A sua agência é como uma BFF?
Há alguns anos atrás, as minhas filhas diziam que eu era uma BFF. Eu sentia a ternura, mas também a obrigação de lhes dizer que não, eu não era a melhor amiga, eu era a mãe, e isso eram duas coisas diferentes. Entretanto, elas tornaram-se adolescentes e já sabem. A BFF costuma ser a amiga que se ri de tudo o que elas fazem, e ama e odeia o mesmo que elas. A mãe é outra coisa. A mãe pensa a longo prazo, quer que elas sejam as melhores pessoas, por isso põe regras, diz o que está certo e o que está errado, corrige, ensina, repreende, sempre amando sem condições, por muitas que sejam as zangas.
Na vida como na publicidade, somos melhores se formos os porreiros que deixam fazer tudo, ou se formos chatos até à vírgula do headline? Construir marcas não tem nada a ver com educar um filho, mas é diferente ainda de manter uma amizade teenager. O nosso trabalho não é concordar com tudo o que pensam os nossos clientes, nem rir se virmos que vai dar disparate. Os clientes têm sempre razão, é verdade, no sentido em que é fundamental entender o seu negócio e trabalhar em benefício dele. Mas quando um cliente procura uma agência, busca alguém que sabe mais do que ele sobre alguma coisa. O que nos leva à questão: o que é que uma agência sabe, agora que toda a gente sabe fazer tudo?
Comecemos pela qualidade mais óbvia: somos especialistas em falar com as pessoas. Há, nas agências, uma concentração de talento e de experiência em comunicação, porque os nossos dias são dedicados a procurar ideias que tocam e movem os outros. É fácil pegar num publicitário e levá-lo para a sua empresa, por isso muitas empresas contratam gente que vem de agências, e ainda bem, mas não é a mesma coisa. Eles serão as mesmas pessoas, mas trabalharão em contextos diferentes, logo produzirão resultados diferentes.
O que me leva à segunda qualidade: ter cultura criativa. Aí está algo único que uma agência pode oferecer a um cliente: o ar que se respira nos corredores, e que depois se traduz nas ideias que estão no portefólio. É uma espécie de sal e pimenta que faz com que, com os mesmos ingredientes, as ideias saiam com um sabor diferente. Há muitas formas de definir uma cultura criativa, tantas quantas as formas de fazer bem feito. Há os que querem que os anúncios não sejam só anúncios e que as marcas façam parte da cultura popular. Há os que procuram relevância social. Outros, a guerrilha. Os que acreditam no poder de uma boa história. Os que se focam em trabalho que desafie os limites da tecnologia. Os mais premiados, e até os que não acreditam em prémios.
Quase todas as agências encontram hoje uma forma criativa de se definir, inspirando uma equipa inteira a procurar as melhores ideias nessa direcção e a aplicá-las aos seus clientes. Não basta ter visão, é preciso ter uma visão mobilizadora com provas dadas. Cultura criativa é algo difícil de encontrar num perfil isolado de LinkedIn porque é, sem dúvida, o resultado do trabalho de uma equipa focada em criatividade. A melhor forma de trazer mais cultura criativa para a sua marca, até prova em contrário, ainda é contratar uma agência com a qual você se identifique culturalmente.
Isto leva-me à terceira qualidade de uma boa agência: ter espírito crítico. Essa capacidade de ouvir uma opinião, de a mastigar e de a questionar, se for caso disso. Se há algo valioso que as agências sempre ofereceram aos clientes é fazer o contraponto, exercendo o direito de poder não estar de acordo e pôr em cima da mesa uma solução melhor. No dia em que perdermos isso, aí sim, perderemos um dos nossos maiores valores.
E chega de reflexões por hoje. Tenho duas miúdas de 14 anos à espera, para ver o 13.º episódio da 9.ª temporada de Friends, “aquele em que Monica canta”.
Por Susana Albuquerque
Directora criativa da Uzina
Susana.albuquerque@uzina.com
Artigo publicado na edição nº270 da revista Marketeer de Janeiro de 2019.