Debate: Terá o mercado capacidade para continuar a pagar os seguros?
O elefante está no meio da sala e, neste momento, já ninguém consegue (ou quer) ignorar que ele lá está. O envelhecimento da população e o aumento dos fluxos migratórios (emigração e imigração) são a realidade e há que enfrentá-la com todas as suas implicações.
E este é um tema que tem estado debaixo da atenção das empresas seguradoras há já algum tempo. «A questão da demografia é algo que, como bons seguradores e habituados a fazer previsões, não estamos a começar a trabalhar agora, apesar de efectivamente ser agora que isto é mais evidente», escuta-se no mais recente encontro sectorial realizado pela Marketeer.
Todas as seguradoras estão a tentar construir uma oferta – seja a nível de saúde, de acidentes ou de produtos financeiros – que vá, o mais possível, acomodar a vida das pessoas com este aumento de longevidade (no sentido de mais tempo de vida). «Porque as pessoas não têm mais vida útil em termos de trabalho, mas têm mais vida depois do trabalho. E esta é a preocupação e marca a agenda deste ano. Tudo aquilo que tem a ver com a sustentabilidade de cada família», sublinham os participantes no encontro.
Entre os participantes no pequeno-almoço, que se realizou no Hotel Vila Galé Ópera, estiveram Afonso Barata (Mudum Seguros), Ana Sereno (Allianz), Ana Sotto Mayor Negrão (Allianz), António Carlos Carvalho (Lusitania), João Gama (Mapfre), José Villa de Freitas (Fidelidade), Maria Luís Rodrigues (Generali Seguros y Reaseguros, S.A.), Marta Vicente (Ageas), Rita Leotte (Mudum Seguros), Rodrigo Esteves (MDS) e Susana Fava (CA Vida).
Ainda assim, e porque está na base da sua actividade, a prudência é algo que rege a maior parte das seguradoras. Se provas fossem necessárias, basta constatar que as alterações demográficas – seja no que respeita ao envelhecimento da população, seja nos fluxos migratórios (emigração e imigração) – estão na agenda de quase todas. Com diferenças na comunicação, umas com tom mais irreverente, outras com tom mais sério, umas mais ligadas a grupos chineses, outras a alemães e outras ainda a espanhóis. A diferenciação vai-se buscar depois com o ADN que cada uma tem.
PAPEL TRANSFORMADOR DA IA
Mas à mesa acredita-se que, em todo o mercado, mais do que a demografia, o que poderá ser mais transformador é a Inteligência Artificial (IA) e como é que ela depois vai diferenciar empresas. «A resposta que a inteligência artificial dará a duas seguradoras vai ser diferente?», questiona-se entre os convivas. Algo em que todos parecem estar de acordo é que esta mudança será mais rápida do que a da demografia. Aliás, até há uma voz que, em jeito de graça, comenta: «Estamos todos a agir proactivamente, mas a inteligência artificial vai-nos dar respostas para as questões da demografia.»
Para responder a esta mudança, há um sentido de urgência de capacitarem as suas pessoas para estas estarem conscientes de que a IA é uma realidade agora, e não apenas daqui a uns tempos. Entre os diversos players do sector segurador há uma intenção grande de pôr as pessoas todas a trabalhar nesse sentido e verem, nas suas áreas e nas tarefas que realizam diariamente, o que é que pode ser trazido para esta realidade. No fundo, optimizar a empresa como um todo e não pensar apenas nos processos mais ligados a números ou a respostas imediatas num call center. E também no caso do marketing e da comunicação, há que pensar o que é que pode ser incluído nessa forma de trabalhar.
POUPANÇA DE TEMPO E DE CUSTOS
Em bom rigor, contam, gastava-se muito tempo em determinadas tarefas que hoje se consegue fazer de uma forma muito simples. Há ferramentas que, com o script bem feito, vão aos bancos de imagens e constroem consoante as indicações do utilizador a comunicação que se quer fazer.
«Não preciso de três dias para na agência me fazerem uma coisa que consigo fazer em duas horas. Como ferramenta do dia-a-dia é muito prático, seja para efeitos de comunicação interna ou para outros canais específicos. É fácil de fazer, gasta-se menos tempo e tornamo-nos mais ágeis», garantem vários dos profissionais.
Por outro lado, há algoritmos que trabalham com dados e que agilizam muito, também, todas as funções de análise, evitando reuniões, encurtando processos e ajudando a definir a oferta para o cliente. «É pôr a robotização, a analítica e a IA a definir, em função do comportamento do cliente, qual é a oferta que vou apresentar para a retenção do cliente ou para a captação de outros. Nós damos os parâmetros e a máquina diz como o conseguir.» Desta forma, explicam, para o grupo de clientes que encaixa em determinado propósito faz-se uma oferta, para outro que encaixa noutro propósito faz-se uma oferta diferente. «Como temos vários canais para gerir e vários milhares de clientes, consegue-se com IA trabalhá-los e colocar no pipeline as diferentes ofertas.»
Ou seja, esta automatização ajuda-os, trabalhando com uma visão de marketing e de customer experience. Em outras áreas do negócio têm-se mostrado úteis no combate e análise de fraudes, análises de histórico de sinistralidades, entre muitas outras.
Entre os participantes neste debate todos admitem estar a fazer esse caminho internamente. «Não conseguimos ficar alheios a toda esta evolução, até porque já existem inúmeras ferramentas que nos vêm ajudar no nosso dia-a-dia, conseguindo automatizar e simplificar o nosso trabalho.» Urgente mesmo é dotar as pessoas das equipas, o quanto antes possível, de capacidades, formação e conhecimento nestas ferramentas para poderem ser usadas diariamente. Obviamente com responsabilidade, até porque dentro das empresas nem todas as ferramentas estão autorizadas a ser usadas.
E se é verdade que se fala muito em eficiência e aumento de produtividade com estas ferramentas, também o é que há muitas outras questões que surgem. E escuta-se uma voz entre as demais: «Mas uma coisa é produzir materiais com a ajuda de IA, outra bem diferente é quando falamos do conceito criativo da campanha. Aí usa-se IA, ou temos que ter pessoas efectivamente a pensar?» Porque se é relativamente consensual de que quando se está a usar uma destas ferramentas se tem de fazer perguntas, ou dar indicações inteligentes, já que caso contrário a resposta será em tudo decepcionante, será que já se consegue alguma ajuda na definição de conceitos criativos? Parece que, entre os que já testaram, por agora ainda não se consegue. «Essa poderá ser a grande transformação que poderá vir a existir.» Tal como nós, a IA pensa por si própria, mas sempre com informação previamente inserida. Mas qual será o momento em que a IA vai atingir consciência?
Por agora o desafio é como é que as seguradoras vão tirar maior partido, mais rapidamente e conseguir ter diferenciação.
AUMENTO DO CUSTO DE VIDA
Não há como não sentir o aumento generalizado de preços. Sejam as pessoas com maiores ou as com menores rendimentos, todos estão a fazer ajustes aos seus gastos. E o sector segurador, se até aqui ainda não sentiu efeitos de forma severa, sabe, pelas análises que tem feito, que eles estão prestes a chegar. Porque, na verdade, só agora é que muitos dos clientes estão a começar a sentir os aumentos de preços que as empresas seguradoras também tiveram de implementar. «Houve um aumento de preços muito significativo de uma forma generalizada. E nos seguros, nomeadamente os de saúde, em particular», admitem.
Comenta-se entre os participantes no pequeno-almoço que começa a haver algumas empresas que já se questionam se têm capacidade de continuar a pagar os seguros de saúde para as pessoas todas das suas equipas e que, se calhar, vão ter de rever os co-pagamentos e as comparticipações. «Começa a haver muita discussão à volta disso que tem que ver com a capacidade de pagar ou não.» E há que ter em atenção que, quando a empresa deixa de ter capacidade de pagar, a pessoa que estava segurada ou deixa de ter essa cobertura, ou passa a ter um seguro com outras condições.
Se é verdade que grande parte dos clientes particulares ou empresariais no ano passado ainda não sentiu estas subidas, com as renovações deste ano esses mesmos clientes estão a senti-las ou vão sentir brevemente. As renovações deste ano, no final do primeiro trimestre e em Setembro, vão ser muito impactadas com isso. O aumento de preços aconteceu.
E à mesa há quem não queira deixar a oportunidade de deixar claro que esses aumentos não são por a equipa de pricing ter achado que era melhor. São um reflexo dos aumentos de preços hospitalares, de reparações, de reboques e de impostos. Daí que todos aqueles que estão no mercado segurador tenham sentido obrigação de falar com as pessoas (os seus clientes) e explicar estes aumentos para além daquilo que é instituído pelo regulador. «Mais do que explicar a componente técnica de por que é que o preço aumenta, temos uma preocupação comum de explicar às pessoas de onde é que isto vem. Estes aumentos não são por a seguradora ter achado que tinha de ganhar mais dinheiro; é porque isto também nos é imposto de alguma forma e está relacionado com a sustentabilidade do negócio.»
E apesar do cliente perceber esses aumentos, há os que não conseguem acompanhar essa subida, verificando-se entre as seguradoras algumas dificuldades na retenção de segurados, nomeadamente nos seguros não obrigatórios.
A acrescer ainda se sente o efeito das decisões tomadas no período da pandemia, em que se tornou possível mexer na poupança de PPR para assegurar outras despesas. Foi facilitado o levantamento dos PPR sem perda de benefícios. À mesa há quem lembre que em muitos casos era isso ou as pessoas entrarem em incumprimentos. «O conceito da poupança é para fazer face a uma necessidade. E em muitos casos a necessidade surgiu. Creio que não foi de ânimo leve que as pessoas lá foram», escuta-se por um lado. Mas, por outro, há quem lembre que foi incentivado o consumo e que há as pessoas que aproveitaram para fazer férias porque havia essa possibilidade sem perder os benefícios.
Mas aqui entra o tema da literacia financeira e das pessoas não perceberem a importância de poupar e de precaver o futuro. Segundo os profissionais reunidos no pequeno-almoço, como não se trabalhou ainda bem isso, a primeira coisa em que as pessoas vão cortar é naquilo que acham que é acessório, como os PPR e as poupanças. Na verdade, não são raros os casos das pessoas que estão a cancelar PPR e seguros de vida para assegurar outras despesas que consideram mais importantes para a gestão do seu dia-a-dia. E também há sempre aquelas pessoas que deixam para “logo se vê” como é que as situações se vão resolver.
E se esta é a situação entre as faixas etárias mais maduras, entre os mais novos as questões são outras, mas não menos relevantes. Os jovens estão, cada vez mais, desapegados de bens como carros ou casa, muitas vezes até pela noção de inacessibilidade. Portanto, não é fácil vender-lhes seguros. No entanto, preocupa-os perderem os seus bens quando viajam, mas muitas vezes o seguro já está agregado à viagem comprada.
Em termos de seguros, a decisão que os mais jovens tomam tem a ver com os seguros dos pets. O que o segmento de pets trouxe às seguradoras é que através deles estão a conseguir chegar a consumidores que não eram os normais de seguros e que habitualmente não estavam no processo de decisão. A convicção das seguradoras é que estes tomadores de seguros vão passar a ter outros produtos de seguros. Começam a habituar-se, passam a usar as apps de poupança das seguradoras e estas empresas passam, assim, a captar estes consumidores muito mais novos que não eram consumidores de seguros. Uma estratégia que há décadas foi implementada, com êxito, pela banca quando entrou nas universidades, tornando-se a forma de identificar o estudante na instituição e o banco, por defeito, dos mesmos estudantes que, quando terminavam o curso, não mudavam, por inércia. No sector segurador a prática é a mesma: as pessoas satisfeitas, por inércia, não mudam de seguradora.
QUEM SERÃO OS CLIENTES DOS SEGUROS?
Se havia alguma dúvida sobre a participação dos seguros na sociedade, isso já deixou de existir. O sector tem vindo a acompanhar as alterações, sejam relativas aos jovens ou aos idosos, à longevidade ou à saúde. «Todos falamos do mesmo, ainda que de maneira diferente, como formas diferentes de passar a mensagem, mas andamos todos atrás do mesmo, porque os assuntos que estão na ordem do dia são estes», admitem. A comunicação é ajustada à realidade de cada empresa e à identidade de cada marca.
No entanto, têm noção de que, em geral, quando o consumidor compra um seguro associado à compra de um telemóvel ou de um pequeno ou grande electrodoméstico, não tem a preocupação de saber qual é a seguradora. E são dos seguros que mais se vendem. Ou seja, aí não é relevante a diferenciação das marcas. Às seguradoras interessa conseguir estar associado a esses retalhistas que, ao venderem o produto, vendem também o seguro. E todas elas estão a trabalhar com os respectivos parceiros no sentido de lhes transmitir confiança e passarem essa confiança ao cliente final. Num mundo ideal, depois, esse cliente final, quando precisa de um seguro noutra situação da vida, vai lembrar-se da boa experiência que teve nessa compra.
Em termos de canais de venda, as seguradoras estão a posicionar-se de maneira a estarem na linha da frente quando certas áreas começarem a definir de que modo estarão no mercado no futuro. Exemplo disso é o sector automóvel, onde há uma guerra em curso para ver quem domina a mobilidade: vão ser os Uber? vão ser as marcas? qual o papel dos seguros? vão associar-se às marcas ou aos Uber? quem estará segurado: o condutor ou o passageiro?
Mas estas são questões de médio e longo prazo. Que importa, sem dúvida, ir acompanhando, mas que não terão impacto no imediato.
Para já o que poderá impactar o negócio do ano é a escalada dos preços, a diminuição do poder de compra e os conflitos bélicos. Até ao final do ano haverá a questão da aprovação de um Orçamento do Estado e eleições americanas, onde o cenário de Trump ganhar já não é improvável. São cenários macro que poderão ser muito relevantes para aquilo que vai acontecer nos anos 2025/26.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Seguros”, publicado na edição de Maio (n.º 334) da Marketeer.