Debate: Um ano de crescimento da receita (e dos custos)
2024 tem sido um ano de crescimento e os resultados estão a ser visíveis na generalidade das seguradoras a actuar em Portugal, uma tendência que os players do sector acreditam que se deverá manter ao longo de 2025. Ainda assim, até ao fecho de 2024 podem surgir alguns acontecimentos inesperados que arriscarão alterar o saldo que, por agora, se está a antever como positivo.
Um desses factores tem que ver com as alterações climáticas que ainda recentemente deixaram em alerta todo o país vizinho, com cheias em diversas regiões espanholas, nomeadamente na de Valência, deixando um rasto de morte (humana e animal) e destruição em habitações, terrenos e uma enorme variedade de bens materiais.
Portanto, apesar de haver bons indicadores em termos de resultados pode ainda haver surpresas, em consequência dos imprevisíveis acontecimentos climáticos (as tempestades e inundações são eventos cada vez mais frequentes), que pressionariam do lado dos custos.
Mas a incerteza não vem, apenas, das questões climatéricas. Na vertente da saúde, e como o seguro de saúde é anual (e as coberturas são anuais), no final de cada ano há uma grande tendência em acelerar os consumos. Quem nunca mudou de óculos na semana entre o Natal e o Ano Novo?
Além disso, ao longo do ano, com a sinistralidade habitual, foram-se sentindo aumentos de custos por parte dos prestadores, salienta-se entre os participantes no pequeno-almoço trimestral do sector dos seguros que a Marketeer organiza. Algo que tem feito, e continuará a fazer inevitavelmente, aumentar os prémios dos seguros. «Não podem deixar de aumentar porque toda a cadeia aumenta», garantem Afonso Barata (Mudum Seguros), Alexandre Martins (AdvanceCare), Ana Negrão (Allianz), Fernanda Owczarek (MDS), João Gama (Mapfre), José Villa de Freitas (Fidelidade), Nazaré Carvalho (Generali Tranquilidade), Raquel Almeida (CA Vida), Rita Leotte (Mudum Seguros), Sofia Mendes (Verlingue) e Susana Fava (CA Vida), que estiveram presentes no encontro, no Vila Galé Opera.
AUMENTO DE PRÉMIOS NÃO IMPEDE CRESCIMENTO DE SEGUROS DE SAÚDE
Entre os participantes questiona-se se haverá um limite até onde se pode subir, mantendo os segurados capacidade para absorver esses aumentos. «Como os serviços públicos estão com enormes tempos de espera, a população tem de ir ao privado e isso só é comportável para o grosso da população com seguros. Daí que haja um incentivo fortíssimo para continuar a ter seguro de saúde, mesmo que seja mais caro», escuta-se.
Ou seja, mesmo com o aumento de prémios, provavelmente vai continuar a haver crescimento nos seguros de saúde porque as pessoas sentem essa necessidade. Passa a ser uma necessidade obrigatória das pessoas terem uma solução de saúde (seja planos ou seguros de saúde, que no total agregam quatro milhões de portugueses).
A juntar a isto há a questão etária, uma vez que há um crescimento dos prémios do seguro de saúde em função da idade. Para pessoas que estão reformadas e sem forma de ter outras fontes de rendimento, poderá ficar insustentável ter seguro.
A evolução demográfica do País e a maior esperança média de vida dos portugueses está a influenciar os produtos que as seguradoras disponibilizam. Facto é que vamos viver mais tempo, inevitavelmente. E cada vez há menos portugueses a nascer em Portugal, se não houvesse imigração estávamos com um saldo claramente negativo em termos de demografia. Daí que haja seguradoras que já estão a fazer o caminho da longevidade. Estão a olhar para aquilo que vai acontecer – naturalmente o envelhecimento da população. «Vamos viver mais tempo e há menos condições para suportar este aumento da vida das pessoas. A torneira da Segurança Social vai fechar em algum momento.» E assim entramos no tema da literacia financeira, da poupança e do preparar o futuro.
Tudo o que as seguradoras estão a fazer é na lógica de prevenção, olhar lá para a frente, para este movimento de demografia e necessidade de cada um ter a sua própria protecção, seja esta financeira, seja de saúde…
Mas entre os pares há quem questione se as seguradoras estão a ir ao fundo da questão. Se estão a fazer prevenção mesmo à séria. Se estão a tocar nos pontos necessários para educar através da literacia, ou para mudar comportamentos e hábitos nos seguros de vida.
E vendo o cenário de um prisma mais lato, este não deveria ser um movimento global? Em vez de cada uma das empresas seguradoras estar a trabalhar individualmente?
Entre os convivas há quem defenda que deveria começar nas escolas, como País, e não pela actividade seguradora. Porque se é verdade que há um trabalho e esforço que pode e deve ser feito individualmente por todas as seguradoras no sentido de investir na literacia e adaptar os produtos a esta mudança demográfica, os resultados continuam a ser curtos. «Tem de ser uma intervenção ao nível do País. No Norte da Europa já se investe desde muito cedo. Nós não temos isso enraizado na nossa cultura. Não estando, não vamos conseguir já colher os frutos, mas talvez se consiga fazê-lo daqui a duas gerações.» Algum dia isso terá de começar a ser feito. Porque não já?
E dentro das próprias empresas, sejam essas da área dos seguros ou não, há que promover o hábito e a importância da poupança e do investimento no futuro. «As empresas, nos bónus de desempenho que pagam aos colaboradores, podiam canalizar uma parte para produtos para a reforma. Já acontece em algumas grandes empresas, mas podia acontecer em mais.» Tudo para que a mudança de mentalidade comece a acontecer e se perca o hábito de gastar tudo o que se ganha sem pensar no futuro.
Qualquer jovem que comece a trabalhar agora devia colocar logo uma parte de lado e também aí as seguradoras têm nos últimos tempos procurado entrar com a área de Savings.
Em bom rigor, na verdade, como País, são dadas, muitas vezes, mensagens contraditórias: por um lado, apela-se à poupança, mas, por outro, apela-se ao consumo e à retirada do montante dos PPR para pagar a casa…
O ESTADO PATERNALISTA (COMO SEMPRE) RESOLVE
Não fazendo nada para acautelar o futuro, os portugueses continuam a acreditar que o Estado estará cá para responder às necessidades de saúde e aos infortúnios. «Continuamos com um Estado paternalista», ouve-se entre os participantes no encontro, que lembram que no caso dos incêndios ou de cheias a primeira reacção do Estado é ajudar as pessoas. Portanto, as pessoas que não fizerem seguros e não tiverem esse sentimento de protecção, a primeira reacção do Estado é ajudar a repor. «Nem se fala se as pessoas tiveram ou não o cuidado de proteger e se fizeram ou não seguro», desabafa-se.
E sobre a Segurança Social o sentimento das pessoas é o mesmo de que o Estado vai acabar por resolver. «Já sabemos que daqui a 20 ou 30 anos as reformas vão ser uma percentagem. Mas as pessoas continuam a acreditar que haverá qualquer coisa. As pessoas sentem que se tiverem algum problema alguém os vai ajudar.»
DIFERENÇA NA COMUNICAÇÃO ENTRE OS VÁRIOS MEIOS
Há um envelhecimento da população e em simultâneo uma evolução dos hábitos de consumo de media. «A realidade não é digital para jovens e televisão para os velhos», garantem os profissionais da área de seguros. A comunicação ajusta-se.
Para quem quer notoriedade e ir rápido, a televisão continua a ser o meio, independentemente da idade. Porque apesar de dizerem que não vêem televisão, acabam por, em qualquer momento, ver. Podem não ver os canais abertos, podem ver em diferido ou vêem a gravação. Mas se se quiser fazer performance de vendas, o digital tem outro papel. Continuam a complementar-se, mas não necessariamente com a questão da idade. Há pessoas de qualquer idade a consumir qualquer um dos meios existentes.
E tal como acontece em outros meios, no digital importa segmentar e procurar impactar uma camada mais jovem. «Achamos importante as seguradoras começarem a impactar as pessoas que estão a construir vida, a começar a comprar carro, a começar a ter filhos. As pessoas não têm o conhecimento, mas é importante que as seguradoras lhes consigam passar a mensagem.»
No grupo, há quem lembre a rádio como um meio que tem sido uma surpresa muito positiva e quem não esqueça de vaticinar a morte da imprensa generalista. «Os meios tentam, ainda, vender-nos papel, mas o papel é um claro não.»
Já a publicidade exterior está, agora, envolta em polémica com a questão dos ecrãs digitais de grande formato. «Sempre achei que aquilo era uma forma mais fácil de, centralmente, alterar as mensagens, permitindo ter uma mensagem diferente de manhã, à hora de almoço e à noite, por exemplo. Era uma boa optimização do espaço», escuta-se uma voz, que admite que não esperava que fossem ter «tanto movimento junto das vias de circulação». Uma alteração que, claramente, continuará a gerar polémica.
Internamente, em termos de comunicação, como em tantos outros campos dentro das empresas, os colaboradoras recorrem de forma crescente a ferramentas de IA para ajudar numa série de tarefas, seja comunicação interna ou geração de ideias ou mesmo briefings para entregar a fornecedores externos. «As agências com que trabalhamos estão a usar estas ferramentas. São obrigadas a dizer que as peças de comunicação são geradas com o auxílio de IA e há, hoje, muitos anúncios a ser gerados por IA.»
A Microsoft incorporou IA, o Copilot. Portanto, a IA passou a ser usada com toda a naturalidade. No dia-a-dia as pessoas estão a recorrer a IA, até para fazer pesquisa, em vez do Google. Entre os convivas salienta-se que permite muito melhor tratamento e análise dos dados. «Como o negócio segurador é um negócio de muitos dados, a IA permite, de facto, identificar muitas coisas e pela rapidez com que faz as simulações consegue poupar muito tempo. As seguradoras estão, claramente, nesse caminho.» Aliás, o Protechting já anunciou publicamente que, este ano, é claramente focado em startups que levem inovação e IA para os seguros e para a saúde.
QUAL O PAPEL DA REGULAMENTAÇÃO: REGULAR OU COMPLICAR?
Muita da regulamentação existente na área dos Seguros tem o pressuposto da transparência e o cliente estar informado. Mas, entre os participantes do pequeno-almoço sectorial questiona-se se ter páginas e páginas de informação será esclarecedor para o cliente que, por si, não tem literacia para perceber o que lá está.
«Será que não valia mais uma mensagem clara e concisa, mas que a pessoa perceba, do que folhas e folhas de nada?» Entre os participantes acredita-se que não é protecção ao cliente ou transparência, mas apenas debitar de informação. «Aquilo para o cliente é nada. Até é inibidor. Os únicos que lêem aquilo tudo são os responsáveis da entidade reguladora para ver se nós falhámos num ponto qualquer.» E assim vai-se continuando a passar uma imagem menos positiva da actividade seguradora.
Isso liga com o ponto dos jovens não terem interesse nos seguros, sendo obrigatórios ou não. Os profissionais admitem que qualquer comunicação que exista de seguros é difícil ser atraente ou sexy quando metade da comunicação tem de ter as letrinhas pequeninas. «Parece pouco transparente.»
No entanto, há dois tipos de seguros que parecem estar a fazer mais pelo rejuvenescimento da base de clientes dos seguros do que muitas das campanhas publicitárias dos anos mais recentes: os de pets e os de viagens.
Os pets trouxeram para os seguros os jovens, sendo uma fatia grande de novos clientes a entrar nestes produtos. E à mesa assegura-se que tem também contribuído para alguma literacia nos seguros. Também o seguro de viagem tem atraído jovens para o mundo dos seguros, especialmente depois da pandemia. «Querem um produto chave na mão. Uma experiência rápida. É quase uma compra por impulso.»
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Seguros”, publicado na edição de Novembro (n.º 340) da Marketeer.