Debate: Fomento da literacia e apelo à poupança no OE

2023 vai ser um ano bom em termos de resultados económicos para as empresas seguradoras em Portugal, mas provavelmente não pelas razões que todos os players gostariam, por estarem a vender mais, a conseguir vender produtos diferentes ou a chegar a novos segmentos de mercado.

A realidade é que se está a viver num clima de inflação, os preços aumentam e, como consequência, há maior receita. E num contexto como este as empresas seguradoras têm mais trabalho a gerir as suas carteiras, porque há mais pressão sobre os clientes, para renovações, para aumento de preços e para justificar aos clientes o aumento de preços de 10 a 15%. Este foi o ponto de partida do pequeno-almoço sectorial trimestral, que se realizou no Hotel Vila Galé Ópera. Presentes, neste encontro, estiveram João Gama (Mapfre), Maria Luís Rodrigues (Liberty), Nuno Pimenta (Fidelidade), Rita Leotte (Mudum Seguros) e Rodrigo Esteves (MDS).

Entre os presentes ouve-se a várias vozes que o mercado não está a crescer. O que está a crescer é a receita. Mas também a despesa, que está a ser pressionada pela inflação.

O BRAÇO DA SAÚDE

Nos seguros de saúde e na questão da sua penetração per capita, há que olhar um pouco para trás e para o estado actual do País, onde se encontram falhas no Serviço Nacional de Saúde, listas de espera a crescer todos os meses, atrasos para cirurgias… «Não sendo obrigatórios, são percebidos como uma enorme mais-valia, porque são a diferença entre estar seis meses à espera de uma consulta ou estar duas semanas, no privado.»

E se, no passado, o seguro de saúde não era caro, hoje já começa a ser. Tudo porque tem havido aumentos muito grandes de preços por parte dos prestadores e, em simultâneo, há aumento de consumo de plafonds… Portanto, há um conjunto de factores que levam a que haja aumento de preços. E, também aqui, com o aumento de preços há maior receita. «O mercado dos seguros de saúde está numa fase de dança de cadeiras como as telecoms», escuta-se entre os convivas. Há segmentos de franjas menores da população com potencial de crescimento. A questão não é tanto se há ou não mercado, mas o custo para lá chegar. O mercado existe, mas é tão estreito, complexo, difuso ou difícil de identificar que pode não justificar o investimento que as seguradoras terão de fazer para lá chegar.

Em muitas empresas o seguro de saúde está a ser utilizado como uma ferramenta de retenção de colaboradores. «Vivemos num contexto específico, de quase pleno emprego, em que as empresas estão a lutar com tudo o que podem para reter pessoas. Os seguros fazem parte dessas ferramentas de retenção», comenta-se. Mas à mesa há quem lembre que se pode trabalhar com as empresas também numa lógica de produtos de poupança, de seguros de acidentes pessoais, de risco.

Ao nível do cliente particular há um conjunto de produtos complementares que as seguradoras reconhecem que poderão trabalhar para fazer crescer o negócio.

Em expressivo crescimento, e ainda com grande margem para continuar esta progressão, estão os seguros de saúde para animais. Aqui a taxa de penetração é tão baixa que o mercado está praticamente todo disponível. Portanto, é só chegar e crescer. Neste mercado ainda estão longe de ter de começar a olhar para segmentos de mercado específicos ou começar a diferenciar muito a oferta para conseguir apelar para determinado tipo de consumidor. «A oferta existe, vai sendo afinada, mas as pessoas entram-nos pela porta adentro. Há aqui um efeito multiplicador de crescimento.»

AS FALHAS DO ORÇAMENTO DO ESTADO

Com o encontro a decorrer poucos dias volvidos da apresentação do Orçamento do Estado para 2024 (OE24), este tema não podia ser esquecido na mesa de debate. E unânime entre todos os presentes é que no OE24 a questão da poupança foi totalmente ignorada, nomeadamente os incentivos à poupança, os PPR e os juros bonificados…

Na verdade, o que tem estado a ser feito pelo Governo é desincentivar e, além disso, destruir o que as pessoas têm. Porque as medidas, recentes, em que as pessoas podem resgatar os PPR para pagar o crédito à habitação e outras despesas “foram desastrosas”. «Muitas centenas de milhões de euros foram resgatados da poupança», escuta-se entre os participantes no pequeno-almoço. E, lembra-se, depois estas pessoas não vão ter essa poupança no final do contrato, ou seja, no final da vida activa.

Por outro lado, defendem, em relação aos mais jovens devia ser papel do Estado incentivá-los à poupança desde o início das suas carreiras. «Se vivem em casa dos pais até aos 34 anos, não precisam de ir jantar fora todos os dias. Há que haver incentivo para poupar. Há países na Europa em que os jovens são incentivados a fazer poupança de 50 a 60% dos seus vencimentos. Se não poupam nessa fase, em que não têm responsabilidades, não têm filhos na escola, não têm lares dos pais para pagar… não vão poupar nunca. É nessa idade que têm de constituir poupança.»

Claro que nem toda a gente consegue aos 44 anos ter um ou dois milhões de euros de poupança como a jovem ex-Microsoft, comentam, mas entre isso e zero há muito caminho.

O que é facto é que as pessoas hoje aos 45 anos o que é que têm? Têm um terço de uma casa e uma dívida até aos 70 anos. E não esquecer que muitos há que se nem têm dinheiro para comprar os bens essenciais, como é que poupam?

Os profissionais do sector segurador lembram que Portugal é dos países da UE com índices de literacia financeira mais baixos. «Além do incentivo, poderia perfeitamente ser um dos papéis do Estado: educação e formação.»

Um dos caminhos das seguradoras também será pelo fomento da poupança e de credibilização do sector enquanto destino de poupança: seguro, ajuizado e bem gerido. Se é verdade que para as seguradoras é uma via de negócio, também o é que dentro da perspectiva das causas e da responsabilidade social, é das iniciativas mais win/win para todos. Ou seja, explica-se entre os participantes, as pessoas perceberem por que é que devem poupar, que podem poupar (é possível e para isso é preciso conhecimento de base) e existirem produtos apelativos.

«Quer queiramos, quer não, há uma descredibilização muito grande da banca. Sabemos que é um veículo para a poupança. Mas também é verdade que o sector segurador tem historicamente uma maior estabilidade comprovada, também consegue ser competitivo e tem produtos interessantes para o perfil do investidor português (pode ter um bocadinho mais de risco ou risco nenhum, isso é gerível).» E recordemos que há não muitos anos, quando havia benefícios fiscais, nesta altura do final do ano, todas as seguradoras faziam um esforço em termos de campanhas publicitárias para apelar ao reforço ou constituição de PPR. Ou seja, o que para as seguradoras falta no Orçamento do Estado é incentivar em termos de fiscalidade.

Outra das questões pela qual o sector tem pelejado nos anos mais recentes respeita aos seguros de vida obrigatórios para a aquisição de habitação. «As pessoas deveriam poder procurar alternativas ao seguro de vida sem serem penalizadas pelo banco ao nível de spread e de juros.» Segundo estes profissionais, era mais uma peça que podia ser medida no sentido de ajudar as famílias que, neste momento, se encontram em situações débeis.

PROTECÇÃO: A GÉNESE DA ACTIVIDADE

A par do fomento da poupança, é de esperar que as empresas seguradoras em Portugal, ao nível de comunicação, continuem a comunicar causas que abraçam a longo prazo.

Não será, pois, de esperar que estes players se foquem no preço em termos de comunicação, apesar de sentirem essa pressão. «Com os territórios da sustentabilidade, sendo a comunicação bem feita, acaba por se chegar mais às pessoas do que com uma comunicação agressiva de produto», ouve-se entre os convivas, salientando que há que não esquecer que a base deste negócio (seguros) é a repartição/socialização dos riscos. Há, inclusive, alguns operadores que têm uma origem mutualista. Não é um território novo. «É algo que conhecemos e trabalhamos há décadas. Agora transformou-se também numa boa forma de comunicar o propósito e aquilo que fazemos enquanto empresas e qual é o contributo para uma evolução da sociedade.»

Um dos vectores destas empresas nos planos de três a cinco anos é a questão da sustentabilidade, que começa dentro da empresa, havendo um movimento para fora. E aqui no sentido amplo. Porém, o desafio da sustentabilidade ainda está precisamente em definir o que é que ela é, já que não é ambiente apenas. Pode ser não fazer negócio com certas empresas por determinados factores. Mas haverá sempre números a sustentar estas decisões.

Ainda que ao nível de investimentos tenham a questão da sustentabilidade debaixo de foco, ao nível dos consumidores é muito mais fácil comunicar a questão da responsabilidade social e do devolver à sociedade parte daquilo que ela dá. «As questões das áreas de legal, de finanças e da própria sustentabilidade da empresa, em termos energéticos, é mais difícil porque estamos a falar de nós próprios e surge novamente a questão do “lá vêm eles falar deles próprios e do greenwashing”.» E explicam que se o segurador disser para o mercado “já não invisto em empresas de minas de carvão na China”, as pessoas não querem saber. Querem é mais barato. Por isso, comunica-se aquilo que é relevante para as pessoas, nessa lógica de conquistar a confiança, de criar awareness… Até porque os orçamentos de marketing não dão para tudo. E numa coisa estão todos de acordo: todo o sector segurador ganha muito mais se fizer mais antes de dizer; e tem de fazer, obviamente, até porque há questões reputacionais fortes e que têm de ser ponderadas.

Mas que não haja dúvidas de que houve um caminho que foi sendo trilhado ao longo dos anos ao nível da comunicação das acções que o sector desenvolve. Mas salienta-se que o sector movimenta muito dinheiro e é muito fácil que outra entidade queira usar o argumento de “devolvem X euros à sociedade, mas movimentam x mil milhões”. «E de repente parece pífio. E é um argumento que nem vale a pena, sequer, desmontar. Deve-se comunicar em meios menos massificados até para ter o espaço que precisa para a função que tem. É um sector que representa uma fatia demasiado grande da economia para não devolver à sociedade de forma expressiva e significativa.» E, antes de mais, este é um negócio de protecção. A prioridade do sector não é comunicar, basta olhar para os volumes de investimentos publicitários portugueses e ver que não há seguradoras nas primeiras posições. Há uma grande parte alocada a eventos, activações, patrocínios, conferências. Além de que sendo um sector em que uma fatia muito significativa das vendas é feita através de canais de distribuição específicos, o foco do marketing está nesses canais. Porque se os canais de distribuição não forem alimentados, se não tiverem conhecimento – tirando os players que têm redes exclusivas – não vendem.

CONTINUIDADE EM 2024

O mercado, como um todo, não deverá sofrer grandes sobressaltos em 2024, sendo de esperar que mantenham a coexistência as seguradoras tradicionais e directas. Com posicionamentos, propostas de valor e customer journey diferentes, as directas chegam amiúde a públicos distintos que valorizam essa abordagem e que têm uma determinada percepção de preço mais competitivo. São também encaradas como o canário na mina, ou seja, uma fonte de inovação e de transformação, já que aqui o risco é menor, porque as carteiras são também elas menores. São marcas que são percepcionadas como mais frescas e que permitem testar modelos que depois podem ou não ser replicados nas marcas tradicionais.

Comum às tradicionais e às directas são as ferramentas com que se têm vindo a apetrechar, como a inteligência artificial, que, muitas vezes, invisíveis aos clientes, permitem analisar dados, inferir informação, para ajudar a criar tarifas mais interessantes. «Dizer que agora usamos IA é apenas a nossa veia marketeira a trabalhar», comentam. Isso porque o sector, em termos de capacidade de inovação, tem conseguido capitalizar em cima de todas essas tecnologias, seja pelo desenvolvimento de novos produtos, de trabalhar os produtos existentes ou melhorar tarifas. Tem sido feito esse trabalho e o foco vai continuar aí, nomeadamente com os distribuidores, que é quem tem o contacto com o cliente.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Seguros”, publicado na edição de Novembro (n.º 328) da Marketeer.

Artigos relacionados