Ainda há espaço para os mass media? Sim, mas é preciso um novo modelo de negócio

É prematuro considerar que os mass media estão a caminho do fim e mais ainda afirmar que já não existem. Representam, porém, um desafio e terão de encontrar estratégias para se manterem relevantes e para continuarem a chamar a atenção das marcas e do público, um pouco à semelhança do que aconteceu (e acontece) com a música e com o cinema.

Esta é uma das conclusões da mesa redonda sob o mote “Voltará a haver mass media?” que teve lugar esta manhã, durante a 15.ª Conferência Marketeer, com moderação do jornalista Daniel Almeida. Tiago Simões, director de Marketing da Sonae MC, foi um dos convidados do debate e deixou claro que ainda há espaço para os meios de comunicação tradicionais, como a televisão, a rádio ou a imprensa, mas o modelo de negócio tradicional apenas continua a funcionar em alguns casos.

Para já, o mercado beneficia do facto de a mudança de paradigma em Portugal ser mais lenta, oferecendo aos meios mais tempo para encontrarem novas soluções. Tal como as marcas tiveram de adoptar a personalização como bandeira, também os media terão de conseguir falar de forma diferente e relevante para cada consumidor. «Temos de encontrar um modelo de negócio que funcione para todos, para anunciantes e sociedade. É preciso um equilíbrio», afirmou Tiago Simões.

Realizada esta manhã, sem plateia mas com transmissão em directo a partir do Museu do Oriente, em Lisboa, a conferência organizada pela Marketeer tinha como tema “(Un)Fake – As Marcas, o Mundo e a Pandemia”. Pegando nesta questão, o director de Marketing da Sonae MC garantiu também que credibilidade e diferenciação são palavras-chave para que as marcas se afastem do “fake”.

Sandra Veludo, directora de Marketing Mercados Internacionais do Grupo Delta Cafés, concorda que não há fim dos mass media à vista e que, em período de pandemia, a televisão foi precisamente o meio escolhido para comunicar com os clientes e garantir que a Delta está com todos eles. Considerando que o canal Horeca tem uma importância enorme para o grupo e que foi um dos que mais sofreu com a COVID-19, a Delta sentiu necessidade de demonstrar o seu apoio.

Já Nuno Pinto Magalhães, director de Comunicação e Relações Institucionais da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas (SCC), está certo sobre o passado recente dos mass media, mas deixa a porta aberta relativamente ao futuro: «Não gosto nada de vaticínios, há muita imprevisibilidade e o que é verdade hoje é mentira amanhã», afirmou o responsável, indicando ainda assim que os mass media se têm sabido expandir, o que se espelha no aumento de audiências, mesmo que fragmentada.

Têm sabido também reinventar-se, tal como mostra o investimento dos anunciantes. Entre 2014 e 2019, todos os meios viram o investimento publicitário aumentar, com excepção da imprensa. «Se as audiências aumentam e os anunciantes continuam a investir… », sublinha Nuno Pinto Magalhães, referindo que reinvenção, captação de público, novas plataformas e resiliência são palavras de ordem.

A situação de 2020 é diferente. No geral, até Setembro, o investimento publicitário caiu 20%, embora as audiências (de televisão, por exemplo) tenham aumentado graças ao confinamento.

Sobre a SCC em particular, o director de Comunicação e Relações Institucionais revela que 65% da actividade da empresa depende do canal Horeca e que a falta de eventos e a suspensão da indústria nocturna tiveram efeitos pesados. Perante esta situação de quebra nas vendas, a dona da cerveja Sagres fala em cativação superior a 20% do orçamento de Marketing para manter os níveis de empregabilidade, por exemplo.

Para o próximo ano, Nuno Pinto Magalhães perspectiva um primeiro semestre semelhante, com a expectativa de que orçamento de Marketing se mantenha pelo menos igual ao de 2020. A Internet deverá ser uma das grandes apostas: «Deve crescer significativamente, mais do dobro em termos de rácio.» Contudo, a televisão continua a representar a maior fatia de investimento porque este é um meio transversal, que tem sabido apresentar novos formatos.

No retalho alimentar, Tiago Simões justifica o investimento em televisão com o facto de ser o meio que garante uma cobertura mais rápida. «Não há outro meio assim, se querem chegar rapidamente a muita gente», sublinha, alertando que o digital serve como um complemento forte, que permite alcançar consumidores que não são adeptos de TV.

Sobre o aumento da audiência de mãos dadas com diminuição do investimento, o director de Marketing da Sonae MC lembra que é preciso ter em conta o momento. «Tudo agora é um paradoxo, tudo agora é um contrassenso», explica, acrescentando que também os anunciantes sentem dificuldades e que há uma crise económica que já se faz sentir.

O sector em que se move será a excepção. Com o Continente, verifica-se o contrário, até porque também os restantes operadores de retalho alimentar parecem ter aumentado o investimento. Como consequência, puxado pelos rivais, também o Continente está a investir mais.

E o digital?

Apontado como uma das grandes ameaças aos mass media, o digital já não pode ser ignorado. No caso da Delta, um ponto crucial desta estratégia passa pelos influenciadores porque estão onde os consumidores estão.

«Aquilo que nós fazemos é identificar onde está o target e, neste momento, está em casa. Tivemos de ajustar o mix para falar com quem antes estava na rua ou cinema», explica Sandra Veludo. «O digital assume uma preponderância tremenda.»

Segundo a directora de Marketing Mercados Internacionais do Grupo Delta Cafés, em tempo de pandemia, os consumidores procuram marcas credíveis, que lhes dêem segurança e nas quais confiem – e é por isso que a quota de mercado de marcas líderes aumenta. Mas também procuram estes mesmos atributos em pessoas de referência. E é aqui que entram os influenciadores.

«Os influenciadores fazem parte de uma estratégia crítica para as marcas porque respondem a uma necessidade do público de ter referências para equilibrar a incerteza toda», nota Sandra Veludo, descrevendo-os como pontos de segurança e abrigo.

Numa lógica mais geral, Tiago Simões considera que as pessoas estão muito mais online e que os meios digitais estão normalizados, impactando o investimento publicitário. No entanto, é um investimento difícil de medir, uma vez que muitas vezes não passa pelas centrais de meios.

A concentração de poder no Facebook e na Google é outro desafio – não só para publishers, como muitas vezes se fala, mas também para os anunciantes. «Há vários riscos associados a estes meios, incluindo a medição das audiências feita pelos próprios meios», indica Tiago Simões, referindo que é algo que não acontece fora do online mas que é prática destes gigantes.

«Os media nacionais e a sua sustentabilidade preocupa-nos. Têm de continuar a existir», afirma, sublinhando que não pode estar tudo nas mãos da Google e Facebook. São também empresas com as quais é muito mais complexo formar parcerias como aquelas que são criadas com os meios tradicionais.

Fim dos mass media: sim ou não?

Para Nuno Pinto Magalhães, se 2020 não for considerado, é claro que os mass media têm vindo a crescer: «É uma tendência afirmativa». Incluindo a COVID-19 na equação, torna-se mais difícil tirar ilações, ainda que seja ponto assente que o Mundo será diferente e que terá de haver adaptações.

Já Tiago Simões tem menos dúvidas em relação ao futuro dos mass media e garante que «vamos sair todos muito reforçados». Porém, aquilo que acontecia nos anos 80, em que o trabalho terminava quando o anúncio era exibido na televisão já não existe. «O modelo típico de mass media acabou, mas os mass media não.»

Sandra Veludo, por fim, é peremptória: «Não estamos a caminhar para aí, de todo. Eles vão emergir mais fortes. (…) Nós, enquanto anunciantes, vamos olhar para os mass media de uma forma diferente, mas eles vão emergir muito mais fortes.» A responsável da Delta deixa ainda uma nota: o conceito de mass media é redutor, uma vez que também o digital devia ser incluído na conversa. Todos os meios podem coexistir em harmonia.

Texto de Filipa Almeida

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