Adapte-se ou Morra!
Por Cláudia Ribau, doutorada em Marketing e Estratégia pela Universidade de Aveiro, docente no ISCA-Universidade de Aveiro, e Paulo Parracho, profissional na área de gestão de Recursos Humanos e Marketing
Uma pergunta que nos assalta vezes sem conta: onde está o sucesso do negócio/da marca?
Se fizermos uma pesquisa rápida na internet, o resultado aparece sempre associado a uma ‘venda de uma promessa’, que passa por uma receita ‘quase milagrosa’. Ora, se as houvesse, estaríamos todos a ‘salvo’!
Neste artigo de opinião não queremos ‘vender’ nada, apenas partilhar um pouco da nossa experiência na junção desta dicotomia RH e MKT. Para começar, não se trata de uma dicotomia, mas de uma simbiose que tem tudo para dar bons resultados se trabalhadas em conjunto, alinhadas em parceria e com um cariz de comprometimento recíproco. Afinal, o elemento comum e fundamental são as pessoas, que assumem papéis (em simultâneo) de consumidores, de colaboradores e de influenciadores.
A mudança de paradigma, conotada com a indústria 5.0, que espelha uma progressiva automatização, vinculada pelos conceitos de inteligência artificial e biotecnologia, marca o nosso dia-a-dia com mudanças vertiginosas. Os nativos digitais, que provocam a ânsia de vivermos digitalmente integrados, impõem à Geração X um ritmo alucinado.
Independentemente da geração, aos profissionais é-lhes exigida uma rapidez na tomada de decisão e no processo de operacionalização das mesmas. Pensar, assumir riscos, agindo, falhar e aprender é um ciclo de constante looping, que, voltando ao mesmo ponto de partida – estar conectado com os consumidores e com os colaboradores, fundamental para a sustentabilidade de qualquer marca/negócio –, melhoram-se performances, decisões, competências, estratégias. Estimula-se o empowerment dos recursos humanos e dos consumidores, a capacitação, que se quer colaborativa e humanizada, das pessoas, numa lógica H2H (Human to Human), ou mais concretamente P2P (Person to Person), de pessoa única para pessoa única, com a sua própria personalidade que se quer respeitada pela marca, acrescentando valor.
A personalização na compra de um carro, a programação televisiva, que só se aceita cada vez mais se for customizada, fruto do que ‘eu quero’, ‘quando eu quero’ e através do ‘formato que eu quero’. O sucesso da estratégia do marketing-mix assenta cada vez mais no EU, sabendo que cada pessoa tem a sua própria personalidade.
Um dos sectores com maior índice de inovação é o dos videojogos, que sofre com uma pressão constante na procura da satisfação das ‘pessoas’, de modo a poder manter/aumentar o consumo e reter talento, com foco em práticas individuais. Este sector é um dos líderes no estímulo de emoções e necessidades, onde é notória a evolução das práticas P2P, pois vejamos: em 1980 é lançado o videojogo Pac-Man e com ele somos recrutados para uma missão, onde vamos comandar uma espécie de círculo com boca e olhos, que passa o tempo a evitar ser comido por quatro ‘fantasmas’, um de cada cor.
No entanto, é possível despertar um superpoder em nós (entenda-se no nosso ‘círculo personificado’), através da alimentação de uma das quatro bolinhas maiores e mágicas que existem na plataforma. A actuação da Namco (produtor de Pac-Man) circunscrevia-se num sentido mais amplo: um jogo e uma solução para todos, humanizar, mas numa lógica H2H.
Em 1981, apenas um ano depois, somos impactados com o videojogo Ms Pac Man, que acrescenta apenas um laço ao nosso círculo e muda algumas cores das plataformas, tornando-o mais feminino. Agora, a missão resume-se a convidar o público feminino a intervir e apelar ao público masculino o salvamento de uma pessoa do género feminino. O apelo à missão, à emoção é evidente, apenas com uma nota evolutiva: passamos a ‘recrutar’ pessoas que nos ajudam a ‘salvar o dia’, pessoas estas que partilham connosco os mesmos objectivos e que são impactadas por características únicas (de apelo emocional) que as fazem entrar e comprometer-se nesta ‘missão’.
A indústria dos videojogos quer sustentar o seu negócio e para tal o seu foco é impactar o maior número de pessoas, adaptando uma lógica que afunila o H2H em P2P. O pormenor passa a ser um factor diferenciador e o ‘anzol’ para criar engagement.
Neste momento, existem jogos que estão num outro segmento face ao Pac-Man (p.e. o Fortnite e o Warzone), em que a individualidade do consumidor é explorada ao máximo. É possível escolher skins, personalizar armas e tornarmo-nos únicos entre milhões de jogadores. Estas opções permitem, para além de conferir um aspecto visual diferente, aumentar os nossos poderes e, assim, tornar-nos mais competitivos.
A procura das emoções e da individualidade do consumidor são tão bem exploradas que alguns destes jogos são gratuitos numa primeira fase. No entanto, para o jogador poder destacar-se por entre os milhões de jogadores ou atingir patamares mais elevados, terá que se submeter ao mundo virtual do próprio jogo, comprar moedas para gastar em upgrades das personagens, através de aquisição de skins, cores, armaduras, etc., ou aquisição de armas e acessórios. A indústria dos videojogos possibilitou a criação do ‘EU’ virtual e da solução ‘quase perfeita’ do P2P.
As novas gerações estão formatadas para este ‘ambiente’ virtual e são o presente dos consumidores, dos colaboradores, dos influenciadores, contribuindo para a sustentabilidade do negócio/da marca.
Quem diria há uns anos que poderíamos escolher o género, a cor de cabelo e dos olhos de uma pessoa? Se o afirmássemos há uma década eramos considerados desequilibrados, fruto de vermos muitos filmes da saga Star Wars.
O presente é este, já chegou: Adapte-se ou Morra!
A pessoa tem que ocupar ‘obrigatoriamente’ o centro de qualquer actividade, pois a ‘pessoa’ é simultaneamente o núcleo da actividade (também ela económica), como mostra a figura 1. A facilidade tecnológica de customização (que pode atingir o individual e total), quer para o lado dos colaboradores, quer para o lado dos consumidores, aprimora as exigências de qualquer estratégia de branding, interna ou externa.
As pessoas desempenham simultaneamente o papel de consumidores, colaboradores e influenciadores e estas mesmas pessoas movem-se pela emoção (seja pela dor, seja pelo amor), quer para comprar, quer para produzir. A pessoa, como um ‘ser de sentimentos’ dinâmicos, tomará as suas decisões em função do seu sentimento actual, mesmo que esse sentimento seja de previsão futura. Conhecer o padrão sentimento/opção dará uma vantagem à marca, se se conseguir adaptar a ele.
Nós, pessoas, somos fruto de uma evolução do ‘animal’ (racional, é certo). Mantemos gravado no nosso ‘hard drive’ instintos que estimulados provocam reacções (espontâneas ou ‘quase’ espontâneas). Neste processo emotivo-comportamental existem aspectos da ‘pessoa’, que se detectados, explorados e estimulados correctamente, alavancam um comportamento.
Os instintos de ‘sobrevivência’ (o mais básico), de sentido de pertença, motivacional ou de auto-realização explicam as reacções humanas e ocupam parte da complexidade na equação do comportamento de escolha (ou compra, se assim o quisermos denominar). Como ‘gestores ou influenciadores de pessoas’, quanto melhor conseguirmos identificar estes outputs comportamentais (os estímulos externos que provocam determinado tipo de comportamento que vá ao encontro do nosso objectivo: o ‘amor’ pela marca), maior é a probabilidade de conseguir que a pessoa opte pela nossa marca: escolha o nosso produto/serviço e/ou exerça as suas funções/responsabilidades com maior eficácia e eficiência para a marca para a qual desenvolve a sua carreira profissional.
Neste sentido, a marca deverá saber desencadear (despertar) emoções nas pessoas, que se querem naturalmente pelo lado do ‘amor’, de forma a impactá-las, comprometê-las, envolvê-las com a marca. Criar engagement entre as pessoas e a marca. Só resulta se as estratégias de gestão de pessoas (vulgo recursos humanos), reflectidas em endomarketing e employer branding, estiverem alinhadas com as estratégias de marketing.
Figura 1 – Visão integrativa
Fonte: elaboração própria