Cannes 2023, eu e o David Dobrik

Texto de Marcelo Lourenço, fundador e director Criativo da Coming Soon

Sentado à mesa para tomar a primeira cerveja do Cannes Lions 2023 tirei a foto que ilustra este artigo e enviei para o grupo do WhatsApp da Família Lourenço. Imediatamente a minha filha Júlia, dezassete anos da mais pura sabedoria, responde: “Pai, o homem atrás de ti é o David Dobrik, um youtuber famoso e super controverso.” E assim fiquei a saber quem era o David Dobrik – que eu não conhecia. O que é a melhor maneira de descrever porque é tão bom vir ao Cannes Lions International Festival of Creativity, o evento sobre criatividade mais famoso do mundo: aqui, o sujeito aprende até quando está a beber uma jola.

Posto isso, aqui vão cinco coisas espectaculares e uma coisa que não faz o menor sentido na edição 2023 do Cannes Lions.

1)    Portugal achou de vez o caminho do palco e isso é espectacular: depois da “Reconstituição Portuguesa” ter limpado tudo no ano passado (e ainda levar mais um Leão de Prata este ano), desta vez foram os nossos amigos da Dentsu Creative Portugal que fizeram barba, cabelo e bigode (especialmente bigode se olharmos para os jovens Diogo Stilwell e João Mescas responsáveis pelo “Forgotten Team”) com quatro merecidos leões. Tivemos ainda a Leo Burnett Lisboa e a This is Pacifica a agradecer em português este ano no Palais, além dos shortlists da Lola Normajean e da Bar Ogilvy. O que é óptimo para toda o mercado português. Parabéns e obrigado, malta.

“Forgotten Team”

2)    Como era previsto este foi o ano da Inteligência Artificial, com campanhas espectaculares criadas com todo o tipo de recurso ao computador que um dia irá nos destruir. Quase todas dentro daquela categoria “Não percebo exactamente a relevância mas o vídeo case é espectacular”. Destaque para o espetacular Grand Prix de Creative Data “The Artois Probability”.

“The Artois Probability”

3)    Estamos todos a lutar pelo mesmo: pela atenção da Gen Z, este público maroto que detesta publicidade e insiste em fugir das campanhas e dos marketeers. Um target tão difícil que a agência Edelman, a maior empresa de PR no mundo, convidou o designer “gender fluid” Harris Reed para um novo cargo focado na “Gen Z”: o primeiro “ZEO” da indústria. Outro exemplo é o caso do McDonalds da Finlândia que, para conseguir recrutar “genzeers” para trabalhar nos seus restaurantes, lançou a campanha “McDrip” (Leão de Bronze em Brand Experience and Activation), uma linha de roupa fashion criada a partir de uniformes usados do restaurante que virou um sucesso com o target – mas que só estava disponível para os jovens funcionários do McDonalds. Espectáculo.

“McDrip”

https://www.oneclub.org/awards/theoneshow/-award/49443/mcdrip

4)    Para mim a campanha do ano é a espetacular campanha criada pela David Madrid para o Ikea – aquela que mostra o bebé ao colo da mãe enquanto ao fundo vemos um berço (vazio) do Ikea. Entra a soberba assinatura “Orgulhosamente o segundo melhor berço”. Senhoras e senhores, isso, sim, é um insight de ouro, literalmente (Ouro em Filme, Prata em imprensa) – e um daqueles conceitos que nos lembra que às vezes a publicidade pode ser a coisa mais bonita do mundo.

“IKEA – Proudly Second Best”

5)    Numa indústria cada vez mais voltada para a sustentabilidade e para a tecnologia, é espectacular ver uma campanha que não tem nada disso – tem apenas um produto para vender e uma grande ideia para o fazer. É o caso do “A British Original”, a campanha de outdoor da British Airways que foi o Grand Prix da categoria. Um conceito que nos lembra que há sempre um óptimo motivo para viajar, muito além do “Business or Leisure”. Com execuções tão simples e engraçadas e um conceito capaz de ser adaptado em todas as situações e mercados. A campanha me faz ficar com pena dos criativos que vão ter que fazer a próxima campanha da British Ariways: boa sorte, malta.

“British Airways – A British Original”

6)    E finalmente uma coisa que não é nada espectacular: o filme “Master Piece” da Coca-Cola entrou no shortlist de filmes do festival, talvez a categoria mais difícil de todas. Um filme velho, cansado e sem graça na selecção da categoria mais importante do festival. Porquê? Talvez seja a conversa da chacha de que foi feito com recuso ao IA. Talvez seja o peso da marca Coca-Cola ou a pressão da multinacional. Ou simplesmente alguém estava muito ganzado durante a votação. Não sei. Só sei que isso – assim como o Pedro Bexiga que abandonou a cerveja e só bebe gin tónico – não faz o menor sentido.

É isso. Pro ano há mais.

PS: Este artigo não seria possível sem a ajuda e os insights valiosos do Erick Rosa, do Felipe Mesquita, do Felipe Braz Costa, do Marko Vuorensola, da Paula Santos e, vá lá, do Pedro Bexiga.

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