As marcas são reais, não perfeitas.

Por Ricardo Mena, Professor do IPAM e Coordenador PG Branding IPAM IADE

As marcas são reais, não perfeitas.

Este artigo começa com uma afirmação, que entendo ser banal para muitos (os que nunca a executaram), mas certamente um desafio diário para quem as personifica no dia a dia.

O “feliz” caso Mariana do Continente é um claro exemplo disso.

A maioria das marcas esforça-se por criar uma identidade de marca – um conjunto-chave de características, que ajudam a diferenciá-las das demais. No entanto, poucas marcas permitem margem de erro, o que significa que as falhas ou fraquezas geralmente não fazem parte dessa identidade.

Este facto, não é necessariamente algo positivo. Não são as falhas que nos tornam humanos? Consequentemente, marcas que exibem ou admitem falhas, podem ser mais atraentes para nós, meros mortais, porque as torna honestas e autênticas.

Curiosamente, também pode ajudar a vender um produto. Um dos exemplos mais conhecidos é o slogan de Stella Artois de “tranquilizadoramente caro”, que inclui simultaneamente elementos positivos e negativos. Mas, ao admitir descaradamente que custa mais do que outras cervejas, naturalmente leva o consumidor a supor que deve valer a pena.

Ao darmos o pontapé inicial no novo ano, parece que todas as conversas que temos sobre o futuro dos negócios giram em torno de automação, inteligência artificial, chatbots e assim por diante. Todas essas inovações optimizam a nossa capacidade de nos conectarmos com nossos colegas de trabalho, clientes e comunidades mais amplas. No entanto, paradoxalmente, afastamo-nos da conexão humana real, com as pessoas que mais importam.

Hoje em dia, os clientes estão mais propensos a interagir com bots do que com humanos. Os colegas de trabalho, costumam trabalhar em casa, como parte de equipas nómadas e as organizações falam com os seus colaboradores com mais frequência nas redes sociais do que pessoalmente. Não podemos inverter o relógio do progresso, que apresenta aspectos muito positivos, mas podemos – e devemos – neutralizar os elementos prejudiciais dessas inovações, com um esforço consciente para sermos mais humanos em todos os aspectos das nossas vidas.

“A tecnologia criou a ilusão de conexão, mas o uso excessivo e incorrecto dela torna-nos menos produtivos, menos ligados e mais solitários”, diz Dan Schawbel, autor de Back to Human: How Great Leaders Create Connection in the Age of Isolation.

Em contraponto, a sua operadora de telemóvel está provavelmente abaixo na sua lista de favoritos de atendimento ao cliente. Ou talvez não. Recentemente, o CEO da T-Mobile, John Legere, anunciou que o tempo que passou a ouvir os dois lados das ligações de atendimento ao cliente da empresa, levou a uma nova iniciativa chamada “Equipa de Especialistas”. Chega de bots, anunciou. Em vez disso, cada cliente receberá uma equipa de 30 a 40 agentes que residem na região, que conhecem e entendem as preocupações locais e, com o tempo, constroem relacionamentos reais com os clientes. Os clientes também podem agendar uma ligação com antecedência ou enviar uma mensagem para a sua equipa por meio do aplicativo T-Mobile. A mudança, disse Mike Sievert, COO da T-Mobile, foi feita para destruir a “enorme fortaleza digital entre si e as pessoas que podem ajudá-lo”.

Cada marca tem assim uma comunidade – tanto online quanto off-line – com a qual precisa de permanecer conectada de forma consistente, praticando o tipo de generosidade constante que cria fortes conexões emocionais com suas comunidades mais amplas. As marcas cometem um erro estratégico se só se conectam aos membros da sua comunidade quando há um problema.

As falhas tornam-nos assim interessantes?

Esse certamente é o caso de personagens de histórias. As clássicas tragédias gregas apresentavam personagens com falhas trágicas. Os personagens mais interessantes do cinema moderno enfrentam sempre alguma fraqueza ou desafio. São essas características de humanidade, que levam à conexão com o público, que se identifica e se preocupa com eles. São as imperfeições que nos dão uma noção de ligação à realidade. Dentro do razoável, o mesmo se aplica às marcas. Não estou a defender as falhas por falta de análise, mas as realidades da comunicação moderna, exigem uma abordagem menos polida, mais franca e corajosa.

Os clientes de hoje procuram a versão real da sua marca e estão confortáveis se não for perfeita. Porquê? Porque também eles estão cada vez mais conciliados com suas próprias imperfeições.

Não defendo somente que a marca imperfeita é a nova marca perfeita, pois haverá sempre um apelo ao ideal inatingível. No entanto, campanhas como a Dove Real Beauty (aliás, o terceiro anúncio mais partilhado de todos os tempos), estão a induzir-nos a aceitar as nossas imperfeições. Reformulam a maneira como pensamos sobre as coisas que nos tornam únicos. Esta aceitação não deveria aplicar-se às marcas também?

Eu afirmo que sim!

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