Como a Lei da Protecção de Dados está a impactar os seguros

A Lei da Protecção de Dados trouxe várias mudanças ao sector segurador, que precisa agora de encontrar a melhor forma de colaborar com o Compliance, dotado de uma maior relevância nas companhias. Há que trabalhar esta área, juntamente com a do Marketing e Comunicação, com foco na pedagogia e sensibilização, para continuar a aumentar a proximidade com os clientes.

Texto de Rafael Paiva Reis

Fotos de Paulo Alexandrino

Durante vários anos, o grande foco das seguradoras residiu na rede de mediadores mas, nos tempos mais recentes, começaram a comunicar de forma mais assertiva com os clientes, ainda que sempre envolvendo a rede de distribuidores.

No entanto, com as alterações derivadas da Lei da Protecção de Dados, todo o processo de comunicação tem, agora, de passar pelo Compliance, o que gerou novos desafios. «Se quisermos oferecer algo ao cliente, seja um serviço extra ou até um convite, caso não tenha autorização para o contactar, isso será considerado marketing/venda directa pelo Compliance», referem os presentes no pequeno-almoço do sector dos Seguros da Marketeer. À discussão, no Hotel Dom Pedro Lisboa, estiveram André Taxa (Tranquilidade), António Carlos Carvalho (Lusitania), Conceição Tomás (Generali), Ester Leotte (AdvanceCare), Inês Simões (Ageas), José Francisco Neves (Allianz), Mariana Monteiro (Aegon Santander) e Susana Fava (CA Vida).

Este impacto advém da Lei da Protecção de Dados, que obriga agora que todos os processos realizados, seja até a inscrição para uma convenção, tenham de passar pelo Compliance. Na opinião dos responsáveis, este cenário retira flexibilidade e agilidade, dificultando os projectos realizados pelos departamentos de Marketing. «Os Compliances passaram a lidar com um novo cenário e, muitas vezes, não conseguem dar resposta às tarefas. Se, por vezes, não conseguíamos ter a agilidade necessária no time-to-market, a situação ainda ficou mais complicada. Terá de haver uma aposta em pedagogia e sensibilização para envolvermos o Compliance nas nossas estratégias», referem os presentes no pequeno-almoço.

Ciente de que é necessário alcançar este equilíbrio, tem havido um esforço do Compliance de forma a haver um maior envolvimento com as outras áreas das companhias. «Este trabalho conjunto é fundamental para haver uma maior sensibilização, tendo em conta a nossa missão», explicam os presentes.

Impera, assim, a criação de sinergias, correndo-se o risco de condicionar o negócio e a comunicação, prejudicando o consumidor, numa fase em que o sector se encontra num processo de simplificação, maior proximidade e uma relação mais empática com o cliente. «Agora surgiu um entrave nesse processo, pois toda a comunicação tem de passar pelo Compliance, e trata-se de pessoas com regras rigorosas para cumprir. Temos de trabalhar em conjunto para conseguirmos alinhar as nossas estratégias de Marketing e Comunicação», afirmam os responsáveis.

Para alcançar esse objectivo, alguns players já fizeram formações internas de comunicação para as áreas jurídicas e de Compliance. O objectivo passa por expandir alguns horizontes, com foco no impacto da comunicação, assente em conferir skills para utilizar uma linguagem mais simples. «Se houver um envolvimento das duas partes, de forma a antecipar as futuras alterações, será possível conferir novas perspectivas a esta área», afirmam.

Vantagens da nova legislação

Com a lei da mediação, há alguma falta de clareza. As seguradoras podem informar o cliente acerca de um produto, mas não de outros. Mas quais os limites? O que acontece é que, por vezes, os profissionais deixam de comunicar por medo, verificando-se uma situação em que há mais receio que informação.

A nova lei é ainda algo incerta, mas tem uma parte muito positiva, especialmente para os marketeers. Há anos que se fala da mudança do foco do produto para o cliente. Mas, efectivamente, nunca aconteceu. Ou tem vindo a acontecer, mas apenas aos poucos. Esta nova lei vem colocar um novo foco: o marketing tem de fazer parte da criação de produto, que deixa de ter uma génese totalmente técnica. «Acaba por ser estranho ser a regulamentação a proporcionar a mudança que as empresas há muito falavam, mas veio ajudar a concretizar esta transformação do mercado. A lei traz, assim, algo positivo para todas as seguradoras», referem os presentes no pequeno-almoço.

Mais transparência?

Foi também levantada a questão de que os clientes deveriam saber qual a remuneração do seu mediador aquando da compra de um produto. Para alguns participantes, faz todo o sentido que esse valor seja conhecido. «As empresas estão cada vez mais focadas no desenvolvimento dos produtos e estão convictas de que têm a melhor oferta do mercado. No entanto, há mediadores que não sugerem o melhor produto, mas sim aquele que lhes proporciona uma maior remuneração. Perante isto, é importante que o cliente saiba qual a remuneração do agente, pois permite uma maior transparência aquando da sugestão de um produto em deterimento de outro», explicam, referindo que há bastantes casos em que o mediador não vende o melhor produto mas sim o que lhe traz mais-valias. «Esta situação vai permitir que os mediadores sejam mais profissionais no processo de venda de produtos», reforçam.

No entanto, em oposição, questionou-se se esta seria a via mais correcta para atingir esse objectivo. «Mostrarmos quanto o mediador recebe não me parece o mais correcto, pois estaremos a divulgar os seus salários. Resultará também numa percepção errada do consumidor, que vai considerar que o produto que está a ser sugerido seja o que mais remuneração lhe proporciona», explicam.

O futuro do papel dos mediadores

A distribuição ocupa um papel cada vez mais relevante nos sectores, não só nos seguros como também noutras áreas. A grande vantagem reside na possibilidade de ter uma presença em todo o País a um custo mais baixo. Mas será que com o que é pago em comissões, não seria mais viável ter sucursais ao invés de mediadores?

A título de exemplo, há várias empresas a incorporar agências de comunicação no negócio. Chegaram à conclusão que, dado o preço que pagavam por este serviço, era mais proveitoso absorver a agência no negócio. «Não considero que haja problema em manter o modelo negócio. Aliás, para a economia do País, é mais proveitoso, pois há mediadores com carteiras de clientes reduzidas e, caso as seguradoras abandonassem a mediação, deixaram de ter negócio», referiram os responsáveis, salientando o facto de existirem cada vez mais agentes profissionalizados, mais jovens, que apresentam outra forma de ver o negócio. E têm um papel importante no sector.

Analisando as tendências do sector, prevê-se que os seguros de massa saiam da carteira dos mediadores, cabendo-lhes os produtos que necessitam de um maior aconselhamento. Quer isto dizer que as seguradoras vão sempre precisar dos mediadores.

«É certo que tem havido um esforço maior em comunicar directamente para o cliente, mas os mediadores continuam a ter um papel essencial na promoção e venda de seguros. Especialmente junto de clientes que não tinham a noção de que precisavam de determinado tipo de seguro, como de empregada doméstica, por exemplo. E isso não é fácil de fazer apenas com comunicação directa», mencionam os presentes, que estão convictos de que o futuro trará mudanças, mas não tão radicais ao ponto dos players prescindirem da distribuição.

O desafio das novas gerações

Em termos de comportamento, as gerações mais novas, que apreciam a componente digital, preferem efectuar a compra de um seguro presencialmente. «O consumidor precisa sempre de uma espécie de consierge, alguém que o ajude a tomar as melhores decisões. Mesmo os jovens, cada vez mais informados, precisam de ajuda para perceber, por exemplo, se 15 mil euros de cobertura em hospitalização é necessário», explicam os responsáveis presentes.

No entanto, as novas gerações não são muito atractivas para algumas empresas. O seguro automóvel fica em nome dos pais, por uma questão de preço mais atractivo; não estão interessados em seguros de acidentes de trabalho; multirrisco também não, pois também não têm casa própria. Sobra os seguros de responsabilidade, mas trata-se de um nicho de mercado. Apostar neste segmento não é atractivo, pois o mercado está em grande mutação, e delinear uma estratégia para esse tipo de produto poderá estar obsoleta num curto período de tempo.

Perante este cenário, as seguradoras têm de delinear outras formas de chegar estes novos clientes, porventura não com os seguros tradicionais, mas sim com outros modelos de negócio, como experiências pay-as-you-use.

De forma a apurar o melhor rumo, há empresas a entrar em vários ecossistemas, como mobilidade, robótica, saúde, investindo nestas áreas e assumindo parcerias desde a génese de algumas startups. «A ideia aqui não está no negócio a curto prazo mas, sim, quando esses ecossistemas assumirem outras proporções, essa empresa já estará na vanguarda face à sua concorrência. É preciso capacidade financeira para o fazer, visão e um board que autorize esta aposta», referem os presentes no pequeno-almoço.

Fazer parcerias com estas empresas é, assim, uma boa estratégia, dando apoio para que sejam estas a seguir este caminho mais explorador. Possivelmente a maioria desses investimentos não será rentável, mas basta que uma dessas startups tenha sucesso para que esta aposta tenha valido a pena.

Artigo publicado na edição n.º 274 de Maio de 2019.

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