Adeus, Carrie Fisher
Texto de Marcelo Lourenço, director criativo da Fuel Lisboa
Em 2015 eu e o Pedro Bexiga fizemos uma campanha de Natal para o Continente – o tema era Star Wars, a grande atracção da Feira dos Brinquedos daquele ano.
No filme vários miúdos falavam para a câmara a dar sempre o mesmo conselho – “Porta-te bem que vem aí o Natal”. Quando estávamos a filmar, o Alexandre Montenegro (que realizou o filme com o Luciano Ottani) teve uma sacada: vamos vestir uma das raparigas de Princesa Leia.
Não foi preciso mais do que cinco minutos – dois totós nos cabelos depois a rapariga era a Princesa Leia.
O que é a mais perfeita definição de um ícone – algo facilmente (e imediatamente) reconhecível por toda a gente, em todo o planeta.
Carrie Fisher, a actriz que interpretou a princesa Leia, poderia facilmente ter sido esmagada por esse peso, ser o ícone feminino da saga mais famosa do cinema.
Mas recusou-se a seguir o guião que a vida lhe impingia: preferiu ser ela mesma.
Não que na vida real ela também não fosse parte da realeza – ou pelo menos da realeza de Hollywood. Filha do cantor Eddie Fisher e da actriz Debbie Reynolds (a estrela de “Serenata à Chuva”), Carrie foi uma espécie de princesa de Beverly Hills, filha de artistas, com livre acesso a todos os tipos de drogas da galáxia.
E assim Carrie bebeu, cheirou, injectou e consumiu tudo a que tinha direito. Viveu la vida loca com o melhor (e pior) das celebridades da altura. Depois de uma noitada de drogas com Jon Belushi (que morreu de overdose em 1982) apareceu no set de “Star Wars: The Empire Strikes Back” a trançar as pernas.
Ainda durante as filmagens da saga, teve um affair com Harrison Ford, casado e muito mais velho do que ela.
Mas Carrie também recusou o papel da pobre menina rica de Hollywood: colocou tudo na sua autobiografia “Postcards from the Edge” que, não só foi um bestseller, como foi adaptado para o cinema com ninguém menos que Mery Streep no papel principal.
Quem é que consegue ser um ícone do cinema, um símbolo sexual (ah… o “metal bikini” da Princesa Leia), uma escritora de sucesso e ainda ter uma vida digna de virar filme onde só a Meryl Streep poderia interpretar o seu papel?
E tudo isso sendo mulher em Hollywood, o lugar mais machista do planeta?
Só mesmo a Carrie Fisher.
Num ano em que perdemos tantos génios do nosso tempo – David Bowie, George Michael, Prince – Carrie Fisher talvez seja o desaparecimento mais triste de todos.
Ao contrário de Bowie ou George Michael que interpretaram na perfeição o papel que o mundo lhes deu no camarim, Carrie Fisher não fez nada do que foi combinado.
Foi uma princesa que virou junkie, que virou escritora, que virou activista e que voltou a ser princesa. Foi isso tudo quando e como quis.
Neste mundo cada vez mais maluco e polarizado, onde toda a gente está disposta a julgar e a humilhar quem não pensa como era suposto, vai fazer falta uma Princesa Leia que nos ajude a lutar contra o Império do Mal de Donald Trump.
Reveja o filme criado pela Fuel para o Continente
Continente – Soup from Pedro Bexiga on Vimeo.