As diferentes formas de amor das marcas em tempos de pandemia
Por Christine Trévidic, advisor to the Board na Centromarca
Falar de amor, e de outros sentimentos, há muito que deixou de ser um território dos seres humanos. Neste momento em que, mais do que nunca, o online se instalou literalmente nas nossas casas, a ideia de humanizar uma marca para torná-la mais empática, é incontornável. Isto mostra que a humanização das marcas as torna mais próximas dos seus públicos através da partilha de sentimentos e expectativas.
Neste mundo digitalizado, todos temos um papel muito mais activo nos processos de compra e venda de marcas. Através de uma simples pesquisa ficamos rapidamente conhecer as múltiplas opções que existem para satisfazer as nossas necessidades e, por exemplo, através da partilha de uma review, condicionamos fortemente as escolhas de terceiros. Esta realidade faz com que o foco no preço e na qualidade passe a ser complementado com um interesse pelo compromisso das marcas, pela sua preocupação para com os seus públicos e por temas relevantes para a sociedade.
Neste contexto, as palavras do poeta Arthur Rimbaud quando disse que “O amor tem que ser reinventado!”, aplicadas à realidade que hoje vivemos, não podiam fazer mais sentido. E ao falarmos neste amor, também ele vivido pelas marcas, falamos de uma relação de longo prazo entre estas e os “seus humanos”, que se quer menos efémera e mais de compromisso. Falamos de uma grande oportunidade para reiniciar as relações com as pessoas, deixando claro o respeito pelos seus dados, e reconquistando o seu respeito e admiração, passo a passo.
A pandemia, apesar de ter chegado com pré-aviso, “puxou o tapete” às marcas criando-lhes uma ilusão de que também estas deveriam estar em auto-isolamento e a praticar o distanciamento social. Um auto-isolamento na retracção de investimentos e um distanciamento social na inibição do contacto com as suas audiências. Mas tal como nas relações fortes e duradouras, as marcas não desiludiram, nunca falharam, estiveram sempre lá. Têm sido inúmeras as suas manifestações de amor.
Diria que a primeira forma de amor a que assistimos por parte das marcas foi a do reconhecimento da importância dos “seus”, na sua vida. Os seus que continuaram diariamente a dar provas do quão importantes são para o coração das empresas continuar a bater forte. Os que nunca entraram em auto-isolamento, mas que mantiveram um distanciamento social que lhes permitiu continuar a dar o seu melhor para que nada faltasse a muitos outros. E as marcas nem pensaram duas vezes – expressaram um “obrigado”, reconheceram, verbalizando e mostrando aos seus colaboradores (e não só) o quão importantes são. Saber reconhecer será sempre um bom alicerce na construção de uma relação saudável.
Do agradecer ao cooperar, essa forma de amor cúmplice, foi um ápice. As marcas mostraram que podem “dar tudo” no campo da cooperação social e, mais do que nunca, mostraram uma solidariedade sem precedentes, global e local. Dar sem querer nada em troca, amor altruísta, que se sobrepõe a tudo, até às palavras e provocações alheias, focadas em apontar o dedo aos ganhos intangíveis, e que quase inibiram as marcas de contar o que de tão bom fizeram por todos nós. Só quem nunca fez voluntariado, quem nunca ajudou o próximo, é que é capaz de apontar o dedo a quem o faz. Não ouvimos já tantas vezes que é em vida que devemos dizer e mostrar aos outros o quanto os amamos? Foi o que as marcas fizerem, e ainda bem que o fizeram, porque só assim nunca as esqueceremos.
Temos também assistido progressivamente à extinção de algumas das liberdades que tomámos por garantidas. Todos os dias aumenta a vigilância sobre as pessoas e sobre os agentes económicos, todos os dias parece que nos impõem mais restrições à mobilidade e surgem avultadas penalizações ao não cumprimento de todas as medidas. Está tudo certo, mas nada disto tem de necessariamente separar as marcas das suas pessoas ou comunidades. E é neste cerco apertado à nossa liberdade que vemos surgir um amor desapegado e que, à distância, nos deixa livre, mas em segurança. Para as marcas, “se o mundo lá fora mudou, nós mudamos com ele, adaptamo-nos e fazemos cedências”.
Falar no tom certo, no momento certo, saber escolher as palavras e o cenário certos, são condições especialmente importantes para se garantir um bom envolvimento. As pessoas têm noção que esta crise atingiu fortemente muitas famílias, empresas, marcas. Por isso, as mensagens que se concentram no elemento humano provavelmente aumentam a eficácia da comunicação, fortalecendo a relação. É um amor experiente, aquele que ouve o outro e mostra interesse no seu bem-estar, aquele que não desiste à primeira adversidade e que dá o primeiro passo, aquele que é respeitador, empático e transmite confiança.
Amor que faz rir gera admiração. Rir, para além de ser uma característica humana, é linguagem universal. Trata-se de explorar o lado criativo das marcas, fazer sorrir e descontrair. Não foram apenas as autoridades e o Governo a pedirem o nosso confinamento durante a pandemia do novo coronavírus. As marcas também o fizeram, a maioria redireccionando as suas estratégias de comunicação para as redes sociais e, com mais ou menos criatividade, o denominador foi comum: #ficaemcasa, #fazatuaparte, #staysafe, #orgulhosamenteemcasa, #umamigoquetemumamigo, #juntosninguémnospara, #juntosvoltamosjá, #vaificartudobem, #euficoemcasa, #estamosjuntos, #distantesmasperto, #stayhomestaysafe.
Na última década, temos estado envolvidos no processo de humanização de muitas marcas. Sentimo-lo através de comunicações sinceras, naturais, criativas e únicas. Um dos exemplos que, no meu entender, melhor ilustrou o tipo de ligação que pode existir entre uma marca e o seu público é o da Crock-Pot, a panela de slow cooking usada num episódio especialmente crítico da série “This is Us” e que, na sequência de um incêndio, dá origem à morte acidental de uma das personagens mais queridas. Quem assistiu a esta série sabe bem o quão realista e emocional é, e estas características foram transpostas para a comunicação da Crock-Pot quando a qualidade das suas panelas foi posta em causa por um acidente ficcional. “Forever in your heart and forever in your home” resume toda e cada uma das interacções desta marca com os seus seguidores, ao mostrar-se profundamente triste com o desfecho daquele episódio como se de um fã da série se tratasse, reforçando a qualidade e a durabilidade do produto, a longevidade da marca e a relação de confiança de mais de 50 anos com os seus clientes.
Hoje, mais do que nunca, não nos devemos esquecer que todos estes “amores” devem ser a alma e o coração de uma cultura organizacional, o elo entre as pessoas de “dentro” e as pessoas de “fora”, muito mais do que um simples atributo da marca, muito mais do que uma paixão