Debate: A saúde de um país envelhecido

Portugal é o quarto país mais envelhecido do mundo. O segmento demográfico com uma idade igual ou superior a 65 anos já representa quase 25% da população nacional, segundo um estudo divulgado no ano passado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Um problema que estará directamente relacionado com a baixa natalidade, mas também com o facto de Portugal continuar a ser um país de jovens emigrantes.

Neste contexto de envelhecimento demográfico, importa debater as consequências para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), em particular, e para o sector da Saúde, em geral. Foi este o tema que deu o mote a mais um pequeno-almoço debate dedicado ao mundo da Saúde, promovido pela Marketeer. Uma conversa que juntou à volta da mesa, no hotel Vila Galé Ópera, em Lisboa, intervenientes de diversos sectores que compõem este ecossistema: Ana Allen Lima (CUF), Ana Rita Gomes (Multicare), Inês Barreto (Laboratoires Expanscience), Liliana Reis (Generis Farmacêutica), Luísa Silva (Sanofi), Manuel Barros (Stada), Maria do Carmo Silveira (Médis), Pedro Silva (Associação Nacional das Farmácias) e Victor Almeida (Lusíadas Saúde).

De acordo com os participantes, o problema da demografia está sinalizado há décadas, sem que tenha havido capacidade política para implementar medidas de prevenção. «O problema da demografia está identificado há 30 anos e é um tema profundo e estrutural. O problema é que neste País pensa-se de quatro em quatro anos, pensa-se de uma forma táctica e não estratégica. Nunca se vê cinco passos à frente», consideram.

A tendência, apontam todos os estudos, é que o envelhecimento da população venha a agudizar-se nas próximas décadas, num tema que não é exclusivo de Portugal, mas que afecta um pouco toda a Europa. Por cá, ao problema da baixa natalidade acresce a crise do SNS e a escassez de medidas de apoio e fomento à natalidade. «Com todo o comportamento do SNS e com aquilo a que estamos a assistir nas restrições ao nível de obstetrícia, se os pais já se sentiam constrangidos e inseguros em ter mais filhos pelo contexto económico, agora ainda mais. Depois vemos outro fenómeno, que é o movimento dos nascimentos que estão a passar para o sector privado, com mais envolvência das seguradoras. A natalidade é um assunto que tem passado um bocado à margem, mas que é essencial para reter os jovens no País e para uma base de sociedade sustentável», salientam os responsáveis.

Além disso, alertam que «não se percebe qual é a estratégia nacional de apoio directo à natalidade». As (poucas) medidas que estão a ser implementadas são ao nível de poder local, com alguns projectos de cariz social, como o “Kit Bebé” na Região Autónoma da Madeira ou o “Cabaz Bebé Lisboa”, que foi aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, entre outros exemplos em municípios espalhados pelo País. Trata-se de programas direccionados para famílias carenciadas, com atribuição de um valor anual que permite, por exemplo, que tenham acesso nas farmácias a produtos e medicamentos comparticipados. «Não é uma medida de apoio à natalidade, mas para dar suporte a estas famílias», ressalvam, acrescentando que «ainda é curto» para combater o problema.

Nesse sentido, é urgente tomar já medidas que venham a ter impacto «daqui a 20 ou 30 anos». «A Saúde é um tema sobre o qual tem de haver consensos. Não pode ser uma questão ideológica», reiteram.

ALISAR A CURVA DOS CUSTOS

O envelhecimento da população coloca, assim, desafios a todos os players do sector da Saúde. Para os prestadores de saúde privados, o tema da longevidade está a obrigar a mudar o mix de produtos e serviços, nomeadamente através de uma maior aposta nos temas relacionados com a idade (o aumento dos internamentos, de cirurgias da anca, entre outros).

Contudo, a crise instalada no SNS leva a maior pressão no sector privado e a que tenha que haver ao mesmo tempo uma preocupação crescente com as necessidades mais prementes de gestão operacional. «A capacidade dos privados não é elástica, apesar de estarmos todos a crescer, mesmo fisicamente, mas, com o SNS sem dar resposta, temos uma pressão muito grande. Temos de pensar como conseguimos alargar a nossa capacidade – sendo que um hospital demora, no mínimo, quatro anos a construir», frisam.

Neste contexto, que soluções à vista para podermos melhorar os cuidados de saúde da população 65+? Alguns prestadores privados à volta da mesa partilham que estão a implementar e a testar serviços de hospitalização domiciliária, que vão muito além da visita do médico a casa – podem incluir máquinas de oxigénio, medicação intravenosa, tratamentos de quimioterapia, entre outros. É uma medida que tem tido sucesso e que tem permitido libertar camas de hospital, ao mesmo tempo que garante maior conforto ao doente, porque está a ser tratado em casa.

Outras medidas que podem ser tomadas para aliviar a pressão sobre o sector são a aposta nas teleconsultas, que «correu bem durante a pandemia, mas depois voltou a decrescer, porque as pessoas não gostam». «Tem que haver uma reeducação dos pacientes, explicando-lhes que se calhar para mostrar ao médico um exame, que até correu bem, não precisam de ir ao hospital», explanam os participantes.

Também as seguradoras estão atentas, como não poderia deixar de ser, ao tema da longevidade e a desenvolver produtos destinados à chamada “silver economy”, como seguros que cobrem as doenças do envelhecimento (por exemplo, na áreas das doenças neurogenerativas).

Contudo, há um tema inevitável que tem a ver com a sustentabilidade do sector, porque o custo para o sistema de saúde de uma pessoa sénior é incomparavelmente superior ao custo de uma mais nova. E, hoje, as pessoas que subscrevem seguros «são um pouco impactadas pelo custo que esse segmento etário representa, porque essas pessoas não conseguem pagar seis ou sete vezes o que pagavam em idade activa», lembram. Nesse sentido, defendem a necessidade de uma mudança de paradigma, que terá que passar por soluções de poupança e pela implementação de tarifas mais estáveis ao longo da vida, que permitam que as pessoas que começaram a contribuir mais cedo para um seguro de saúde não sejam sujeitas a subidas tão acentuadas dos prémios. Só assim será possível «alisar a curva» dos custos.

Apesar do crescimento dos seguros e planos de saúde nos últimos anos, muitas pessoas e, sobretudo, empresas tendem a optar pelas coberturas com os prémios mais baratos, o que faz com que, muitas vezes, os plafonds se esgotem rapidamente ou não cubram certas situações clínicas mais graves (como internamentos ou cirurgias). O aumento do custo de vida também tem levado a muitas situações de pessoas que, ou fazem sacrifícios pessoais, ou vêem-se obrigadas a desistir de pagar os seguros. «Se tiverem que optar entre encher o carrinho do supermercado ou ter um seguro, vão desistir do seguro. E aí voltam para o SNS, que muitas das vezes não consegue dar resposta», sublinham os participantes. «Devíamos ter um plano poupança saúde», reiteram.

Certo é que o tema do envelhecimento demográfico torna ainda mais urgente que se tomem medidas a favor da sustentabilidade do sector. «Cada vez mais, vamos precisar de um SNS em condições para dar suporte a este tipo de situações clínicas, que normalmente são mais graves. O sistema privado vai continuar a dar uma solução numa fase mais primária, mas depois, em situações mais complicadas, vamos precisar sempre do SNS», acrescentam.

Além destes temas, também o dos novos fluxos migratórios (provenientes dos PALOP, mas também da Ásia e nómadas digitais que vêm da Europa) tem impacto para o sector da Saúde, obrigando a um esforço de adaptação, cultural e comunicacional. «O SNS terá que fazer um maior esforço na comunicação e literacia em Saúde, porque é muito difícil falar a estas pessoas. São comunidades muito fechadas. É preciso encontrar uma forma de chegar até elas.»

EM PROL DA SUSTENTABILIDADE

A indústria farmacêutica também se está a adaptar ao envelhecimento da população. Por exemplo, foram recentemente desenvolvidas vacinas da gripe direccionadas para pessoas com mais de 65 anos, que têm quatro vezes mais antigénio, porque o sistema imunitário nestas idades já não responde da mesma maneira. Hoje, há também uma maior oferta de medicamentos para doenças neurogenerativas ou doenças mentais, para responder às necessidades deste target.

De acordo com os responsáveis presentes no debate organizado pela Marketeer, a indústria também tem assumido o seu papel no que respeita a contribuir para a sustentabilidade do sector, seja através do desenvolvimento de inovação e novas soluções terapêuticas, como também de medicamentos genéricos e biossimilares que ajudam a contrabalançar o custo médio dos medicamentos.

E quando o tema é o envelhecimento demográfico, importa ainda realçar as farmácias, que têm «um papel muito importante, especialmente para as pessoas mais velhas, que já têm uma relação de proximidade e confiança com o farmacêutico. E, muitas das vezes, permitem evitar a ida ao centro de saúde», frisam os participantes. «As farmácias são pontos de proximidade, de contacto directo com as pessoas mais velhas. Há que tirar partido desta rede, que tem uma capilaridade sem paralelo», acrescentam.

De resto, o sucesso da inclusão da rede de farmácias no programa de vacinação sazonal contra a gripe e a Covid-19 – que permitiu alargar os pontos de vacinação de cerca de mil para 3500 – veio comprovar que as farmácias podem assumir um papel de relevância em libertar um pouco da pressão que existe em torno do SNS e do sector privado. Neste momento, estão a ser implementados novos projectos nesse sentido, nomeadamente a dispensa de medicamentos hospitalares em farmácias comunitárias e a renovação da medicação de doentes crónicos. «Há vários programas de teste que estão a ser feitos ao nível da Associação Nacional das Farmácias, que estão a ajudar o SNS. Há muitas soluções e estratégias possíveis, mas é preciso quebrar alguns paradigmas», explanam.

Por fim, também a literacia é fundamental e uma responsabilidade de todos os intervenientes do ecossistema da Saúde, numa óptica de prevenção. A começar pelas escolas, onde é importante que seja feita comunicação sobre a obesidade, a alimentação saudável, a importância do exercício físico, entre outros temas.

«Todos – prestadores, sector segurador, indústria farmacêutica, farmácias – temos de arranjar soluções em conjunto», referem os participantes. «Vivemos há demasiados anos com a ideia de um SNS a enfraquecer e precisamos de inverter isto. Caso contrário, vamos todos continuar com problemas, porque o sector privado não consegue substituir o SNS», concluem.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Saúde”, publicado na edição de Maio (n.º 334) da Marketeer.

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