Colaboração e tecnologia são a chave para o futuro da saúde
Numa altura em que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está sobrecarregado devido à COVID-19, urge, mais do que nunca, repensar o modelo de prestação de cuidados de saúde em Portugal. O caminho passa pela criação de um novo modelo no qual todo o ecossistema de saúde possa trabalhar em rede e aproveitar as tecnologias ao dispor para retirar alguma pressão sobre o SNS. Estas foram as duas principais ideias debatidas durante o CEO Health Forum, evento promovido pela Accenture para discutir o futuro da Saúde em Portugal.
«Há uma clara necessidade de adaptarmos o modelo de prestação de cuidados de saúde. Isso só será possível se trabalharmos em rede, recorrendo à tecnologia, para congregar as farmácias, os hospitais públicos, os centros de saúde, o sector privado…», defendeu Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), durante o evento organizado no dia 30 de Setembro. «Durante algum tempo, o modelo foi organizado em silos. Há uma lógica muito corporativista, o que inibiu esse modelo de trabalho em rede. Temos de pensar numa lógica de serviço ao cliente e não podemos ostracizar parceiros», reiterou.
Numa mesa-redonda composta ainda por Paulo Cleto Duarte (presidente da Associação Nacional das Farmácias – ANF), Paulo Nunes de Abreu (CEO do Fórum Hospital do Futuro), Rui Mesquita (professor da AESE Business School na área da saúde) e Ana Sofia Marta (vice-presidente responsável pela área de Saúde e Administração Pública da Accenture Portugal), a colaboração e a tecnologia foram apontados, de forma unânime, como os dois factores cruciais para a sustentabilidade do sector em Portugal.
Para Paulo Cleto Duarte, é urgente «garantir a interligação do sistema de saúde». De acordo com o presidente da ANF, as farmácias, pelas condições que oferecem («têm profissionais de saúde competentes – os farmacêuticos -, um espaço onde podem acontecer serviços de saúde e uma rede tecnológica única») poderão assumir um papel relevante nesse processo de colaboração, assumindo outros serviços além da dispensa de medicamentos. «Andámos durante 20 anos a discutir em que condições é que os pacientes podiam ter acesso às suas terapêuticas de especialidade através das farmácias, mas nunca o conseguimos. Com a COVID-19, em menos de uma semana conseguimos fazê-lo. Isto demonstra que a infra-estrutura estava montada», lembra. E deixa o repto: «Agora temos o desafio da vacinação contra a gripe. O SNS continua com receio de aproveitar a rede de farmácias para prestar este serviço, apesar de as unidades de serviço primário estarem sobrecarregadas.»
Já Paulo Nunes de Abreu, CEO do Fórum Hospital do Futuro, foi mais longe e garantiu que «o nosso grande inimigo não é o novo coronavírus, mas a incapacidade de nos organizarmos para responder a estes desafios.»
Segundo os participantes na mesa-redonda, enquanto não houver uma colaboração efectiva entre todos os players do sector, o SNS vai continuar sobrecarregado com a COVID-19 e não conseguirá responder às necessidades dos restantes pacientes. E lembram que um terço dos portugueses que se sentiram doentes não foram ao hospital, devido ao medo de contágio. Além disso, um estudo da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares e da Ordem dos Médicos estima que, se houver uma segunda vaga do vírus no Inverno, mais de 12 milhões de consultas e cirurgias poderão ficar por fazer em 2020.
«Há uma intensa curva de aprendizagem e neste momento a exigência da cidadania é que o SNS tem, de uma vez por todas, de absorver a COVID-19. Temos de passar rapidamente ao SNS pós-COVID para podermos tratar dos restantes pacientes. Esse equilíbrio deve começar rapidamente», recomendou Paulo Nunes de Abreu. «Temos de saber responder à pandemia, mas não podemos deixar ninguém para trás nem mascarar os problemas de saúde dos portugueses», reforçou Alexandre Abreu.
Aproveitar o momento tecnológico
A pandemia veio também acelerar a adopção de novas tecnologias no sector da Saúde, em Portugal e no Mundo. Por cá, a linha SNS 24 tornou-se o principal mecanismo de auxílio do SNS, as farmácias criaram uma linha telefónica que permite a entrega de medicamentos ao domicílio, a desmaterialização das receitas tornou-se a norma para a generalidade dos hospitais nacionais, entre outros exemplos. A telemedicina e a telemonitorização tornaram-se ferramentas fundamentais, porque foi preciso aprender a cuidar dos pacientes à distância, e a robótica e a inteligência artificial estão cada vez mais presentes – passámos a ter robôs que fazem entregas de medicamentos, esterilização de salas, entre outras tarefas.
Contudo, os participantes na mesa-redonda do CEO Health Forum alertam para a necessidade de investimento nas infra-estruturas que suportam estas tecnologias, sob pena de perdemos os avanços que foram feitos. «O pior que nos pode acontecer é que esta aceleração que houve na resposta à COVID-19 se possa perder e não tenha continuidade. Em muitos casos, o serviço público ainda continua sem ter estrutura para suportar este desenvolvimento. É preciso fazer um esforço infra-estrutural no sistema de saúde para suportar esta aceleração», frisou Alexandre Lourenço, lembrando que a própria linha SNS 24 já demonstrou precisar de investimento.
Já Ana Sofia Marta, vice-presidente responsável pela área de Saúde e Administração Pública da Accenture Portugal, sublinhou que a revolução tecnológica do sector já era necessária antes da COVID-19, até porque existem outras ameaças (como a escassez de profissionais de saúde e o envelhecimento da população) que só poderão ser endereçadas com recurso à tecnologia. «A OMS aponta que em 2030 teremos 15 milhões de profissionais de saúde em falta. As nossas organizações têm de dar resposta a essas necessidades e tal não será possível sem a tecnologia», frisou. «Temos o tempo da pandemia mas temos também o tempo do futuro. Vivemos a duas velocidades. Só complementando aquilo que são as nossas capacidades humanas com a tecnologia será possível dar resposta a estes problemas», reiterou.
Por sua vez, Rui Mesquita, professor da AESE Business School, acredita que, mais do que colmatar a escassez de profissionais de saúde, a tecnologia poderá contribuir sobretudo para a humanização na prestação dos cuidados de saúde. «É obvio que a tecnologia vai ajudar a substituir algumas tarefas mais rotineiras, quer dos médicos quer dos profissionais não-médicos. Vai também permitir que eles se possam concentrar mais nos seus pacientes. Vai melhorar o tempo útil dos profissionais de saúde, aumentar a humanização e a qualidade dos cuidados de saúde», explana.
Texto de Daniel Almeida