Debate: Inflação a quanto obrigas!

De um 2022 que, com a guerra, se esperava caótico, mas que acabou por ser um bom ano para as empresas seguradoras, 2023 trouxe apreensão. Isto porque, apesar de o ano estar a correr bem pelo lado comercial, está a correr mal pelo lado dos resultados. Um cenário que está intrinsecamente ligado à pressão dos custos.

Mas o mercado está dinâmico e a mexer. É isso que garantem Ana Sereno (Allianz), José Villa de Freitas (Fidelidade), Maria Luís Rodrigues (Liberty Seguros), Rodrigo Esteves (MDS Seguros) e Susana Fava (CA Vida), durante o pequeno-almoço sectorial que a Marketeer promove trimestralmente.

Os profissionais explicam à mesa do Vila Galé Ópera que a inflação está, obviamente, a ter um grande impacto, o que tem levado à referida apreensão. «Do ponto de vista comercial, as pessoas estão a continuar com as suas vidas, a comprar e a fazer os seus seguros. Existe é uma apreensão muito grande sobre se isto vai continuar assim», escuta-se.

Uma das tendências que se tem vindo a acentuar é a procura de seguros de saúde por novas franjas da população. As pessoas sentem que pagam impostos e que nada funciona. E não funcionando a saúde, as pessoas recorrem aos seguros de saúde. «O número de segurados cresceu mesmo muito porque as pessoas sabem que, se precisarem de um médico, têm de ir ao privado.»

Nesse seguimento, houve um aumento de preços dos seguros de saúde, porque as seguradoras começaram a ter outro tipo de clientes, com outro tipo de necessidades, que até aí não tinham. Esta mudança significativa do perfil das carteiras de segurados, a par do aumento de custos (nomeadamente da tecnologia), levou a um ajuste de preços de cerca de 31%. «As contas das seguradoras estavam feitas para outro tipo de cliente que ia pontualmente», justificam.

Apesar do aumento dos preços não tem havido retracção do mercado. Não houve anulações porque não há alternativas. Os clientes poderão mudar entre companhias, mas o aumento de preços foi generalizado.

Um aumento que também existiu nos seguros auto, apesar de menos expressivo, ao nível da inflação, já que toda a cadeia de reparação de sinistros aumentou, dos reboques às peças.

Mas as seguradoras não escondem que não foram apanhadas desprevenidas. Já se sabia que o ano 2023 seria algo difícil no ramo vida devido a, por um lado, o poder de compra, e, por outro, as guerras que fazem com que as taxas também não aumentem. E todos os seguros não obrigatórios acabam por ser encarados cada vez mais como um custo, passando – com o poder de compra a diminuir – para segundo plano em termos de necessidade.

Todo um cenário macroeconómico que leva a que haja alguma retracção do mercado ao nível dos produtos de capitalização, risco e até fundos de pensões. «Em capitalização procuram taxa, que não existe. Os produtos de risco são aqueles associados a crédito e o crédito diminuiu, e como trabalhamos com a banca, temos essas limitações.»

Certo é que este é um sector que não cresce tão rápido como outros, mas também não quebra tão rapidamente.

CONQUISTAR (NOVOS) CLIENTES NOVOS

Nos anos mais recentes, as seguradores têm vindo a detectar uma tendência de captação de novos clientes e clientes mais jovens com produtos pensados especificamente para animais de estimação. Não esqueçamos que grande parte desses clientes mais jovens, que têm animais, cuidam deles e encaram-nos como membros da família.

E se é verdade que alguns se ficam pelo seguro dos seus pets, para muitos outros essa é apenas uma porta de entrada que os leva a subscrever, mais tarde, outros produtos das empresas seguradoras.

PRODUTOS EM CRESCIMENTO

De uma maneira mais abrangente, para todas as faixas etárias, os seguros de acidentes pessoais têm tido também um bom desempenho. «É um seguro relativamente barato e que resolve os problemas que surgem no dia-a-dia», ouve-se entre os participantes no pequeno-almoço. A rede de distribuição vende este seguro de forma fácil e (à semelhança do que acontece com os seguros para os animais de estimação) também pode abrir a possibilidade para a venda posterior de outros produtos.

Aqui importa, por uma questão de literacia financeira, explicar a diferença entre o acidente e a doença. Isto porque, muitas vezes, as pessoas utilizam o seguro de saúde para resolver os acidentes, como as situações em que alguém cai a fazer ski e torce o braço, accionando a apólice do seguro de saúde na deslocação ao ortopedista. Mas pode, com o seguro de acidentes pessoais, que tem um valor muito mais baixo, resolver a maioria dos problemas.

Um dos enfoques que as seguradoras estão a ter são os produtos de poupança para jovens, nomeadamente com apps que permitem poupanças por objectivos, mais curtos, incutindo o hábito da poupança (mesmo da micropoupança). Esta é também uma forma de levar os mais jovens para as seguradoras de maneira a que não olhem apenas para os bancos como destino das suas poupanças.

Num âmbito mais empresarial, as seguradoras têm conseguido atrair clientes por via dos benefícios flexíveis de remuneração que começam a fazer parte dos planos de retenção de colaboradores nas empresas. Como? As empresas atribuem um plafond e o colaborador escolhe como o distribui entre produtos de poupança e seguros.

DESMOBILIZAR OS PPR

A decisão tomada no ano passado da possibilidade de desmobilizar os PPR para poder pagar o crédito à habitação foi implementada para situações limite, mas entre os participantes no pequeno-almoço acredita-se que está a desvirtuar completamente a utilização das poupanças que as pessoas têm, canalizando- as para o imediato. «Vai implicar daqui a alguns anos com o tema da Segurança Social, já que as pessoas vão precisar desse dinheiro e não o vão ter», escuta-se.

Diariamente as seguradoras têm pedidos de clientes que querem tirar aquele valor que têm em PPR, que actualmente pode ou não ser para crédito à habitação, porque também já existe essa possibilidade. Hoje, a pessoa pode tirar 430 euros da sua poupança, por mês, sem ser para pagar a casa, que era a situação mais premente para quando a medida foi criada. Desta forma, as pessoas não estão a ser sensibilizadas para a necessidade da poupança. As pessoas pensam “se fiscalmente posso usar, é porque não tenho necessidade de me preocupar”. Isto, defendem os profissionais do sector segurador, é contra a mensagem que devia estar a passar no sentido de que daqui a alguns anos, se calhar, não vão ter a reforma aos valores de fim de carreira. «A quebra vai ser muito grande e as pessoas não estão preparadas para isso», alertam.

Na verdade, começara-se nas últimas duas décadas o caminho de sensibilização, de educação financeira e de mentalização das pessoas para a importância de assegurar a sua própria reforma e, de repente – primeiro com a Covid, depois com a guerra –, tudo é motivo para não se fazer. «Motivo atrás de motivo, desvirtua-se completamente uma coisa que começou há dez ou quinze anos e na qual hoje já ninguém tem mão. Hoje não se fala nisso. A preocupação de assegurar a reforma, com o fim da Segurança Social, deixou, de repente, de ser tema», lamentam, salientando que os problemas passaram a ser outros. E esses outros temas na agenda são a guerra, a Covid, a inf lação e as alterações das taxas de juro. A poupança deixou de ser tema.

À mesa alerta-se que, com o baixo poder de compra dos portugueses, deixa-se as pessoas irem tirar às poupanças. Ou seja, vai-se remediando uma coisa com a outra. «É grave. Está- -se a pensar no presente hipotecando o futuro.»

Mas, questiona-se entre os profissionais do sector segurador, faz sentido? O que vai acontecer, a médio e longo prazo, são mais casas a cair nos bancos. Isto, sublinham, podia estar a ser feito com regras e com restrições, fazendo-se prova de não ter capacidade para pagar. No entanto, sublinham, não é o que está a acontecer.

AS CAUSAS DAS SEGURADORAS

Está na génese das seguradoras. Tradicionalmente agarram-se a causas, sejam saúde mental, desporto ou causas sociais. Mas nunca como agora se percebeu isso, porque até há pouco tempo havia a ideia de que as seguradoras estavam lá apenas para receber o dinheiro e nunca na hora de pagar. «Agora estamos a tentar mostrar que retribuímos à sociedade. Somos empresas e queremos ganhar dinheiro, mas também retribuímos. Agora passamos essa mensagem.»

A verdade é que antes do tema sustentabilidade social aparecer já as seguradoras o faziam. Não se falava tanto, mas havia várias causas que eram abraçadas. «Já o fazíamos mas não divulgávamos, porque parecia mal divulgar.» De há um tempo para cá começaram a comunicá-lo. O chapéu da ESG trouxe alguma liberdade de comunicar, sem receio de parecer mal. Até porque os eixos criados de ambiente, sociedade… ajudaram a organizar essa comunicação.

Mas, segundo os profissionais da área, também a comunicação social tem hoje muito mais receptividade a essa comunicação. Hoje é um movimento transversal a todas as áreas da sociedade e é bem aceite. E como há maior receptividade, isso poderá também levar a que se faça mais porque será amplificado.

Por outro lado, há também clientes que começam a procurar produtos com componentes de ESG e procuram saber qual é a actuação da seguradora nessas áreas. «Começa a haver conversas de premiar quem menos polui e recomendar quem ajude as empresas a tornarem-se mais responsáveis socialmente», ouve-se entre os participantes, salientando que o primeiro ponto é as empresas conseguirem medir onde estão e o que podem fazer para melhorar.

Preocupações, de resto, que também se sentem no momento de contratação dos novos colaboradores para as empresas seguradoras. Ou não fossem essas, cada vez mais, preocupações de cada um de nós…

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Seguros”, publicado na edição de Agosto (n.º 325) da Marketeer.

Artigos relacionados