As notícias, a guerra e a síndrome do mundo mau
Por Marta Araújo, consultora de Comunicação
Hoje, num único dia, estamos expostos a mais estímulos comunicacionais, informativos e noticiosos do que os nossos avós ou bisavós em toda a sua vida. É um verdadeiro bombardeamento (sim, este termo não surge aqui ao calhas).
Alertas das notícias nos telemóveis a toda a hora, notícias nas redes sociais desde o momento em que acordamos até que adormecemos, notícias na televisão assim que chegamos a casa (e grande parte no horário das refeições), notícias na rádio quando vamos a conduzir. Informação, informação e mais informação. E, sobretudo, muita distracção. Enquanto seres humanos, não conseguimos apreender – de forma consciente e completa – tantos dados, sobretudo no que às notícias diz respeito.
E este fluxo tende a tornar-se uma avalanche emocional medonha mas, simultaneamente, a transmitir a sensação de que até estamos informados. Mas, regra geral, e perdoem-me a maldita e sempre perigosa generalização, não estamos. Ficamos sim com ideias mais ou menos vagas, baseada em títulos, em leads (e já não é mau), em flash e excertos de imagens, de declarações, de fotos ou de vídeos, que vimos, vemos ou ouvimos, mas a correr e no meio de tanta coisa, de tantos afazeres e de tantos alertas. O que fica é, por ventura, ideias algo superficiais, redondas e simples – que internamente se tendem a tornar “certezas” – sobre as notícias.
Não é pelo facto de estarmos expostos a um número brutal de notícias que nos podemos sentir, realmente informados.
Num cenário de guerra medonho como aquele em que vivemos – numa altura em que mal saímos de uma pandemia global, mas da qual até já quase não ouvimos falar nos media – e quando uma crise económica espreita, o bombardeamento de notícias, de informações e de opiniões sobre o conflito armado na Europa, nesta era das redes sociais e dos canais de informação 24h/24h, é avassalador e apresenta todos os sintomas para nos deixarmos tomar pela síndrome do mundo mau.
Sim, há guerra. Sim, estamos a ver, a ler e a ouvir as notícias mais medonhas e mais fortes – do ponto de vista da semiótica e do impacto emocional e psicológico – mega violentas e que, ao vermos em catadupa, sem filtro e sem ordem, parece que nos esmagam o coração e nos deixam sem respiração, mediante a crueldade daquilo que nos é dado a ver.
A síndrome do mundo mau aparece quando nos expomos demasiado ao fluxo noticioso sem sermos capazes de o interpretar correctamente, levando à alteração do nosso comportamento em família, no trabalho e agentes da sociedade. É quando as notícias nos atropelam esmagadoramente, como se de um monstruoso tanque de guerra se tratasse.
Sobretudo em tempo de guerra, em que há imensa informação, contrainformação, verdades e inverdades – a chamada propaganda veiculada pelas várias partes envolvidas no conflito – veiculadas a todo o instante e em múltiplas plataformas, importa ter a consciência da manipulação (nem sempre de modo consciente e intencional) da informação. As guerras carregam informação de complexa – muito complexa – intensidade e velocidade.
E não, a culpa não é (só) dos jornalistas, nem das redes sociais ou dos canais de notícias non stop. Enquanto consumidores de informação, temos a possibilidade – e sobretudo a capacidade – de escolher e filtrar que tipo de informação absorvemos.
Uma espécie de guia prático, para estar bem informado no que diz respeito às notícias (sem parar de as consumir) em tempo de guerra, ou melhor, em todos os tempos:
1. Excesso de notícias não é sinónimo de estar bem informado. Escolha três ou quatro meios de comunicação social credíveis. Tal é suficiente para ter acesso à informação e importante porque lhe permite cruzar perspectivas;
2. Reserve tempo na sua agenda para se dedicar exclusivamente a consumir notícias. Garanta que quando o está a fazer se encontra apenas dedicado a isso e não distraído com multitasking (às refeições também não conta), de modo a compreender e apreender devidamente os temas. Dois momentos ao dia são suficientes.
3. Distinga claramente o que são jornalistas, comentadores – sendo que há momentos em que os jornalistas ocupam também este papel – entrevistados e especialistas convidados. Cada um tem o seu papel e na hora de consumir informação é imperioso perceber estas distinções para que possa conferir a devida credibilidade – ou não – aquilo que estão a dizer. Filtre.
4. Adira à slow information. Privilegie meios de comunicação social semanais e/ou mensais que são escritos e produzidos com mais tempo, com mais dados, com mais capacidade crítica, com mais capacidade de análise e que lhe permita pensar as notícias e os acontecimentos com mais tempo e profundidade.
5. Proteja crianças e idosos. Estes são os dois grupos mais vulneráveis quando expostos ao excesso de notícias e à compreensão – ou falta dela – do que estão a perceber delas. Evite os noticiários quando está em família.