As práticas de Brand Governance partilhadas na 23ª Conferência da Marketeer

Por André Zeferino, consultor em Estratégia de Marketing, autor dos livros “Digital Marketing Analytics” e “Marketing Mindset” e co-autor de “Marketing Futureland”

A Marketeer transferiu alguns “elefantes na sala” para o Centro de Congressos do Estoril, onde se debateram desafios estruturantes que marcam o panorama da indústria de Marketing num mundo cada vez mais em mudança, e no qual não existem fórmulas únicas para o sucesso de marcas ou negócios.

Com o tema “Há elefantes nas salas da Comunicação?”, ficou evidente que este fenómeno tem vindo a moldar o território das marcas pelo prisma dos três “E”:

Escrutínio: Pela pressão constante de uma “vigilância pública”, onde qualquer pessoa, em qualquer momento, pode exercer um escrutínio de forma directa;

Estímulos: Pela saturação de mensagens que afecta não só os consumidores e os stakeholders, mas as próprias equipas de marketing (“shiny new toys”);

Emergência: Pela percepção de uma “interacção contínua” devido à fragmentação de meios, canais e multi-ambientes que funcionam em tempo real e num regime 24/7.
Esta realidade tem custos significativos: “70% dos budgets de marketing são desperdiçados”, e “80% dos marketers relatam que as redes sociais forçam decisões rápidas, muitas vezes sem análise prévia, devido ao tempo real” (fontes partilhadas na conferência).

Estes desperdícios comprometem toda a cadeia de valor, já que não permitem cultivar as melhores relações entre as partes envolvidas; motivar equipas; fomentar o talento criativo; potenciar a inovação e, em última instância, incrementar resultados que permitem alimentar a relevância das marcas no espaço que ocupam junto das pessoas e na sociedade.

O impacto estratégico da boa governança de marketing

Em resposta aos vários desafios, foram abordadas algumas práticas de marketing & brand governance que justificam a crescente importância deste tema, não apenas para gerir os “elefantes nas salas de Comunicação” mas em todo o universo de marketing:

1. O valor económico-financeiro gerado pelo investimento de marketing

Foi relembrado o impacto das marcas como um activo financeiro, devido ao valor que pode ser gerado em qualquer iniciativa de marketing – algo que deve estar sempre presente no “ritmo frenético” das campanhas, pela influência que estas podem ter na evolução do valor (brand equity) contabilizado no balanço das empresas.

A Deloitte apresentou uma matriz de avaliação que comprova este efeito: empresas que se destacam nos critérios desta ferramenta obtêm resultados económicos superiores. Este estudo, baseado em 24 mil marcas de 21 sectores e com a participação de 200 mil consumidores, reforça a importância de integrar métricas financeiras e de marca para maximizar o retorno do investimento e consolidar o impacto das iniciativas no longo prazo.

2. Orientação estratégica no processo de criação de valor

A criatividade e a inovação precisam de orientação e direccionamento estratégico para gerarem valor nos processos de brand building.

O exemplo da marca Control vincou a importância de ter “valores e uma brand persona muito bem definidos”, assegurados por planos de contingência previamente estruturados para gerir crises. Esta abordagem permitiu decisões firmes relacionadas com a campanha da “castanha”, que resultou num “crescimento exponencial em dois dias” no envolvimento da marca com o seu público e permitiu sobretudo medir a sua base de defensores.

Na mesma linha, o testemunho da Unilever revela que “é preciso controlar a narrativa” sem receio de comprometer a inovação, já que “o facto de haver mais gestão do risco não retira a capacidade de ser criativo” – a Unilever conquistou 35 prémios de criatividade no último Cannes Lions.

Já a EDP revelou que a credibilidade é essencial, priorizando a execução de projectos antes de criar o storytelling, garantindo que desta forma as narrativas se baseiam em factos sólidos e impactantes.

3. Relação com as partes envolvidas e interessadas (stakeholders)

As relações entre marcas, agências e outras partes interessadas são fundamentais para o sucesso de qualquer estratégia de marketing. No entanto, quando mal geridas, criam fricções internas, afectando directamente o esforço e a motivação das equipas, como destacou o responsável da OMD Portugal: “há práticas muito erradas dentro do sector”, que acabam por amplificar o desperdício de recursos e dificultar a criação de valor.

O momento do pitch é um exemplo crítico desta dinâmica, porque a colaboração intensa exige um alinhamento total de expectativas, competências e estratégias. Contudo, obstáculos como briefings pouco claros, objectivos divergentes ou prazos irrealistas comprometem os resultados.

Para superar estes desafios, um modelo de pitching que privilegie o conhecimento prévio entre as partes e estabeleça transparência desde o início pode ser transformador, tal como sugerido. O marketing governance desempenha um papel vital neste contexto, ao assegurar critérios claros e expectativas bem definidas, promovendo parcerias colaborativas e saudáveis, que não só beneficiam as marcas e as agências, mas, sobretudo, entregam valor real aos seus clientes finais – o objectivo maior de toda a estratégia.

4. Alinhamento em estruturas ágeis

A importância do alinhamento entre as várias equipas internas é determinante para criar valor, a exemplo da Vodafone e do Continente, que apesar de possuirem abordagens distintas nas equipas que trabalham a marca – integradas ou não na direcção de Marketing – asseguram este alinhamento estratégico que garante uma visão unificada e coerente.

Sem esta coordenação, existe o risco das mensagens serem contraditórias, prejudicando a percepção do público e diluindo o impacto das acções da marca, sendo crucial estabelecer objectivos partilhados e pontos de convergência no seu posicionamento.

Neste cenário, o marketing governance intervém no estabelecimento das estruturas necessárias para gerir a complexidade do ambiente competitivo e harmonizar esforços nos processos de comunicação e tomada de decisão entre as equipas, para limitar as ambiguidades e o risco de conflitos.

5. Cultura de liderança, ética e responsabilidade

A liderança estruturante de processos é uma peça-chave em qualquer modelo de boa governança, onde o exemplo do CEO da Vodafone na gestão da crise despoletada pelo ciberataque há dois anos foi determinante para orientar a linha de comunicação e os fluxos de trabalho decorrentes.

Com uma liderança robusta e comprometida, é possível criar um ambiente onde a criatividade e a eficiência coexistem, através da devida integração dos recursos de marketing – das pessoas à tecnologia – para extrair o “melhor dos dois mundos”, justamente numa fase em que os avanços da IA estão a revolucionar algumas funções de marketing.

É nesta envolvente que o marketing governance se torna um facilitador de esforços e competências, transversal a qualquer modelo de negócios e sector de actividade – um pilar que sustenta a criação, a gestão e a valorização de marcas responsáveis, consistentes e únicas nos seus ecossistemas.

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