As marcas e as mentiras

Por Pedro Figueiredo, senior copywriter da BYD

No dia 1 de Abril, o Telejornal da RTP tinha por tradição transmitir uma notícia falsa. Era uma partida, para as pessoas lá em casa ficarem baralhadas com o anúncio de coisas tão inusitadas como a criação do motor a água por um grupo de estudantes do secundário, ou a mudança da capital de Portugal. Não tenho exemplos concretos destas notícias, mas lembro-me que durante a infância via o noticiário deste dia com muita atenção para tentar descobrir onde estava o engodo – era sempre uma das últimas notícias a passar.

Até 2019, esta espécie de tradição, celebração ou exercício de criatividade foi crescendo, tomando proporções que vão além de notícias. O Dia das Mentiras tornou-se um evento que enche a internet de press releases manhosos, produtos falsos e piadas rebuscadas que conseguiram passar por equipas inteiras de marketing, com chefias a acreditar que tinham um sucesso viral em mãos. Acontece que, muitas vezes não foi bem o sucedido.

A Google, a BWM, o Burger King ou a Microsoft são alguns exemplos de marcas que faziam questão de marcar presença neste Dia das Mentiras. Em 2016, a Google foi forçada a pedir desculpas por adicionar nos emails um meme dos minions, do filme “Despicable Me”, com um drop the mic para encerrar as threads de email. O resultado? Caos e situações embaraçosas nos utilizadores do Gmail. Também o Burger King quis fazer parte desta data, com a criação do hambúrguer para canhotos. Este Whooper era igual aos outros, mas tinha uma rotação de 180 graus do pão.

Em 2019, a Microsoft acabou mesmo por banir este dia, depois te ter apresentado o MS-Dos versão mobile e de ter reavivado o Clippy Office, o assistente em forma de clip. Este último foi extinguido para sempre no dia seguinte, quando o departamento de brand da marca assim o exigiu. Fica a dúvida. Haveria uma real intenção?

O Dia das Mentiras é uma tradição com mais de 500 anos que foi furando até entrar no mundo das marcas. Cheias de boas intenções, as equipas, por detrás destas ideias e mentiras, querem ser engraçadas, descontraídas e aproximar as pessoas. Mas as “acções fora da caixa”, como chamarão muitos directores de Marketing, podem descambar de uma maneira aparatosa e fazê-los acreditar à força que “não há má publicidade”. Em 2021, a Volkswagen dos EUA anunciou que iria fazer um rebranding para “Voltswagen”, num esforço para chamar a atenção da aposta nos veículos eléctricos. Após desmentidos, confusão e um impasse, a VW acabou por admitir que se tratava de uma manobra de marketing do 1 de Abril. Para uma marca que foi apanhada a mentir sobre as emissões de poluentes, naquele que foi um dos maiores escândalos da indústria automóvel, um tweet com uma falsa novidade põe em causa a sua palavra e a reputação perante os consumidores.

Se, por vezes, uma mentira é fácil de identificar, outras vezes passa por verdade e perpetua-se durante meses, já muito longe do 1 de Abril, sendo até disseminada pela comunicação social. A realidade e as regras mudaram. As fake news inundaram a nossa vida e a desinformação chegou a todos os meios de comunicação. Uma mentira, mesmo que inocente ou em tom de brincadeira, pode de repente tomar proporções que minam a credibilidade e semeiam a confusão. Quer mesmo uma marca entrar neste território?

Agora faço o contraditório de tudo escrito acima. Em 2014, o Google Maps colocou Pokémons no street view, para que todos os utilizadores se divertissem a encontrá-los. Dois anos depois, a Niantic lança o Pokémon Go, um jogo para smartphone que tinha exactamente a mesma ideia e que se tornaria um dos jogos de telemóvel mais rentáveis de sempre. Talvez ainda haja margem para ter uma ideia grandiosa no dia 1 de Abril.

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