa semana inventamos o HX, o Home Experience, a maneira de trabalhar a partir de casa. O HX é uma experiência digital, social, holística, onde todas pessoas e todas as casas são agência. Todas as webcams são salas de reunião. Todos os aplicativos de mensagens são conversas de corredor.

O mais extraordinário da primeira semana de HX foi a rapidez com que aconteceu. Foi um botão: carregou-se no on e as 85 pessoas da agência começaram a funcionar remotamente. E o mais bonito é que ninguém ficou para trás: não foi feito em diferentes velocidades ou por departamento… De repente, esta era a nossa a agência e as pessoas sentiam-se bem, sentiam-se em controle. Descobrimos que podemos fazer isto. Estávamos a “fazer isto”!

Os primeiros dias foram também desafiantes na resposta a clientes. Planos de marketing, de media, estratégias e tácticas foram redesenhadas e o HX adaptou-se a esta realidade: decisões de planeamento, estratégia e criatividade eram tomadas na mesma reunião e resultaram em produções rápidas, feitas na unidade interna de vídeo editing da agência. Locuções são feitas remotamente, de casa dos locutores. Usam-se imagens de filmes anteriores e abusa-se dos bancos de imagem.

Mas não é difícil criar em casa. Os criativos estão habituados a ter ideias no chuveiro ou no sofá a ver tv. Nesse aspecto, o HX pouco alterou as rotinas – as duplas comunicam online, os brainstorms e as apresentações acontecem no Teams. Acontecem as piadas do costume – só não há penaltis do Benfica nem argoladas do Sporting para discutir.

Há muitos tipos de agências a trabalhar neste HX: agências de solteiros, agências de casais com filhos pequenos, agências de pais divorciados… E se a distância não foi uma novidade, o trabalhar “a partir de casa” e a partir de casa de toda a gente é que é uma experiência totalmente nova. É preciso interiorizar as regras do HX: sabemos que há crianças em casa e sabemos que as crianças fazem barulho, choram, querem aparecer na videocall, etc…

Eu já tinha alguma experiência de trabalhar e dirigir pessoas remotamente: na Alemanha, fui director Criativo mundial da conta Allianz e o meu trabalho era mesmo criar e coordenar a criatividade de mais de 70 países (incluindo a criatividade que a marca fazia em Portugal).

Pessoalmente, não sinto falta da agência física, apesar de que “A minha agência é mais bonita que a tua”. Não sinto falta da Avenida, nem do café nem dos restaurantes overpriced., mas… se já fosse Primavera a sério iria sentir saudades de sair da agência e beber uma imperial com a rapaziada no quiosque da Avenida.

A minha gestão work/home é péssima. Estou always on. Presumo que para muita gente (todos) também esteja a ser difícil desligar.

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