Debate: Seguradoras como agentes da mudança

O tema da inflação é uma inevitabilidade, actualmente. Não há quem não a sinta e não adianta esconder a cabeça na areia porque, seja na esfera pessoal ou na profissional, os efeitos estão à vista.

No que ao sector segurador diz respeito, o impacto da inflação tem sido sentido a dois níveis. Por um lado, no ramo não vida tem-se sentido um impacto nos custos médios de reparação, por exemplo, nos automóveis, seja nas reparações propriamente ditas, nos reboques ou nos veículos de substituição. E não há sinal de abrandamento. Nesta vertente, há uma tentativa de não repercutir tudo para o cliente, «mas alguma coisa vai ter de passar para o cliente. É inevitável», escuta-se à mesa do pequeno-almoço no Vila Galé Ópera, que reuniu Afonso Barata (Mudum Seguros), Ana Sereno (Allianz), Ana Sotto Mayor Negrão (Allianz), Inês Simões (Ageas), José Villa de Freitas (Fidelidade) e Rita Leotte (Mudum Seguros).

Por outro lado, começa-se a sentir algum efeito na erosão das relações, sobretudo nos seguros que não são obrigatórios – «ainda que qualquer seguro devesse ser obrigatório no sentido da protecção das pessoas». Há uma arbitragem que se começa a fazer relativamente a algum tipo de seguros, sobretudo em produtos em que as pessoas sentem que pode haver alguma alternativa. Por exemplo, nos seguros de saúde sente-se o crescimento, mas também que começa a haver uma certa retracção.

A verdade é que a questão da inflação nunca é uma questão simples. Traduz-se em menos rendimento disponível. E quando há menos rendimento disponível, todas as decisões são tomadas em função disso. Os seguros não são um bem de primeira necessidade, em muitos casos, à excepção daqueles que são obrigatórios. «Quanto aos outros, as pessoas têm o mesmo raciocínio que têm com outro tipo de produto. Porque, de facto, a inflação tem-se vindo a sentir», escuta-se entre os comensais, que garantem que nas empresas também há efeitos, mas não são imediatos.

E se é verdade que a inflação não foi uma surpresa para a área seguradora – «na verdade já sabíamos que isto ia acontecer » –, os profissionais admitem que quando começaram a ver os sinais não previam que viesse a ter o efeito que teve. E alertam: «Não sabemos se já chegou ao extremo.» Neste momento a inflação está a decrescer. Mas atenção que isso não significa que os preços desçam.

«Enquanto não houver uma solução para o conflito a leste, não há ninguém que possa estimar que isto acabe. Há um enorme esforço financeiro que é canalizado para outro lado», ouve-se à mesa.

Aliás, a questão da iliteracia financeira entre os portugueses é um problema real com o qual as seguradoras pelejam diariamente. A várias vozes escuta-se que quando acontecem as calamidades percebe-se que as pessoas não sabem as coberturas que têm. «Temos de trabalhar de maneira a que as pessoas percebam em que situações estão cobertas. Temos falado muito disto, mas continua a ser um problema. As pessoas não sabem e, se calhar por mais X euros, podem estar cobertas. As pessoas fazem o seguro, mas não sabem o que estão a subscrever.»

Portugal continua a estar entre os países mais atrasados da Europa em literacia em relação a seguros. «A informação dada pelas seguradoras e pela APS esbarra na ignorância das pessoas que não querem saber.» E, em momentos como este, em que as pessoas estão a viver muito para o imediato, a situação acentua- se. As seguradoras acreditam que podem e devem ter um papel activo em ajudar os clientes nos momentos de comunicar com eles, bem como em iniciativas de prevenção e de mitigação de risco.

PAPEL NA SOCIEDADE

A sustentabilidade é algo muito lato, com uma abrangência enorme dentro do sector segurador. O ESG (Environmental, Social and Governance) abrange três temas totalmente diferentes: ambiente, responsabilidade social (há um papel activo, seja através de fundações ou outras) e governance. Nestas três áreas o governance é aquele em que o sector tem menos actuação, mas um governance transparente resolverá problemas como o do Credit Suisse.

Debruçando-se nos âmbitos ambiental e de responsabilidade social, os participantes no pequeno-almoço salientam que há um papel das empresas como um todo e das seguradoras em particular, que têm um contributo grande para o PIB – naquilo que retornam à sociedade.

Toda a gente sabe que alguma coisa se pode fazer, mas a grande dificuldade das pessoas é perceber «o que é que eu posso fazer». Muita gente continua a acreditar que o seu contributo não vai dar em nada. «Mas se o não fizermos e não houver um act now de cada um de nós, é evidente que não vai dar em nada», comentam. E esta questão da literacia é fundamental.

Nas questões ambientais há uma clivagem enorme entre gerações. Os mais novos estão muito mais atentos e educados para este ponto. São eles que estão a educar os mais velhos para os aspectos ambientais. Mas entre os participantes no encontro acredita-se que as seguradoras têm esse papel também e devem tornar os seus parceiros agentes da mudança. «Cada um de nós pode sensibilizar passando esta informação para os outros.»

Um outro trabalho que tem vindo a ser feito pelas seguradoras a actuar em Portugal é o de fazer investimentos em fundos que tenham a sustentabilidade na sua génese, fugindo de todos aqueles que não respeitam normas ambientais e sociais. É um caminho que se vai fazendo e que defendem não ser só um jargão. «Cada um de nós tem é de fazer o seu papel. E a mudança não se dá de um dia para o outro.»

Outro passo importante tem a ver com o próprio negócio. Não é só serem mais ecológicos, reduzirem o papel e usarem energias renováveis. Neste momento, o grande passo que as empresas podem dar é ao nível do negócio. O negócio deve deixar de subscrever outros negócios indexados a produção de petróleo e minas de carvão – «que são negócios muito rentáveis e com peso nos resultados das companhias, daí não poderem ser largados de um momento para o outro…». Tem de haver um objectivo definido de até ao ano X ir reduzindo o negócio com esse tipo de actuação, de forma progressiva e sustentável (porque a empresa também deixa de ter os resultados que tem). Entre os comensais escuta-se: «A sustentabilidade também é muito isto: implementar medidas a nível de negócio que permitam que essas situações deixem de existir.» Toda a componente de actuação das medidas mais directas tem de ser complementada com medidas de negócio.

No imediato e com o cenário económico actual instalado, as seguradoras têm vindo a sentir um acelerar dos pedidos de ajuda directos, isto é, sem passar por instituições. «Estão a chegar- nos situações muito críticas de forma directa. Pessoas que no desespero disparam pedidos de ajuda para todo o lado. Está a acontecer de famílias e de instituições também. E qualquer ajuda está a valer, muita ou pouca.»

ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO

As baixas taxas de natalidade são uma realidade que não pode ser ignorada e à qual o sector segurador tem estado muito atento. A outra face desta moeda é a maior longevidade da população. Uma combinação que está a contribuir para o envelhecimento da população portuguesa.

E mesmo que os números comecem a mudar e a natalidade aumente, ainda vai demorar uns anos a recompor-se e a inverter esta tendência de envelhecimento. É necessária uma geração para se conseguir alterar. Basta pensar no que aconteceu na China que, com a política do filho único, neste momento tem um problema de género.

No que respeita à longevidade, o sector tem procurado soluções para responder com produtos adequados, já que o segmento sénior tem um peso cada vez mais relevante. As necessidades nos seguros de saúde e de vida são diferentes, tal como os riscos. «Há um impacto desta mudança no modelo de negócio e dos modelos de risco por trás. Não é evidente que se conheça hoje os modelos de risco associados ao segmento mais sénior», comentam. Olhando para os seguros de vida, há quem esteja a lançá-los para os mais velhos, quando tipicamente ia até aos 65/70 anos. Agora começam a poder ser subscritos até aos 85 anos. Mas isto muda a visão, quer da gestão de risco das próprias seguradoras, quer do modelo de abordagem ao mercado. Falar com uma pessoa de 80 anos que foi fazer um seguro de vida é um tema que não é evidente, mas começa a aparecer. Sente-se essa preocupação, que também é uma oportunidade. Até porque tipicamente o segmento sénior acaba por poder ter um rendimento disponível mais simpático.

À mesa fica ainda o alerta de quando se pensa no envelhecimento há que ter em consideração que poderá ser um desafio extra para as seguradoras pensar em falar para as populações mais jovens (os filhos e netos da população envelhecida), que querem ajudar os seus entes queridos. Ou seja, na comunicação, quando se fala em longevidade, não tem de se falar exclusivamente para gerações mais velhas.

E falando de idades, as seguradoras, a par de outros sectores da sociedade, enfrentam a dificuldade da retenção das pessoas mais novas. O facto dos mais novos se estarem a ir embora do País, a prazo será grave, porque não só não têm talento como não têm pessoas de determinadas faixas etárias. «Temos a responsabilidade de pensar o que podemos fazer para ter condições mais atractivas… Até porque, hoje, aceitar um emprego é muito mais do que um vencimento. Tudo o resto à volta, desde o que a empresa representa aos seus valores, é fundamental.»

Um dos aspectos a que estas gerações mais novas dão mais valor é ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. Por muito que, por vezes, até sejam as outras dimensões da vida de um profissional que estão a falhar – seja por um divórcio, a doença de um familiar ou outros – é ao trabalho e às empresas que são atribuídos os créditos do stress e dos colapsos emocionais. A empresa é o bode expiatório. Se no passado se ocultava estes estados, por vezes, depressivos, e os mesmos eram encarados como tabu, hoje tornou-se aceitável. E as empresas que disponibilizam internamente psicólogos assistem ao triplicar do número de pedidos pelos seus colaboradores em pouco mais de um ano. Os colaboradores dentro da empresa acolhem bem o abraçar deste propósito por parte da sua entidade empregadora.

Na vertente comercial, na oferta nos seguros de saúde sente- se a preocupação de ter coberturas na área da saúde mental. «Como sociedade, temos muitos factores de stress diferentes e com os quais temos alguma dificuldade em lidar.» Se olharmos para as gerações mais novas, que têm muita informação e muita capacidade de a procurar, verificamos que, em muitos casos, têm dificuldade em lidar com toda essa informação. «Precisam de alguém que faça o digest da informação.»

Por tudo isto, o tema da saúde mental será um dos que estarão debaixo dos holofotes em termos de comunicação das empresas seguradoras. Mas a saúde, de uma forma abrangente, e a longevidade com qualidade de vida também serão apostas. «O grande tema é a pessoa viver mais com qualidade. O problema é o gap que há entre o aumento da esperança de vida e a esperança de vida com qualidade, seja ela financeira ou de saúde», escuta-se, defendendo a protecção do envelhecimento.

E a contribuir para o bem-estar das populações estão os seus animais de estimação, hoje encarados por muitos como membros da família. As seguradoras já o perceberam e os pets são outra das estratégias de comunicação para reforçar. «É um tema que diz muito a muita gente e que tem contribuído para a notoriedade das empresas seguradoras», contam. Uma estratégia como a da presença nos festivais colocando o foco na sustentabilidade.

Parece quase um canivete suíço dos mais completos quando se elenca as áreas em que as seguradoras estão a apostar as suas fichas para este ano: longevidade, saúde, família, diversidade, inclusão, literacia financeira, pets, mobilidade e transição energética. Como cada uma vai combinar as fichas é ao que iremos assistir ao longo dos próximos meses.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Seguros”, publicado na edição de Maio (n.º 322) da Marketeer.

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