António Paraíso: “[Em Portugal] falta charme no serviço, o saber ‘trabalhar’ o ego e os sentidos do cliente para lhe proporcionar emoção”

António Paraíso, empresário e consultor português na área do luxo, foi escolhido para integrar, pela primeira vez, a lista das 100 personalidades mundiais mais influentes na indústria do luxo.

Este ranking, criado pela instituição londrina “Diversity in Luxury”, dedica-se a promover os novos códigos do Luxo Moderno e a mudança positiva no setor, em especial nas questões de Diversidade e Inclusão.

Em entrevista à Marketeer, numa conversa franca e informada, o empresário comenta o estado da indústria do Luxo global e nacional.

Ao longo da sua carreira, quais foram os momentos mais marcantes que moldaram a sua trajetória na indústria do luxo?

Destacaria três momentos que me marcaram e deixaram orgulhoso:

Em finais de 2012 o grupo LVMH nomeou um novo conselho de administração para a marca LOEWE e decidiu reunir um pequeno grupo de quatro consultores especialistas na sede da marca em Madrid, para ouvir ideias que permitissem reflexão estratégica futura. Eu fui um desses quatro consultores selecionados pela marca.

No Verão de 2014, a multinacional americana Procter & Gamble organizou a sua Convenção Anual em Singapura para debater o posicionamento premium da divisão de cosmética e levaram-me a esse pequeno país do Sudoeste Asiático para fazer palestra sobre a Magia do Luxo e workshops para inspirar as suas equipas.

Por fim, diria que este momento que estou agora a viver, de integrar a Diversity in Luxury Leaders List, uma lista selecionada por uma instituição britânica, que destaca os 100 profissionais do setor mais influentes a promover os novos códigos do Luxo Moderno, sobretudo os valores morais da igualdade, diversidade e inclusão para uma mudança positiva no mercado do luxo.

A indústria do luxo mundial passou por várias transformações nas últimas décadas. Quais são, na sua opinião, as principais tendências atuais e como estão a influenciar o mercado?

O luxo é um fenómeno sociológico de consumo que, por ser intemporal, normalmente não segue tendências – temporárias por natureza – mas acompanha a evolução da sociedade. Nos últimos anos, chegaram ao mercado novas gerações de clientes, abaixo dos 45 anos, com poder de compra alto, e com estilos de vida, gostos e valores morais diferentes daqueles dos seus pais e avós.

E estão a pedir às marcas um luxo diferente, com mais incorporação de tecnologias para criar espaços ‘phygital’, um luxo com mais diversidade e inclusão, ou seja, menos discriminatório, com maior preocupação com as pessoas e o planeta, e também um luxo que privilegie a vivência e não a propriedade.

Exemplos da forma como esta evolução influencia o mercado, estão no surgimento de galerias de arte, restaurantes, bares e ‘lifestyle lounges’ dentro de lojas de moda ou concessionários automóveis. E também no surgimento de novos modelos de negócio nas marcas automóveis de gama alta, que permitem a subscrição anual, pagar a utilização flexível de carros em vez de pagar a sua propriedade.

Como vê o papel de Portugal na indústria do luxo global? Acredita que temos potencial para nos destacarmos ainda mais neste setor?

Existe, sem dúvida, potencial, mas ainda falta melhorar muito. Falta formação de qualidade e falta sobretudo mentalidade e sensibilidade para o luxo. O luxo vive no patamar da excelência, do extraordinário. Exige uma mentalidade diferente para o entender e o desenvolver.

Um produto ou serviço de luxo resulta da combinação subtil de tangibilidade (quase) perfeita e intangibilidade sedutora.

Em Portugal já somos muito bons, e com reconhecimento internacional, a produzir com qualidade alta, com design que gera beleza, com saber-fazer artesanal, nos têxteis, nos couros, nas madeiras, no vidro e cerâmica, nos vinhos, na ourivesaria e em todas as outras indústrias.

Temos bons mestres artesãos, bons designers e arquitetos. Somos bons a produzir a tangibilidade, mas falta melhorar muito a intangibilidade sedutora, aquilo que não se vê, mas se sente e deixa o cliente em êxtase, o serviço irrepreensível que surpreende, o relacionamento que emociona, a simbologia que seduz, a elegância discreta, o charme, falta charme no serviço, o saber ‘trabalhar’ o ego e os sentidos do cliente para lhe proporciona emoção e felicidade.

A sustentabilidade e a responsabilidade social são temas cada vez mais importantes para os consumidores de produtos de luxo. Como é que as marcas de luxo se estão a adaptar a esta nova realidade?

Sim, é verdade. Quando eu frequentei o meu primeiro curso de Gestão de Luxo há 15 anos, não se falava em sustentabilidade. Mas agora, tal como referi, Millennials e Geração Z, e em breve a Geração Alpha exigem cada vez mais marcas de luxo com verdadeiro sentido de responsabilidade social e ambiental.

Há uns anos, um estudo da empresa Nielsen, já confirmava que mais de 70% dos Millennials preferem comprar marcas que tenham, comprovadamente, práticas de sustentabilidade, mesmo que o preço seja um pouco mais alto.

Todas as marcas de luxo, de todos os setores, desde moda, a joalharia, a hotelaria ou automóveis, têm atualmente estratégias de sustentabilidade bem pensadas, planos de ação bem definidos e que abrangem toda a cadeia de abastecimento. Já é quase impossível ser fornecedor de uma marca de luxo, sem adotar e cumprir as ações de sustentabilidade definidas pela marca.

Outro fenómeno forte e recente é o do luxo em segunda mão. Há dias vi nos aeroportos de Lisboa e Zurique, lojas de ‘Pre-Loved Luxury’ ou seja, de artigos de luxo em segunda mão. Produtos que estão ainda em bom estado, já foram amados pelo primeiro proprietário, e que por não os querer mais, coloca-os à venda para serem amados por um segundo proprietário.

As gerações mais jovens de clientes compram luxo em segunda mão, não apenas pelo preço mais baixo, mas também para contribuir a que se produza menos, se gastem menos recursos naturais e de alguma forma se proteja a natureza.

Portugal tem uma longa tradição em áreas como a moda, a joalharia e os vinhos de qualidade. Como podemos capitalizar essa herança para aumentar a nossa presença no mercado global de luxo?

Como referi antes, de facto as empresas portuguesas têm essa tradição e experiência de saber fazer com qualidade alta e com design atraente. Mas essa é a parte tangível do negócio.

Para aumentar a probabilidade de sucesso no mercado global de luxo, eu acredito que falta muita formação para desenvolver mentalidade e sensibilidade para o luxo, falta investir, de forma consistente, em marca e desenvolver toda a intangibilidade sedutora que referi acima.

Quais são os principais desafios que a indústria do luxo enfrenta atualmente e como é que as empresas podem superá-los para garantir um crescimento sustentável no futuro?

O principal desafio que a maioria das marcas de luxo já está a enfrentar é o da excessiva banalização – há quem lhe chame ‘democratização’ – que muitas marcas fizeram nas últimas décadas, para aumentar vendas rapidamente, ganhar dinheiro e responder à pressão dos acionistas.

Atropelaram os códigos pelos quais o verdadeiro luxo sempre se regeu, adotaram práticas de marketing de consumo e não de verdadeiro marketing de luxo, tiveram pressa e não quiseram fazer as coisas com tempo e bem feitas, expuseram-se demasiado e diluíram o sentimento de exclusividade e valor, apostaram muito em crescer com clientes aspiracionais do ‘dinheiro novo’ e das classes médias emergentes.

E agora, nesta altura em que já passou a embriaguez do ‘revenge spending’ pós-Covid, as economias em diferentes geografias ressentem-se, a inflação aperta, os produtos em segunda mão são mais procurados e contribuem para desacelerar a venda de produtos novos, o consumo temporariamente retrai, o nível de exigência no serviço e atendimento ao cliente é menos atento, as vendas da maioria das marcas de luxo estão em queda acentuada.

Curiosamente as poucas marcas que continuam a subir vendas são as que não banalizaram, as que resistiram a essa tentação de ganhar dinheiro rápido através da massificação.