AI vs. HI

Inteligência artificial, programático, precision marketing, predictive intelligence, machine learning, deep learning… As máquinas vão tornar tudo certo, preciso, objectivo, sem desvios, sem surpresas, sem desperdícios. As máquinas vão eliminar o erro e a imprevisibilidade e o marketing será finalmente uma ciência exacta. O já impressionante AlphaGo Zero foi derrotado pela versão Alpha Zero, à qual não tinha sido adicionada nenhuma informação sobre o jogo Go. Máquinas aprendem com máquinas e derrotam máquinas. Parece o princípio de todas as histórias apocalípticas de ficção científica que já lemos mas, para o Marketing, parece o caminho a trilhar, porque finalmente o retorno do investimento pode não apenas ser medido mas também garantido. E isto é perfeito. Ou será que não?

Em meados de Novembro saiu o novo filme de Natal da John Lewis, o mais aguardado filme de Natal em Inglaterra e atrevo-me a dizer no resto da Europa. Se o Alpha Zero ou outra qualquer máquina tivesse de produzir o próximo John Lewis, ele seria aquilo que este é? Uma bola curva como alguém lhe chamou recentemente, uma ideia inesperada e progressiva – no sentido de que é um avanço em relação a todos os filmes de Natal que a marca fez até agora e a todos os filmes de Natal que as outras marcas de retalho fazem inspirados nos filmes anteriores da John Lewis.

Este filme é tudo menos previsível, este filme não poderia ser fruto de um algoritmo por muito deep learning que houvesse envolvido, este filme só poderia sair da cabeça de um ser humano. Human Intelligence e não Artificial Intelligence. A inteligência humana é mais burra do que a inteligência artificial. E ao contrário do que pode parecer isso é uma coisa boa. A linearidade não é interessante para a comunicação. Pode ser lógica, mas não é inesperada. Pode fazer sentido, mas não nos arrebata. Pode ser objectiva e clara mas não nos faz olhar duas vezes.

Por isso, o marketing deve continuar a fazer uso da inteligência humana. Porque a intuição, o pensamento lateral, as viagens na maionese, a não conformidade do pensamento humano, produzem os resultados a que os outros humanos verdadeiramente reagem. A criatividade não é programável, a cultura não é modelável, a inovação não é previsível, quando falamos de comunicação, essa parte tão importante do marketing.

As pessoas que não pensam como as outras, que com os mesmos dados conseguem chegar a lugares muito diferentes e muito inesperados, são o valor que temos de continuar a proteger.

São os dissidentes que fazem o filme como o da John Lewis. E a nossa actividade precisa de dissidentes. Não porque fazem sempre a coisa certa, mas porque podem mostrar-nos que há sempre uma nova maneira de fazer a mesma coisa. Seja um filme de Natal ou outra coisa qualquer.

E só a Inteligência Humana pode ser dissidente. Já se a Inteligência Artificial se tornar dissidente estamos todos bem lixados.

Feliz Natal!

Por Judite Mota

Directora criativa Young & Rubicam Redcell

judite.mota@pt.yr.com

Artigo publicado na edição nº268 da revista Marketeer de Novembro de 2018.

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