Caminho Marítimo de Santiago: Uma viagem santa ao longo da costa nacional

Em breve, vai passar a ser possível realizar o Caminho de Santiago pelo mar. O Caminho Marítimo de Santiago é um novo produto náutico – realizado num barco a vela – que vai ligar o Algarve à Galiza, com o objectivo de impulsionar o segmento nacional do turismo religioso.

O Caminho Marítimo de Santiago resulta de uma parceria entre a Upstream Portugal e o Fórum Oceano e pretende recriar, na costa portuguesa, a viagem da Barca de Pedra (40 d.C). Em Portugal, o caminho náutico será composto por nove etapas: terá início em Vila Real de Santo António (Algarve) e paragens nos portos de Vilamoura, Lagos, Sines, Cascais, Peniche/Nazaré, Ria de Aveiro, Leixões e Viana do Castelo, antes de chegar à Galiza (Espanha). No total, o percurso será realizado num total de 17 dias, perfazendo cerca de 500 milhas náuticas. A viagem inaugural está marcada para o dia 28 de Maio.

Em entrevista à Marketeer, Paulo Cavaleiro, director-geral da Upstream, explica como é que a criação do Caminho Marítimo de Santiago irá reforçar a visibilidade internacional dos itinerários portugueses dos Caminhos de Santiago.

Paulo Cavaleiro, director-geral da Upstream

O que motivou a criação do Caminho Marítimo de Santiago? E em que consiste este novo produto turístico?

O turismo religioso é um desígnio nacional, consagrado pelo Turismo de Portugal em todos os seus planos estratégicos, sobretudo no que a Fátima diz respeito. Contudo, desde há vários anos, o projecto “Caminhos da Fé” identificou os Caminhos de Santiago para a sua consolidação e desenvolvimento nacional.

E se este tem sido o driver para o investimento público na estruturação dos Caminhos de Santiago em Portugal, cuja rede de caminhos terrestres (certificada ou não) conta hoje com quase 4000 km de sul a norte do País, certo é que lhes tem faltado um elemento distintivo – ou a capacidade de comunicar – que permita que se diferenciem da oferta dos principais “caminos” do norte de Espanha.

Foi esse elemento único e mítico que a Upstream encontrou na lenda da viagem da Barca de Pedra, que no ano 40 d.C. terá transportado o corpo do santo desde Jaffa, na Palestina, até Padrón, na Galiza, navegando e escalando os portos de toda a costa portuguesa. Estava, assim, desde logo, justificada a relevância histórica do itinerário e a oportunidade de criar um produto turístico único, que põe efectivamente Portugal no mapa dos Caminhos de Santiago, em sintonia tanto com a Estratégia Nacional para o Mar como com a do Turismo 2027, dinamizando a oferta marítimo-turística e reforçando a visibilidade internacional dos caminhos portugueses.

Este novo produto turístico consiste, portanto, numa viagem náutica ou multimodal (marítima-terrestre) que percorre toda a costa portuguesa desde Vila Real de Santo António (preferencialmente em veleiro), escalando os portos do Caminho de Santiago identificados, seguindo depois pela Galiza até Vila Garcia de Arousa. Desde aqui, o “camino” obriga a transbordo para carreira fluvial até Padrón e a uma caminhada final de cerca de 20 km até Santiago de Compostela, que permitirá obter o certificado da peregrinação na catedral.

Ao longo desta viagem, os peregrinos nautas terão oportunidade de aceder aos recursos das estações náuticas em condições privilegiadas, a informação histórico-cultural-religiosa sobre a “herança” de Santiago na região e à experimentação dos caminhos terrestres associados.

A que target(s) se destinará este produto turístico?

A motivação do target dos produtos associados aos Caminhos de Santiago é já maioritariamente não-religiosa (ao contrário do que acontece com Fátima), relevando sobretudo os aspectos vivenciais, culturais, sociais e espirituais (e até desportivos), de públicos com perfis e idades muito heterogéneos e origens diversificadas. A natureza essencial desta gama de motivações aponta, porém, para viajantes com formação e recursos de nível médio-superior e necessidades experienciais não condicionadas pela crença religiosa.

Por outro lado, apesar de ser um produto náutico, que implica a utilização de uma embarcação, não se torna necessário que o viajante disponha desse equipamento, pois as empresas de serviços marítimo-turísticos passarão a oferecê-lo, seja em regime de experiência de curta duração ou de transporte de peregrinos multimodais, seja em cruzeiros de maior curso, associando-lhes um conjunto de serviços turísticos complementares.

Este projecto não irá canibalizar vendas na área do turismo religioso associado ao Caminho de Santiago? Que tipo de sinergias existirão com outros operadores turísticos?

Em Portugal, as vendas na área do turismo religioso associado ao Caminho de Santiago são de volume desconhecido, mas alegadamente incipiente, e até há bem pouco tempo concentradas no troço do Caminho Central Português, entre o Porto e Santiago de Compostela, onde se encontram as maiores evidências históricas de peregrinações regulares.

O projecto Caminho Marítimo de Santiago em Portugal, ao invés de canibalizar as vendas residuais actuais, irá antes ampliar a todo o território e desenvolver a operação turística motivada pelos Caminhos de Santiago, agora percorrido a pé, de bicicleta ou em barco, ou numa conjunção entre alguns destes modos.

Este produto turístico, apesar de ser um projecto privado, passará a estar disponível para toda a operação turística nacional e internacional, à mercê do apoio das entidades turísticas nacionais, principalmente após o processo de certificação, o qual deverá estar concluído até ao final do ano.

Como poderão ser feitas as reservas para as viagens e em que plataformas?

Entre 28 de Maio e 13 de Junho, a tempo de se integrar na celebração do Ano Jubilar de Santiago, irá decorrer o cruzeiro inaugural do Caminho Marítimo de Santiago em Portugal, com fins de demonstração e promoção, exclusivo a 20 embarcações convidadas. Este evento, que conta com o Alto Patrocínio do Presidente da República e o apoio institucional da Marinha Portuguesa, servirá de teste à capacidade e operacionalidade das estações náuticas e à infra-estruturação em curso para eventos deste tipo.

Depois, o cruzeiro passará a realizar-se anualmente em datas similares, ainda que em operação aberta a todos os interessados, em número que continuará a ser limitado em função da capacidade de amarrações disponíveis nos portos e marinas no Caminho. As pré-reservas poderão ser efectuadas desde já, através do site do projecto.

Além disso, haverá mais demais viagens e experiências turísticas associadas ao Caminho Marítimo de Santiago, que serão da responsabilidade dos operadores marítimo-turísticos.

Como é que esta proposta será promovida em Portugal e no estrangeiro? E quais os mercados-alvo?

Os mercados-alvo prioritários serão os principais mercados emissores de turismo para Portugal (com ou sem linha de costa), os quais passam assim a dispor de um novo e diferenciado produto turístico, orientado tanto para os proprietários e tripulantes de embarcações, como para os que pretendem efectuar uma experiência náutica associada à temática de Santiago.

A promoção internacional, até agora focada em Espanha, está já em curso, com a sucessiva participação em feiras e certames turísticos por parte da Upstream/Try Portugal e do Fórum Oceano/Rede de Estações Náuticas. Estas acções vão intensificar-se e diversificar-se futuramente com a intervenção das entidades turísticas nacionais.

Quanto vale o turismo religioso no País? E de que forma é que esta nova oferta irá impulsionar este segmento?

Esta é uma questão controversa, seja pela inexistência de estatísticas fiáveis, seja sobretudo pela indefinição entre o que deve ser considerado turismo religioso (ou turismo com destinos religiosos) ou turismo cultural de inspiração/temática religiosa. Os únicos dados eventualmente aproximados serão os que se referem às peregrinações ao Santuário de Fátima. Contudo, a maioria das pessoas que visita Fátima são residentes em Portugal, pelo que se estivermos a falar da contribuição do turismo externo, continuamos sem informação útil.

É comumente assumido no sector que o turismo religioso atrai entre 10 e 15% do total dos turistas que visitam Portugal, o que, em 2019, representaria algo entre os três e os 4,5 milhões de visitantes. Destes, 99% dirigem-se especificamente a Fátima e a outros polos de peregrinação marianos em datas e/ou eventos muito concretos (caso das Jornadas Mundiais da Juventude no próximo ano).

Mais relevante, porém, será conseguir avaliar, no futuro, quanto vale o turismo do Caminho de Santiago ou mesmo o Turismo de Caminhos. Esta sim, uma tendência que aponta para uma simbiose entre motivações complementares de um turista cada vez mais holístico, experiencial, ávido de conhecimento e de actividade e sem ortodoxias limitantes.

Texto de Daniel Almeida

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