Alex Bogusky (outra vez) e a geração à rasca
Passaram semanas desde que a geração à rasca tomou conta de várias cidades, uma geração que em 1989 mostrou o rabo para a capa do jornal, mas que hoje passeia filhos às cavalitas e leva cartazes onde se lê “eles é que vivem acima das nossas possibilidades”, “flexitanga seguritreta” ou “o povo unido não precisa de partido”. À minha volta várias pessoas comentam que isto não leva a lado nenhum. Que somos um país de brandos costumes. Que isto devia ser a ferro e fogo. Que o facto de as pessoas se juntarem na rua para se manifestarem dá em nada, quem manda continua a mandar como mandava. Discordo. Se há coisa que me faz espécie em nós, portugueses, é a nossa incapacidade de nos mexermos pelo que nos interessa. Se alguma coisa nos prejudica ou nos desagrada, encolhemos os ombros e dizemos “é assim…” com aquele ar de revolta cruza-braços de quem não está disposto a fazer nada. Se alguém à mesa do restaurante verifi ca a conta e reclama umas manteigas a mais é visto como unha de fome. Tenho um amigo que escrevia cartas aos jornais a opinar sobre assuntos publicados, no tempo em que só existiam correios físicos, e era visto como uma espécie rara. Mas nenhuma acção existe sem consequências, todas as maratonas podem começar com uma passada de tamanho 38 e antes “à rasca” que ser geração “come e cala”. Por acreditar nisso, também acho que, sejam 30 mil sejam 300 mil, pessoas na rua a manifestarem desagrado sem partidos, sindicatos ou outras fi liações por trás já é uma boa rede social e pode ser o princípio de qualquer coisa. Mas será só em Portugal que está tudo mal?
Serve esta introdução para voltar a falar de marketing e criatividade, de Alex Bogusky e de uma outra manifestação cívica dessa geração à rasca que somos todos nós. O ex-director criativo da década saiu da publicidade para abraçar uma causa, a Fearless Revolution, que desenvolve a partir da empresa que criou, a Fearless Cottage, numa cidade pequena do Colorado. Ali, Bogusky produz um talk-show em casa que transmite online, onde põe em discurso directo a sua mudança de perspectiva, de defensor das marcas dos anos 90 para defensor do consumidor do séc. XXI. Em Janeiro de 2011, a Fearless Revolution de Bogusky criou uma marca, a Common, com um objectivo: ser a primeira marca de um novo capitalismo, destinada a promover a vantagem colaborativa em detrimento da vantagem competitiva. Não é para salvar o país da dívida pública, é para desenhar o futuro. Como? Estão a ver a Virgin Airlines, a Virgin Cola e as Virgin Megastores? Agora imaginem a Common Coff ee, a Common Bikes, a Common Houses, com algumas diferenças: em vez de pertencerem ao Richard Branson, os donos são criativos organizados numa comunidade que quer mudar o mundo; em vez de servir o interesse pessoal de um excêntrico, o objectivo da Common é o bem comum e a solução de problemas sociais propostos pela própria comunidade; em vez de distribuir dividendos pelos accionistas, distribui amor e prosperidade (esta parte cheira a queijo fl amengo, eu sei, mas há que olhar para este novo capitalismo sem o cinismo tão século passado). Entre a Common e a manifestação de dia 12 há milhares de km de distância mas um mesmo pressuposto. Esta geração está à rasca. Não é só em Portugal, não é só com o Sócrates e não é só com a dívida soberana. Ninguém sabe se vai haver emprego, aqui e em muitos outros países, mas alguém sabe se vai haver água? Os problemas são outros, as soluções não podem ser as mesmas, não basta votar em partidos. A Common é uma parte comunidade de criativos, uma parte incubadora de negócios (social venture), outra parte agregador de media e amplifi cador de conteúdos. A Common é feita por gente do comércio que respeita o valor das marcas, mas que não acredita que a forma como elas foram inicialmente desenhadas se aplique ao mundo de hoje. O valor da marca foi criado para servir apenas a companhia à qual ela pertence; no novo capitalismo, o valor da marca serve a sociedade, o ambiente e as gerações futuras. Experimentem googlar Common ou Fearless Revolution, vejam a declaração de intenções e o trabalho que está a ser feito. Os chavões desta manifestação são outros, “Common, the new industrialists”, ou “the future belongs to the fearless”, a direcção de arte é melhor do que a que se vê descer a Avenida da Liberdade, mas o problema é o mesmo. Pessoas que se juntam porque estão à rasca com o futuro.