Como ajudar as crianças a poupar?

Paulo Jorge Silveira Ferreira | Mestre em Economia, docente e investigador

Ensinar a poupar não é fácil, não só porque as necessidades do ser humano não acabam, mas também porque os apelos à compra são constantes.

Se o objectivo for ensinar as crianças a poupar, a estes problemas junta-se o facto de as crianças, sobretudo as mais pequenas, não terem a noção de como ou quanto custa ganhar dinheiro. Mesmo não sendo fácil, o passado recente mostra que a educação financeira, e a educação para a poupança, são essenciais, até como forma de conseguir ultrapassar eventuais situações de crise que possam (re)instalar-se no País. E porque os adultos de amanhã são as crianças e jovens de hoje, é necessário começar a prepará-los.

O primeiro passo para ajudar as crianças a poupar é explicar-lhes os motivos pelos quais se deve construir uma poupança. Fundamentalmente há dois objectivos para pensar num pé-de-meia: um primeiro, de precaução; outro, para comprar algo no futuro.

Tendencialmente os adultos acabam por descurar o primeiro ponto: sendo nós os garantes financeiros das crianças que temos a nosso cargo, temos a noção de que somos os únicos responsáveis por qualquer eventualidade que possa acontecer na vida delas, e que implique gastar dinheiro. Obviamente que não faz sentido responsabilizarmos os nossos filhos pela avaria de um electrodoméstico, por exemplo. Mas nas suas actividades, é possível que existam também percalços: as chuteiras de futebol que se estragam, o equipamento informático que precisa de manutenção, um pneu da bicicleta que se fura… Fazer uma poupança para estes episódios é recomendável.

A importância dos objectivos

O objectivo de poupar dinheiro para comprar algo no futuro é, naturalmente, aquele que é mais visível, tanto para os adultos como para os miúdos. Ainda assim é essencial que as crianças percebam que pode haver diferentes tipos de necessidades: algumas que elas quererão satisfazer num futuro próximo; outras que apenas pretendem ver concretizadas num futuro mais distante.

Se nos últimos dois parágrafos já apresentei três diferentes possíveis aplicações de poupança (percalços, futuro próximo, futuro distante), como podemos diferenciar estas questões junto das crianças? Fácil: com mealheiros diferentes – de preferência um para cada objectivo. Isso permitirá às crianças definir objectivos, como, por exemplo, poupar 20 euros para o mealheiro da precaução, 40 euros para comprar um jogo no seu aniversário, 100 euros para comprar uma bicicleta daqui a dois anos, pois a que tem vai tornar-se pequena. Obviamente que quem diz estes valores diz outros quaisquer, assim como os produtos em causa. A questão é que permite identificar objectivos e traçar metas. Esses mealheiros podem ser comprados com esse propósito, ou até serem feitos manualmente pelas próprias crianças (aliás, é muito comum construírem-nos nas actividades escolares e nos jardins-de-infância). No caso dos mealheiros de longo prazo, é possível a utilização de depósitos em instituições bancárias, não apenas por questões de segurança, mas também porque podem render juros que, mesmo em épocas de taxas baixas, como aquelas em que actualmente vivemos, sempre é melhor do que ter o dinheiro em casa (onde, certamente, não tem nenhuma rentabilidade).

Uma vez que há mealheiros, é interessante que, regularmente, o dinheiro neles depositado seja contado, para que as crianças se apercebam da distância a que se encontram dos seus objectivos. No caso de existirem aplicações em bancos, é possível recorrer às ferramentas de banca electrónica, para que se possa visualizar esses montantes e o aumento que essas aplicações têm.

Mas tão ou mais importante do que ajudar as crianças nas poupanças que elas podem fazer, é induzi-las a colaborar connosco nas que fazemos no nosso dia-a-dia, e que começam em casa. Com a água? Duches rápidos, não utilizar água corrente nas actividades diárias, fazer apenas meias descargas no autoclismo quando assim fizer sentido (em alternativa pode encher-se uma garrafa de água usada e colocar dentro do próprio autoclismo, a fazer volume). Com a electricidade? Cuidados com as luzes acesas, desligar os pequenos electrodomésticos que estejam em standby e, evitar carregar os telemóveis e os tablets durante toda a noite.

Para que as crianças saibam que há muito mais formas de poder poupar, explique-lhes outras medidas que, não sendo da responsabilidade delas, você próprio utiliza: conduzir a uma velocidade moderada, para poupar no combustível, verificar a pressão nos pneus, com o mesmo objectivo, utilizar listas no supermercado – para não se dispersar nas compras –, comparar preços, evitar fazer refeições fora de casa (experimente fazer um dia, com os seus filhos, a conta de quanto gastaria em casa pelo pequeno-almoço ou lanche que se faz numa pastelaria). Experimente ainda levá-las às compras, para elas experienciarem o seu método de poupança. E pode obviamente acrescentar nesta lista tantas coisas quantas aquelas que regularmente faz.

Passar a mensagem

Outro elemento essencial na educação financeira é a mesada que, se bem utilizada e contextualizada, é um instrumento essencial para este tipo de aprendizagens. Isto porque este valor mensal irá permitir às crianças e aos adolescentes passarem a um processo de planeamento de gastos. Passe sempre a mensagem que podem gastar o dinheiro, mas que é importante geri-lo, uma vez que gastar tudo de uma só vez significa que irão ter que abdicar de outras coisas. Ainda assim, dar alguma independência e capacidade de decisão às crianças pode ser útil. Mas obviamente, devemos estar atentos àquilo que elas compram, devendo exercer pressão se identificarmos que a compra foi, de certo modo, irracional. Mas se não lhes dermos espaço para “falharem” nesta altura, elas falharão assim que tiverem oportunidade.

Seja justo em relação à mesada: se promete um determinado valor, cumpra. E se fixou um dia para o pagamento, cumpra-o, do mesmo modo que, certamente, gostará de receber o seu salário a horas. Obviamente que, se por qualquer motivo achar necessário rever a mesada (ou porque as crianças incorrem em gastos desnecessários, ou porque, por exemplo, teve uma quebra do seu próprio rendimento), pode fazê-lo. Mas fale sempre com elas.

O interessante é que a mesada pode ser um excelente meio de ensinar aos pequenos o significado dos juros. Por exemplo, se o seu filho num determinado mês gastar mais do que o que lhe dá e pedir dinheiro adiantado, pode utilizar este momento de uma forma pedagógica (desde que não seja algo continuado). Por exemplo, se a mesada for 40 euros, no mês seguinte dê apenas o equivalente a 38 euros – a diferença é o juro que o seu filho teve que pagar. O objectivo não passa, obviamente, por ficar com o dinheiro dele, mas sim consciencializar o seu filho que pedir dinheiro que não se tem implica ter um custo adicional.

Também pode utilizar a situação inversa: se precisar do dinheiro deles, ou se quiser pagar a mesada mais tarde, explique-lhes o motivo por que teve de o fazer e pague-lhes assim que possível. Mas pague com juros. Por exemplo, se se atrasar um dia, acrescente 1 euro. Assim eles terão a noção de que, se pouparem e aplicarem o dinheiro, este pode crescer. Mesmo não tendo dificuldades para lhes pagar, pode sempre utilizar esta estratégia num determinado mês, de forma também ela pedagógica.

Nunca se esqueça também de dizer aos seus filhos que poupar não é privarem-se das coisas de que gostam. Além da poupança poder ser utilizada para resolver algum problema que surja, ela vai ser utilizada para comprar algo de que gostamos, com a diferença que o vamos fazer no futuro. E isso pode ser mais útil do que gastar em algo hoje. 

Uma ajuda essencial

Como já viu, há imensas formas de ajudarmos as nossas crianças a poupar. Mas há três coisas que são, definitivamente, essenciais. Em primeiro lugar, sabermos do que estamos a falar. Se tem dúvidas acerca de educação financeira, nada melhor do que procurar informação sobre isso. Pesquise, leia (há imensos livros sobre o tema) e fale com amigos. Não interessa se eles são da área das finanças: a verdade é que todos, de certo modo, temos mecanismos para poupar. O importante é que deve conhecer aquilo que está a comunicar com a criança.

Em segundo lugar, fale com as crianças. Se tantas vezes dizemos aos nossos filhos que não lhes compramos um brinquedo porque não temos dinheiro, então por que motivo não ter este tipo de conversas com as crianças? É óbvio que, dependendo das idades, o aprofundamento dos temas deverá ser diferenciado. Mas falar com eles é essencial.

Em terceiro lugar, mas não menos importante, nunca se esqueça que o papel de educador funciona sempre melhor quando damos o exemplo. Até porque os filhos seguem não só aquilo que lhes dizemos, mas também não se esquecem do que fazemos.

Termino este texto com a resposta a uma pergunta que me é feita com imensa regularidade: com que idade devemos começar a tratar destas coisas com as nossas crianças? Normalmente respondo com várias perguntas: com que idade devemos ensinar as crianças a ter paciência? Com que idade as devemos ensinar a arrumar o quarto? Com que idade as ensinamos a não fazer asneiras? Então… por que razão esperar até que elas atinjam a falência, para as ajudarmos?

Artigo publicado na revista Kids Marketeer nº3 de Março de 2018.

Artigos relacionados